sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Feliz ano novo







Não, não vou desejar-lhe um próspero ano novo. A idéia de prosperidade sempre me trás à mente a triste figura do burguês gordo, sovina, o terno um pouco apertado. Prefiro desejar que você ande folgado em uma camisa branca de algodão.
Não espero que todos os seus desejos se realizem, que lhe sobrem vontades para deixar seu passo ligeiro e seu olhar vivo sobre as cabeças que vão baixas.
Saúde sim, que tenha muita, mas se acaso algum achaque o surpreender, meus sinceros votos são para que não haja greve de médicos e que a fila seja curta.
Espero que se houver muito dinheiro no seu bolso nesse próximo ano, que ele seja mais dividido que poupado e que haja alegria nisso.
Um ano repleto de felicidades é pedir muito. Mas não se acanhe de dar uma gargalhada de vez em quando.
Desejo de coração que janeiro não traga dengue para que em fevereiro sua elegância seja de mestre-sala e você, minha amiga, tenha um sorriso de porta-bandeira.
Que as águas de março não alaguem sua cidade e que no primeiro de abril, seja você o autor do trote.
Para que seu maio seja aproveitável, não vá comemorar o dia primeiro onde haja músicos sertanejos e sorteio de automóveis. Fique de pé e lembre-se dos que caíram.
Se junho o encontrar gripado, não economize no quentão pois julho tem trabalho dobrado com as crianças de férias.
Quando agosto soltar seus cachorros loucos, durma juntinho dela esperando a primavera.
Em outubro não vá à Aparecida.”Boa romaria faz quem fica em sua casa em paz”
Vote direito em novembro. Nem que seja em branco se sua cabeça assim determinar. O menos ruim é sempre ruim.
E enfim, desejo que seu time escape do rebaixamento na última rodada do campeonato para que você não fique falando de juízes no resto do mês de dezembro.
Feliz ano novo. São os votos sinceros do Manuel e os meus também.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Frases







Em 1988, Carlos Menem concorria com Antonio Cafiero pela indicação de seu partido para disputar a presidência da República Argentina. Foram prévias renhidas com simpatizantes exaltados e grandes frases no melhor estilo grandiloqüente dos políticos daquele país. Num dos últimos atos públicos de sua campanha, Menem proferiu discurso no qual expunha os motivos que o levavam a querer disputar a Casa Rosada e por quem lutaria caso fosse eleito presidente. Disse o homem das costeletas:_”Por los niños pobres que tienen hambre, por los niños ricos que tienen sed de amor”. Pois é, ele não deixava escapar ninguém. Mas se esse discurso é risível, em outra fala, o filho de La Rioja resolveu citar o prócer de seu partido e mandou essa:_ “Como dijo Perón, nunca tantos hicieram tanto por tan pocos”.Isso ninguém me contou, eu mesmo ouvi ambos os discursos transmitidos pela Rádio Del Plata, presente nos comícios com seus microfones.
Mas se trocar o nome do autor ao citar uma frase já é pecado, o que dizer de quem cita, como se sua fosse, a frase de outro? Indesculpável. Mas há pior.
Outro dia, corria os olhos por um sítio informativo quando me deparei com a reprodução da coluna que Luis Felipe Pondé escreve na Folha de São Paulo. O filósofo, em seu texto áspero, fazia considerações sobre essa mania tão caipira de nossas classes médias de enaltecer a Europa em tudo. Eu, ainda que com certo receio, ia concordando com o pensador da Avenida Paulista quando encontro a frase:_”Eu não sou patriota, patriotismo é para canalhas”. Tive a certeza de estar diante de uma adulteração.A frase fora corrompida, deturpada, mas ainda estava lá., reconheci-a. “O patriotismo é o último refúgio de um canalha”
Quando o Samuel Johnson cunhou o dito, me parece óbvio que quis dizer que esgotados todos os recursos de canalhice, o sujeito de pouco caráter usa o artifício de um patriotismo postiço para perpetrar seu derradeiro golpe. De maneira nenhuma afirma que o patriotismo é coisa de canalhas, pois qualquer um olhando em volta, encontra patriotas dignos. Homens e mulheres que através da história fizeram do seu amor à terra em que nasceram, fonte de inspiração dos mais altos e desinteressados ideais. Basta lembrar o Tiradentes e os outros componentes da conjuração mineira. Ou, no século seguinte, toda a geração de literatos que instauraram o romantismo no Brasil. Claro que entre estes houve um grande número de canalhas e postiços, mas creio que não se pode mencionar Paula Brito, Teixeira e Souza ou Gonçalves Dias, nesses termos. Estes homens que iniciaram a puberdade à época da independência, tinham no amor à pátria nascente, algo mais que a pose ou o trejeito de alguns contemporâneos seus. E não vou mais alem nos exemplos para não começar a citar os vivos que poderiam me desmentir no futuro.
Mas como sabemos, Pondé ama as câmeras e, diga-se a verdade, por elas é amado. Talvez, as horas gastas maquiando-se para suas aparições na televisão ou sua ida a jantares e lugares finos o tenha impedido de pesquisar para citar corretamente.e com a cabeça na sua nutrida agenda, não foi capaz de meditar no que escrevia. Saiu-lhe o monstrengo em forma de oração.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Impunidade







Esta semana faz 10 anos que forças policiais argentinas dispararam contra a multidão que se manifestava em repúdio às medidas do governo daquele país, então encabeçado por Fernando De La Rua. Da brutal repressão resultaram 40 mortos e muitos feridos. O presidente, que pouco depois renunciou e fugiu da Casa Rosada de helicóptero, ordenara a ação policial e os superiores do aparato repressivo entregaram aos subordinados balas de chumbo e não as de borracha que normalmente são usadas nesse tipo de operação.Mesmo depois de uma década, ninguém foi indiciado pelos crimes.
Na França, Jaques Chirrac foi enfim condenado por crimes cometidos quando era prefeito de Paris entre 1992 e 1995. Aquele que viria a ser presidente da república francesa, criou vários cargos fictícios na prefeitura que comandava. Como a condenação o encontra octogenário, o ex-presidente não cumprirá um só dia da pena na prisão. Uma decisão judicial proferida quase 20 anos depois do cometimento do delito.
De janeiro a dezembro do ano passado foram cometidos mais de 50 assassinatos de mulheres na Espanha. Todas mortas por seus maridos e namorados. Esses crimes, que o noticiário da televisão pública espanhola trata pelo eufemismo de “crimes de gênero”, estão se tornando um esporte nacional no país das touradas. Os dados deste ano não estão sendo divulgados.. Hoje pela manhã houve mais um desses crimes mas a jornalista que narrava a notícia não mencionou nenhum número como foi comum a cada caso ocorrido no ano passado. Em caso recente, um jovem seqüestrou, estuprou e matou uma menor de idade. O juiz que instruía o processo decretou que o assassino não vá a júri popular pois o assassinato teria sido um crime praticado em conseqüência do crime originário de estupro. Será julgado e condenado por decisão monocrática de um homem togado. A decisão do juiz instrutor sugere a futuros assassinos que antes de matar uma mulher deve-se estupra-la evitando assim ser julgado pela sociedade. Júri popular é, em geral, muito severo com assassinos estupradores, resta saber que sentença será dada pelo juiz ao estuprador assassino.
Foi pronunciada a sentença do jovem português que matou a mãe enquanto essa dormia. Segundo o noticiário da SIC, eles tinham um péssimo relacionamento. A mãe, médica, pressionava o filho para que esse concluísse o curso de medicina. O juiz considerou que o réu do homicídio duplamente qualificado, não mostrou sequer sincero arrependimento e condenou-o a 17 anos e meio de prisão. A defesa vai recorrer da sentença alegando que algumas das acusações não foram suficientemente provadas. Se mantida a sentença inicial, em seis anos o matricida estará nas ruas e poderá desfrutar da herança da mãe chata.
O ministério da saúde francês conclamou as mulheres que fizeram implante de silicone nos seios para que procurem o serviço sanitário e removam as próteses produzidas por um determinado fabricante que teria usado silicone industrial na confecção das mesmas. O sistema de saúde concluiu que vários casos de câncer mamário estavam relacionados ao uso das próteses fornecidas pela empresa de produtos médicos. A saúde pública fará gratuitamente a remoção, mas só fará novo implante nos casos em que a cirurgia foi de caráter reconstrutor e não apenas estético.
Em nenhuma das reportagens que assisti, mencionou-se qualquer medida punitiva contra o fabricante das próteses.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Adeus







Morreu Joãozinho Trinta e com ele uma página do carnaval carioca.
Sua trajetória como carnavalesco é uma das mais vitoriosas na história do carnaval..Depois de iniciar como assistente no Salgueiro onde foi campeão em 65, 69 e 71, trabalhou em 73 ao lado de Maria Augusta e 74, já como solista, conquistou o título para a escola da Tijuca, bisando no ano seguinte.
Em 1976 levou a Beija Flor ao topo no desfile das escolas e depois repetiu o feito em 77 e 78. Conquistou também, pela “orgulho da baixada”, os títulos de 80 e 83. Sua passagem pelo carnaval de Nilópolis foi tão vencedora quanto polêmica. Criticado por sambeiros, politicólogos e outros palpiteiros, pelo luxo que sua escola colocava na avenida, em contraste com a realidade das comunidades das quais as escolas eram oriundas, o maranhense da baixada fluminense foi categórico ao afirmar que “pobre gosta é de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”. Faltou dizer que intelectual gosta de miséria dos outros. Também bateu de frente com a igreja católica quando vestiu uma imagem do Cristo redentor de mendigo no seu enredo “Ratos e urubus, larguem a minha fantasia” Foi impedido e teve que cobrir a alegoria com um plástico preto mas não deixou por menos e sobre a veste que a censura eclesiástica impôs, escreveu os dizeres:_”Mesmo censurado, rogai por nós”.
Pela Acadêmicos da Rocinha foi campeão nos grupos 1D, 1C e 1B em 89, 90 e 91. Também venceu o acesso pela Império da Tijuca em 76. Voltou a conquistar o título do grupo especial em 97 pela Viradouro. Entre o carnaval carioca e o paulistano somou também 6 vice-campeonatos.
De Joãozinho Trinta guardo uma história contada pelo Neguinho da Beija Flor que ouvi numa entrevista há alguns anos. Contava o cantor que estava à porta de sua casa um domingo de manhã quando Joãozinho Trinta,.que ia para a feira, parou para uma conversa e disse ao compositor que tem a escola no nome e na história:_Olha Neguinho, todas as grandes escolas têm um samba que as exalta e nós não temos esse samba. Você, como um dos compositores mais famosos da escola, deveria fazer algo a respeito.  Despediu-se e foi comprar limões à feira.
Neguinho da Beija Flor entrou em casa e encontrou a lira e a musa e naquele mesmo instante começou a escrever o samba exaltação que lhe cobrara o carnavalesco.Voltou ao portão e quando Joãozinho Trinta retornava de suas compras, mostro-lhe o samba recém composto. Cantava olhando para o papel onde estava a letra ainda cheirando à tinta. Quando levantou os olhos para colher a aprovação de Joãozinho Trinta os olhos deste estavam cheios de lágrimas.
Sobre todas as glórias conquistadas e polêmicas causadas, para mim essa história define mais Joãozinho Trinta que qualquer outra.

Detonando o Japão







Enquanto esperava pelo jogo Santos e Barcelona, que assisti com o som da tv desligado, fiquei rememorando as últimas informações que os jornalistas esportivos nos deram em suas entradas ao vivo, desde o Japão,e nas transmissões dos jogos anteriores. Eu disse “informações”?  Já comecei mal.
 Não são fatos o que trazem esses jornalistas e sim uma enciclopédia de estereótipos já consagrados. Por eles só fico sabendo da educação estremada do povo japonês, da sabedoria oriental, do respeito aos mais velhos que aquela cultura exalta, da limpeza das ruas, da enorme tecnologia presente até em seus vasos sanitários. Sobre episódios recentes da vida japonesa, nada. Fukushima jamais existiu no imaginário de nossos patrícios que exercem a crônica esportiva.
Quando em setembro de 1945 os japoneses assinaram a rendição na segunda grande guerra, seu imperador Hirohito foi obrigado a fazer uma aparição pública e renunciar à sua divindade.Pela primeira vez na milenar história daquele país, o povo pode ver a face de um imperador. Imagino a decepção. O líder que por anos os fizera lutar em nome das tradições japonesas e repúdio ao domínio ocidental no oriente, apareceu num palanque de madeira sem adornos, mais parecendo um patíbulo que outra coisa. Trajava uma ridícula casaca que o fazia parecer-se a um besouro anão e seria motivo de riso até para a barata do Kafka, no rosto levava um bigode mal aparado em nada parecido às extravagâncias capilares dos samurais e shoguns e na cabeça um chapéu mais ocidental que o rebolado de Rita Hayworth. Ainda por cima vinha dizer que não era deus na terra e, com a graça dos americanos, seria apenas chefe de estado. Seus generais já haviam sido enforcados por crimes de guerra em seu lugar. Ele, que até o fim dizia que a rendição seria inaceitável, a aceitara em troca de seu pescoço imperial e divino. E é claro, devido à evidência que “fat man” e “little boy” mostraram.
Entre Hiroshima e Fukushima, o Japão tornou-se potência tecnológica e econômica e nos é mostrada como uma espécie de shangri-lá com terremotos pela televisão tupiniquim. Mas o que os olhos vêem o estereótipo apaga e nossos “enviados especiais” sequer enxergam que a simpatia reservada aos turistas é tão universal quanto à coca-cola. De Xerém a Kobi o gringo é bem recebido porque traz a grana. Que o respeito aos mais velhos é na verdade um respeito aos mais ricos.Lá e cá. Velho pobre tem que se valer da segurança social que sempre se mostrou mais evidente nos países ocidentais.O convívio de várias gerações sob o mesmo teto nada tem a ver com respeito à sabedoria e sim com falta de aposentadorias dignas que tornariam os velhos independentes da chatura de noras e netos adolescentes.
Mas para nosso espanto, ficamos sabendo que nas ruas do Japão não se encontra nem um fio de cabelo no chão e que poucos dias após o tsunami, estradas inteiras haviam sido reconstruídas.Pouco importa se crianças comeram carne contaminada inspecionada e liberada pelo governo e que a demora de um mês em ampliar a área a ser evacuada em torno da usina atômica avariada, fez com que milhares de pessoas ficassem expostas, desnecessariamente, à radiação. Tudo para evitar a desordem que uma fuga em massa dos locais contaminados provocaria. Os japoneses odeiam a desordem.  Sofisticados equipamentos de detecção de radiação diziam o contrário mas o governo japonês ordenou que ficassem em casa. Uma simples dose de iodo poderia ter evitado a contaminação radioativa.(O iodo não radioativo ingerido antes ou pouco tempo depois do contato com isótopos radioativos de iodo impede que a radiatividade seja absorvida pela tireóide) Em poucos anos saberemos os resultados dessa conduta governamental.
A ordem com que se comportam os japoneses também é motivo de admiração para os jornalistas esportivos brazucas que visitam aquele país. Quem os ouve tecer tantos elogios ao comportamento ordeiro, pensaria que essas pessoas jamais jogaram lixo na rua ou estacionaram seus carros em local proibido. Para eles é digno de nota que até para se suicidar os japoneses são ordeiros e respeitam as tradições. Mas como o Japão é o recordista mundial em suicídio infanto-juvenil, algum deslize deve-se esperar dos que praticam a milenar tradição do harakiri em tenra idade. Má influência ocidental, de certo.
No entanto se há algo em que o Japão se destaca é na tecnologia, e não só na tecnologia inútil dos jogos de vídeo e outros que tais. Os japoneses são bons em máquinas e equipamentos e no mundo das telecomunicações encontram poucos concorrentes.Como isso é fato inconteste, muito me surpreendi quando vi no canal japonês por ocasião do desastre nuclear de Fukushima, que durante as reportagens de rua e nos estúdios apareciam cartazes escritos que eram manipulados por algum ajudante do repórter. Mesmo durante as entrevistas coletivas com os responsáveis pela usina nuclear acidentada, que sempre vestiam uniformes muito grandes para seus corpos diminutos, havia os tais cartazes. Se a cena já era patética pelas caras de passarinhos tristes que todos ostentavam e pelos uniformes comprados, de certo, pelas mães dos diretores da usina nuclear, (as mães sempre compram roupas um número maior pensando no rápido crescimento dos filhos mesmo que estes já tenham 32 anos) os gráficos e dizeres, mostrados dessa maneira tão rudimentar, davam ao todo um aspecto de pobreza tecnológica da televisão dos anos 60 e me fazia lembrar da TV Tupy, da propaganda do sabão Rinso e, claro, do National Kid.
Talvez o problema dos japoneses é que apesar de terem contribuído para o mundo com muitas coisas realmente geniais, o ocidente cisma em destaca-los por suas bobagens. Assim é com seus “anime”. O nome não disfarça o que é, mas pelo menos não temos que dizer “desenho animado” para algo tão desanimado. São desenhos que nada têm de movimento, pelo contrário, são figuras estáticas cujo único esboço de animação fica por conta de uns olhos enormes que abrem e fecham a cada quadro.(Os japoneses crêem que possuem olhos como aqueles) Mas se visualmente são feios, o que se pode dizer dos enredos?  São dramalhões que fazem novelas mexicanas parecerem um baile gay de carnaval. Quem sabe aí não esteja um dos fatores que levam tantas crianças ao suicídio naquele país?
Parentes dos “anime”, os “mangá” também são uma febre no Japão. Certa vez li que 50% do papel para impressão japonês é usado para editar essas histórias em quadrinhos. O número me parece exagerado, mas se estiver correto, livros, jornais, revistas, folhetos, cartões de visita, notas fiscais e propagandas em geral, dividem a outra metade. Dessas publicações há para todos os gostos. Infantis, juvenis, adultas, cômicas, trágicas, eróticas e históricas. Na terra de Mishima e Kenzaburo Oe, quem manda é Gocu.
 O fascínio pelos heróis mascarados talvez baste para explicar porque sempre vemos, em cenas filmadas nas ruas do Japão, pessoas usando estúpidas máscaras cirúrgicas. Esse infantilismo contagiou outro ser pouco amadurecido e a figura de Michael Jackson usando uma máscara na cor preta sempre me vem à mente quando assisto as notícias referentes ao julgamento do médico do “rei do pop”.
   Porém nada mais fascinante para os parvos ocidentais que a tradição.Pode-se dizer que a maior tradição japonesa é a tradição. Para todos os atos humanos há uma prática tradicional. Mesmo que essas tradições se mostrem ridículas como o cerimonial que se deve seguir para tomar o chá em minúsculas xícaras, a arte das gueixas ou a inutilidade do bonzai. Não importa. Os japoneses souberam vender seu peixe cru e mesmo quando os recebemos no ocidente, suas frescuras são seguidas aqui também. Grandes empresas dão cursos para que seus executivos não molestem os clientes ou fornecedores japoneses com atitudes ocidentais. Mas se agradam por aqui, entre seus vizinhos do extremo oriente, sua fama está mais ligada ao imperialismo, aos massacres, como o de Nanquim,.e ao racismo. Para os chineses, a melhor tradição japonesa é a bomba atômica.





sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Artilheiros







Mário Vianna foi uma grande figura do futebol brasileiro. Árbitro, técnico e comentarista de arbitragem durante décadas, seu nome sempre esteve ligado ao folclore do esporte. Em uma crônica dos anos 70, João Saldanha conta um episódio bem característico da personalidade de MárioVianna. Morador da Urca ele se vestia de Papai Noel pelo Natal e distribuía presentes para as crianças do bairro. Um dia enquanto fazia seu périplo natalino pelas ruas do belo recanto carioca, algum engraçadinho fez uma piada de mau gosto referente às suas vestes. Mário não conversou, desceu do Jeep que o conduzia e deu uma tremenda surra no gaiato. Justificou-se dizendo que não era por ele e sim pela imagem do bom velhinho.Isso ocorreu quando já era comentarista da Rádio Globo.
O povo lhe tinha enorme carinho e disso fui testemunha quando assisti em Gal Severiano o jogo Botafogo X Bangu no início dos anos 70. Nem me lembro qual foi o placar. O Botafogo venceu. Desse jogo, que deve ter sido um dos últimos que o alvinegro carioca mandou em seu estádio, lembro-me bem que quando Mário Vianna  intervinha na transmissão com seus famosos “la mano” ou “banheira”, a torcida voltava-se para a cabine de rádio e o saudava como se fosse um de seus atletas e ele retribuía acenos e sorrisos. Alem desse fato, recordo que devido ao mal estado do gramado, o juiz torceu o pé e teve que ser substituído.
Muito antes, na Copa do Mundo de 54, Mário Vianna estava na Suíça como representante da arbitragem brasileira. Terminado o jogo Brasil 2X 4 Hungria, que eliminava nossa seleção da competição, ele, assim como muitos brasileiros ficara indignado com a atuação do juiz da partida e, em repúdio, tentou arrancar o escudo da Fifa que trazia preso ao bolso superior do paletó e como o emblema não cedeu, todo o lado da vestimenta foi rasgado e ele perambulou colérico pelo gramado de Berna aos farrapos. Essa escutei de Sandro Moreira num bate papo esportivo promovido pelo IBAM do Rio antes da copa de 82.
Mas a passagem de que mais gosto, quem contou foi o Mazola numa entrevista que assisti pouco tempo atrás e se refere  ao Mário Vianna que tentou a carreira de técnico no Palmeiras. Dizia Mazola que Mário sempre lhe pedia que pressionasse o goleiro nas saídas da meta, mas ele não era muito disso. Era um jogador técnico que não tinha por hábito dividir bolas com o arqueiro. Mas houve um jogo, no Ulrico Mursa, em que Mário, suspenso, comandava seus jogadores detrás do alambrado. Era uma noite de chuva e o técnico de voz possante berrava para ser ouvido pelos atletas dentro do campo e insistia para que Mazola apertasse o goleiro. Talvez já cansado de ouvir a gritaria, Mazola obedeceu e dividiu uma bola que vinha cruzada na área. Não deu outra, o guarda metas soltou a bola molhada e o artilheiro esmeraldino fez o gol. Mário Vianna não se conteve e virando-se para o público bradou:_”Esse gol é meu, esse gol é meu”.
Claro que a frase tem muito a ver com o Mário Vianna que distribuía presentes nas ruas da Urca, vestido de Papai Noel .Mas tem gente da qual não se espera algo assim. É o caso do Mourinho.
O treinador português nem de longe lembra o folclórico Mário Vianna. Ganha milhões, anda de Mercedes Bens, veste-se como um manequim de loja fina e usa perfumes caríssimos. Já provou, por onde passou, que é bom técnico. Não passa temporada sem título. Nem de longe provoca simpatias.  Finda a temporada passada, o treinador do Real Madrid teve que se contentar com a Copa do Rei (estamos no século 21 e ainda se joga uma copa do rei). Nas outras duas competições que seu time disputou, teve que ver o rival Barcelona como campeão espanhol e amargou uma desclassificação da liga dos campeões da Europa pelos pés dos catalães. Sobre esse fraco desempenho (fraco para os padrões do Mourinho) o treinador falou à imprensa que apesar de tudo a temporada havia sido boa. _ “Foi o campeonato em que fiz mais pontos, e a temporada em que fiz mais gols.” Pois é, assim como Mário Vianna, Mourinho acredita que faz gols. Já não lhe bastam os louros que a imprensa oferta aos treinadores. Táticas, estratégias, esquemas, qualquer um concebe. Mourinho faz gols. Quando as glórias esportivas já não lhe bastem ao ego, o grande treinador luso não se aposentará, pendurará os sapatos de 800 euros com os quais balança as redes adversárias. Mas antes disso ainda o veremos gritar à beira do campo, para nosso espanto:_ “Este golo é meu, este golo é meu”.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Colunista





Em um grande jornal houve um pedido de cancelamento de assinatura. Como o pedido havia sido feito por um dos mais antigos e fiéis assinantes, o departamento comercial do diário mandou que um funcionário fosse pessoalmente inquirir sobre o motivo do cancelamento. Encontrado o homem, perguntou-lhe o enviado do jornal:_ Afinal o que o fez cancelar sua assinatura? Foi a mudança na linha editorial? Alguma falha na entrega? Algum artigo o incomodou? _Nada disso, respondeu o outro, é que eu me aposentei, vendi a peixaria.
 Confesso que não leio jornais. As informações que busco , encontro na internet, na televisão, no rádio. Faço dos jornais impressos, que me caem nas mãos, uso semelhante ao do antigo peixeiro. Forro as latas de lixo. Claro que dou uma olhada nas manchetes, e se há alguma coluna com foto do colunista, leio por alto, sem buscar os óculos. Colunista com retratinho é irresistível.
 Roberto Arlt, o maior escritor argentino de todos os tempos e estilos, escrevia uma coluna jornalística intitulada “Águas fuertes porteñas” que era a mais lida em Buenos Aires, mas, seu rosto era desconhecido. Não havia retratinho encimando sua coluna. Quando morreu, em 1942, circulavam lendas sobre ele. Diziam que de tão alto, seu caixão não passara pelas curvas das escadas do prédio em que morara e foi necessário baixa-lo por cordas. Hoje saberíamos o número de seu sapato. Sua escrita não seria suficiente para imortaliza-lo. Nos nossos dias o escritor e o jornalista devem ser reconhecidos nas ruas. Daí os retratinhos.
De manhã ao forrar a lata de lixo com o lixo impresso, deparo-me com a coluna (retrato e tudo) do Sr. Cacau Meneses. Este “jornalista” mantém, além de página inteira no “Diário Catarinense”, alguns longos, intermináveis minutos no “Jornal do almoço”, noticioso que é exibido pela televisão pertencente ao mesmo grupo empresarial do diário. E é uma celebridade na província. Gaba-se de ter sido narrador esportivo aos doze anos mas esquece-se de dizer que a rádio, na qual fazia-se de locutor, pertencia a seu pai. Em sua coluna trata de politicagem local e festinhas de grã finos. Em um número da semana passada, sob o título “Esqueceram o metrô”, o Sr. Cacau nos brinda com o seguinte: _“Que a maquete da quarta ponte impressionou, isso ninguém tem dúvida. Que ela vai ser construída, saindo do mundo virtual para o mundo factível, isso é outra coisa que não tem mais como ser protelada”
 Ora, uma maquete é a visão de algo factível. Lá está, em escala reduzida, algo que pode ser feito. Algo factível. Acho que ele quis dizer “do mundo virtual para o mundo real” mas, talvez achasse que a imagem já está demasiado gasta e resolveu usar seu vasto vocabulário. O resto da frase também é um desastre. Mas continua o Sr. Cacau: _”Afinal, o trânsito há muito que já não atende à mínima necessidade para uma mobilidade razoável.” Que confusão do cacete.
Mas não pára por aí. Na mesma edição de 5 de novembro de 2011 agora sob o título “Floripa sem miséria (1)” o Anselmo Góes da imprensa catarinense manda a seguinte letra que não resisto a reproduzir na íntegra: _”O presente e o futuro da Capital, convenhamos, tem sido discutidos em torno das classes A,B e C. As classes menos favorecidas ou têm sido esquecidas ou entram no contexto estatístico, ou seja, ao se analisar os grupos com maior poder aquisitivo, engloba-se, automaticamente,os de menor renda. A partir dessa constatação, cuja veracidade teria que ser confirmada por estudos mais aprofundados, pergunta-se: o Programa Brasil sem Miséria, lançado pelo governo federal, precisa ser aplicado na Ilha da Magia? Reiterando: é uma questão para análise”
Amigo, você que alem de ter bom coração, possui o dom da inteligência, cursou uma boa faculdade e já mergulhou nos confins da metafísica, poderia me explicar que porra é essa? Por mais que me esforce não consigo entender o que quis dizer o aprofundado Cacau Meneses. Seria uma crítica às estatísticas? Um questionamento sobre a política do Governo Federal? Ressaca? Overdose de santo daime?
Bem, talvez você não possa me ajudar ou nem mesmo queira, afinal pode estar pensando: _Olha quem fala. Pontua mal, conjuga que é um despautério, craseia como um chimpanzé e quer falar mal do outro. Mas aí, embora concorde, trago mais uma estorinha jornalística em meu socorro. Lá pelos anos trinta nos Estados Unidos, um proprietário de um tablóide sensacionalista foi questionado por um colega da imprensa “séria”: _Como você pode publicar um jornal tão ordinário? Respondeu o outro sem perder a pose: _ É ruim, eu sei, mas só custa 10 centavos . Pois bem, é o mesmo caso. Para ler o Sr. Cacau Meneses há que pagar 2 reais, enquanto que aqui é de graça.


domingo, 27 de novembro de 2011

Lições de Espanha






Algumas lições podemos tirar da última eleição espanhola principalmente agora, quando discutimos nossa reforma política. Claro que estamos apenas fazendo uma tímida reforma eleitoral, mas, é justamente nesse campo que os espanhóis nos mostram algumas coisas interessantes.
A primeira delas se refere ao comparecimento às urnas. Cerca de 75% das pessoas aptas a votar depositaram seu voto no último dia 20. Se levarmos em consideração que o voto lá é facultativo e não é de se crer que alguém saia de casa para votar nulo ou em branco quando seu comparecimento não é compulsório, verificaremos que o número de votos válidos se aproxima muito com os aferidos no Brasil nas últimas eleições daqui. Seria este um argumento para quem defende o voto facultativo no Brasil. O eleitor depois de tantos anos de obrigatoriedade já se acostumou ao dever cívico e já não seria mais necessário tange-lo para as urnas. Na minha humilíssima opinião esta questão não é tão importante para o aperfeiçoamento democrático. No entanto os números das eleições espanholas mostram que tampouco a obrigatoriedade do voto se mostra necessária.
Outra questão que me parece importante é a da representatividade. È comum, no Brasil, que vozes se levantem para criticar o excesso de partidos representados no congresso nacional. Ao fim das eleições espanholas 13 partidos conseguiram assento no legislativo daquele país. E isto se deu em um momento de grande polarização entre Psoe e PP. A restrição ao grande número de agremiações nas nossas casas legislativas vem acompanhada da proposta, já rejeitada no STF, da cláusula de barreira.
Segundo escutei do advogado e ex-deputado Marcelo Cerqueira, a cláusula de barreira só existe na Alemanha e foi imposta pelo governo de ocupação estadunidense ao fim da segunda guerra mundial, com o intuito de criar dificuldades eleitorais para os comunistas. Aqui seus defensores têm finalidade parecida pois semelhante restrição traria enorme prejuízo aos pequenos partidos de cunho ideológico.
E as lições ficam restritas ao campo, digamos, administrativo pois no que concerne à política os ibéricos demonstraram total incompreensão dos motivos da crise que assola toda a Europa e à Espanha em particular. E nem se trata de algo vindo de passado remoto. Foi ontem mesmo que a bolha imobiliária nos EE.UU detonou a crise que se alastrou pelo mundo por contágio. Governos saíram em socorro dos bancos cujos cofres possuíam mais derivativos e outros papéis podres que o do Tio Patinhas em moedas e cédulas.Nada foi suficiente para estancar a sangria financeira desatada  pela falta de regulamentação dos mercados especulativos. Esta desregulamentação era o carro chefe de um modelo econômico neo-liberal que na Espanha tem como seu principal defensor,  justamente, o Partido Popular.  Vencedor, por acachapante maioria, no pleito de domingo passado tem agora o partido do Sr. Rajoy  a  faca e o queijo (ou seria o garfo e a  paella?) para impor aos trabalhadores daquele país mais sacrifícios a fim de que seus grandes exportadores e casas de agiotagem não sofram com as mazelas criadas por um modelo de política econômica cujos primeiros beneficiários seriam eles mesmos. Creio até que o tamanho da vitória será um incômodo para os liberais espanhóis. Como não haverá necessidade de negociações ou alianças, o ônus do fracasso que se aproxima recairá sobre Rajoy e sua administração. Nos primeiros tempos poderá se sustentar com o discurso da”herança maldita” e continuar usando o nome do canastrão Zapatero para justificar alguma coisa, mas passada a lua de mel o povo irá cobrar pelos sacrifícios feitos e se os espanhóis já demonstraram que votam mal, por outro lado sabem cobrar direitinho.
Dificilmente o novo governo espanhol tomará medidas tão drásticas quanto às tomadas por seus vizinhos portugueses. Se Portugal já estava sob intervenção dos organismos internacionais, a Espanha ainda tem crédito na praça. Crédito que remunera com juros cada vez mais altos. Mas se o tamanho de sua economia é fator de maior autonomia econômica frente aos banqueiros, fica claro que não há dinheiro para salva-los caso isto se mostre necessário.
Por último, as eleições espanholas podem nos ensinar que não adianta um governo dizer-se de esquerda ou progressista, precisa agir como tal. E que as políticas de direita dos socialistas espanhóis, foi o que levou o eleitorado a troca-los  pela direita de verdade.

sábado, 26 de novembro de 2011

Prêmios







Estamos chegando ao fim do ano e a sensação que tenho é que estou assitindo o canal 37 da Sky, o “Viva”. Tudo é repetido. Tudo. As mesmas ofertas imperdíveis das Casas Bahia, as mesmas mensagens natalinas com “Imagine” de John Lennon tocando ao fundo, a mesma decoração pavorosa de lojas e casas e... os prêmios. Prêmios para todos. O melhor crítico de teatro da televisão, o melhor crítico de televisão do rádio, o melhor comentarista de turfe, o melhor atleta de jogos eletrônicos, etc. E etc e etc.
Alguns desses prêmios já começaram a sair e em breve serão entregues com transmissão direta das televisões fechadas caso algum de seus contratados seja o vencedor, ainda que na categoria de melhor sonoplasta.
Outro dia, assistindo O “Roda viva” na TV Cultura, fiquei sabendo que o Datena já ganhou dois prêmios Vladmir Herzog de jornalismo. Imagino, que até hoje, quem votou no nome do robusto paladino do cadáver fresco, deve viver dando explicações para mulher, filhos, empregada e para o padeiro da esquina por conta desse voto. Mas não foi só o abatatado apresentador que abiscoitou prêmios da crítica “especializada”. Antero Greco também já foi eleito por seus pares como melhor comentarista esportivo da imprensa escrita. Nunca o li, mas julgando pelos comentários que faz (ou fazia) na ESPN Brasil, não vejo como poderia ganhar um prêmio que não fosse o de comentarista mais acaciano da televisão.
Mas como ia dizendo as premiações deste ano já começaram e Mauro Betting  foi eleito pela associação paulista de críticos de qualquer coisa, como o melhor comentarista esportivo de rádio. É a sexta ou sétima vez que o filho de Joelmir Betting é premiado nessa categoria. Sem contar que por três vezes foi eleito como melhor comentarista esportivo de televisão pela mesma confraria. Jamais o escutei pelo rádio, mas o escuto durante as transmissões dos jogos da liga dos campeões da Europa na Bandeirantes, e penso que o único prêmio ao qual faz jus é o de melhor filho de Joelmir Betting. E olhe lá. O cara é o tipo acabado do chato. Ri das próprias tolices e conta anedotas explicadas. A coisa mais sem graça que existe é anedota explicada. Alem do mais, sua voz, apesar de grave, soa afeminada.
Outro filho premiado em anos anteriores é o André Kfoury. Este rapaz prova que filho de peixe pode ser jaboti ou jacaré. Se o “Turco” não chega a ser cativante, pelo menos é brasileiro e comenta o futebol daqui com a paixão que este merece. Já o filho ostenta um ar de soberba quando fala de nossos jogadores e times.. Uma vez chamou o Guiñazu de “monstro”. A bobagem pelo menos rendeu uma coluna do Tostão que foi obrigado a provar por A mais B que o botinudo argentino não passava de um meio campista aplicado e viril, em suma, um botinudo argentino. Este ano eu não sei se o Pequeno André está indicado para algum prêmio.
 Ainda na categoria filhos, destaca-se Luis Alfredo, filho de Geraldo José de Almeida, cujo nome soa muito familiar para os de minha geração. Foi o narrador da copa de 70 e merecedor do nunca instituído prêmio do melhor puxa saco esportivo da ditadura. Mesmo hoje, passados tantos anos, lembro dos bordões de que era pródigo o narrador. Escutei do próprio filho que este prometera à mãe que não utilizaria os bordões do pai. Deve ter morrido a tal senhora, pois tenho escutado “quê que é isso minha gente” durante as transmissões dos jogos do campeonato inglês na Rede TV. Fora o uso da herança paterna, Luis Alfredo tenta criar seus próprios bordões, não lhe sai. Infelizmente para ele, o prêmio de melhor narrador esportivo já tem donos. Galvão Bueno e Luciano do Valle dividem os galardões conforme o patrocinador.
Não sei, todavia, quem será premiado como melhor comentarista esportivo de tv por nenhuma das 318 associações de cronistas espalhadas pelos quatro cantos do país, mas um nome aparece como forte candidato; Neto. O ex-jogador tem tudo para ser laureado. Fala muito mal o português, não tem a menor coerência e muda de opinião cinco ou seis vezes durante um simples jogo.Um escanteio mal batido transforma o crack de cinco minutos atrás no maior perna de pau da história do futebol na visão do ex-quase crack do passado. Ou seja, Neto faz o que todos fazem, mas com a ênfase que só seu sotaque é capaz de dar. Pelo menos na Associação de cronistas esportivos de rádio televisão e meios eletrônicos de Santo Antônio de Posse, seu nome é tido como certo para levar as honras.
Para desespero geral, não é só o jornalismo esportivo que entrega prêmios à granel. A indústria fonográfica também não economiza em estatuetas, troféus, discos de ouro e outros penduricalhos. O problema é saber por qual categoria seu ídolo concorre. Os sambistas não são listados como “música popular brasileira”. Sua especificação para efeito de premiação e nas prateleiras das lojas de cds , é “samba e pagode”. A denominação me faz pensar que Os oito batutas, se vivos, estariam concorrendo com o grupo Molejo e Alexandre Pires seria forte candidato contra Nelson Cavaquinho.
Não sei se já temos a categoria “sertanejo universitário”. Torço para que sim, aí talvez eu saiba o que diferencia os caipiras bacharéis do caboclo comum e corrente em termos musicais. Mas uma coisa é certa, Luan Santana estará entre os ganhadores, nem que seja como o Frankenstein revelação. Como trunfo o jovem leva seu cabelo “emo” sua cara de cdf tarado e o inconfundível sotaque à Chitãozinho e Chororó.
Entre as divas Ivete Sangalo levará algo para sua coleção de troféus. Como ainda não foi instituído o prêmio Marcha Soldado por performance nos palcos, a bahiana deve ganhar como Secretária Gostosa do ano.









Agoniza mas não morre


          “É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe” Assim começa um samba bossa nova que tem por autor da letra o “poetinha” Vinícius de morais. E desses versos quem poderia discordar? Alem do mais são muito óbvios. A afirmação soa quase falsa de tão exata. Mas segue versejando o poeta até dizer o que tinha a intenção de dizer desde o princípio.”Fazer samba não é fazer piada e quem faz samba assim não é de nada”. Pronto, ficamos sabendo que Noel Rosa não era de nada, pois o que seria “Conversa de botequim” senão uma grande piada, uma típica anedota carioca? E toda a tradição do samba de breque criado e imortalizado por Moreira da Silva?_ Não é de nada, segundo o poeta de Ipanema. Mas e o samba jocoso, tão presente na obra dos maiores do gênero? _De nada. Diria Vinícius de Moraes, poeta e nome de rua.
Ainda nessa mesma canção Vinícius continua dando receita de como fazer samba. “É preciso um bocado de tristeza senão não se faz um samba não”. Nada mais falso. Nada mais falacioso. Ouvi de Nelson Sargento em um documentário que homenageava o bamba mangueirense, justamente o contrário. Dizia Nelson que não precisava estar alegre pra fazer um samba alegre nem triste pra fazer um samba triste.Se o depoimento do poeta de “Agoniza mas não morre” fora pouco, poderia recorrer a linda letra do samba composto por João Nogueira no qual o portelense do Méier descreve o poder da criação.”Não precisa se estar feliz nem aflito, nem se refugiar em lugar mais bonito em busca da inspiração”. Fico com os dois sambistas.
Acontece que Vinícius de Moraes, neófito no samba, quis mostrar conhecimento de causa numa seara que não era a dele. Iniciado na arte popular já maduro, queria, ademais de ensinar sambista a fazer samba, demonstrar fidelidade aos que lhe o acolheram no mundo do samba carioca. E sem nada conhecer do assunto chamou São Paulo de “túmulo do samba”. Nem foi maldade, foi ignorância mesmo. Duvido que ele conhecesse a obra de Geraldo Filme ou de Germano Mathias.E mesmo se conhecesse não creio que se emocionasse com a história de Geraldo que aos treze anos, incomodado com seu pai que não valorizava o samba paulistano, compôs um samba cujo refrão “Somos paulistas e sambamos pra cachorro , pra ser sambista não precisa ser do morro”,eu considero uma preciosidade pela singeleza de seus versos. Versos de menino.
 Duvido que o poeta do copo de whisky já ouvira falar do samba de Pirapora com seus tambores ancestrais. Mas Adorinan Barbosa já era nome consagrado quando Vinícius entrou na música popular. Ainda assim creio que o desconhecesse. Ou quem sabe os versos de “Saudosa maloca” ou de “Iracema” não lhe falassem ao gosto apurado de poeta acadêmico.
 Sempre que as classes privilegiadas entram em contato com o que é popular, dele se apropriam e chegam a acreditar que o melhoraram. Recentemente vendo um documentário sobre a música dos anos sessenta, ouvi de Nara Leão que as letras da música popular brasileira ganharam qualidade naqueles tempos pois pela primeira vez os compositores tinham nível universitário e citava Tom, que era arquiteto. Ora bolas, estou para descobrir o que faz de um arquiteto bom compositor, que aliás, é o caso do grande Tom Jobim. Mas se Tom é o maravilhoso melodista que conhecemos, tenho certeza que isso nada tem a ver com suas horas passadas na faculdade de arquitetura. Alem do mais um curso universitário não dá bom gosto a ninguém. Muito menos talento musical. Preciso lembrar que nos dias de hoje temos um novo gênero musical chamado sertanejo universitário? (Desculpe, peguei pesado)
Mas voltando ao tema. Nem Nara Leão, com sua total falta de graça e sua voz de apartamento, nem Vinícius de Moraes, contribuíram com o samba. Nada do que fizeram nesse gênero musical se igualou ao que já havia sido feito antes ou viria a ser feito depois. Mesmo Baden Powell  que com Vinícius fez os “afro-sambas”,apenas colheu de vindima alheia sem que o vinho produzido soubesse melhor ao paladar do terreiro. Estas composições são para sala de conserto de gringo.
Por falar em gringo, vale a pena salientar que essa apropriação indébita do lavor popular também se dá em outras plagas.
Quando o jazz começava a agradar aos estadunidenses, alguém da indústria fonográfica, também iniciante, resolveu convidar artistas daquele estilo musical para gravar. O escolhido foi um trompetista negro que fazia furor com seu talento levando multidões ao Harlen para ouvi-lo tocar. Mas o músico, além do grande talento também era possuidor de enorme vaidade. O virtuose tocava com um lenço sobre o instrumento para que outros músicos não vissem os movimentos dos seus dedos. Portanto ao receber o convite meditou e recusou a oferta pois acreditava que tendo seu som gravado, outros poderiam copia-lo. Com a recusa, os homens da gravadora foram atrás de um grupo de brancos que também tinha muita aceitação no mundo do jazz. Estes foram contratados e em pouco tempo já desbancavam o grande vendedor de discos da época, o tenor italiano Enrico Caruso.. Esta banda pioneira nas gravações, durou mais de cinqüenta anos e seu líder e fundador morreu jurando que o jazz nada tinha de negro, que estes apenas copiavam a arte criada pelos brancos. Se alguém lhe dava crédito, eu não sei.






quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O filósofo






Como sou casado há quase trinta anos com uma mulher judia, desenvolvi o hábito de falar sozinho. Pois se em sua religião as filhas de Abraão são relegadas ao segundo plano, assim como em todas as outras religiões, em seus lares as coisas funcionam de maneira totalmente diversa. Não sei o que veio primeiro, mas, me parece que quando os clérigos israelitas segregaram as mulheres nas sinagogas foi para que elas não os interrompessem durante alguma liturgia, para mencionar o custo das celebrações ou o bonito corte daquele kaftan ou ainda que a menorá não foi bem polida. Não sei. Talvez tenha sido o contrário e a posição subalterna nas cerimônias religiosas fez da mulher judia, rabino e talmudista em suas casas. É ela quem interpreta a Torá e faz-se de juiz rabínico entre as pedras do lar.
Mas se por um lado adquiri o costume dos monólogos interiores, qual um James Joyce da periferia, sou um ser humano e como disse Nelson Rodrigues, “a utopia de todo ser humano é um par de ouvidos”. Sendo assim, aqui estou batucando no teclado umas palavras que talvez sejam lidas.
Você,que me honra com sua atenção, já notou que tenho cá muitos problemas com a gramática. O vernáculo me é adverso. Ainda assim não consigo consultar os compêndios que versam sobre a língua culta enquanto escrevo.Prefiro ir ao “correr da pena” como se desculparia alguém do século dezenove, tão leigo como eu nos afazeres da escrita. Ainda posso agregar, a título de escusas, meu pouco tempo de vida escolar e inexperiência em transmitir idéias por meio das letras. Mas este sou eu,. inculto e amador. Deve-se exigir mais de quem é docente de uma faculdade e põe tintas em  jornais. Neste caso pode-se cobrar, senão talento, pelo menos um mínimo de clareza e bom uso da língua portuguesa.Refiro-me ao Pondé, o filósofo televisivo.
Tomo por base um texto que li outro dia na internet e nem sei onde foi publicado originalmente. Mas como o sítio me parece confiável, dou fé. Se lhe parece injusto julgar um pobre filósofo por apenas um de seus textos, devo aclarar que nunca ofereço justiça, apenas ponderações.
Pondé, como sabemos, ama as câmeras e por elas é amado.Isso tem contribuído para que ele não se faça de rogado quando as lentes o chamam para opinar sobre qualquer coisa. Fissão nuclear ou reprodução de artrópodes, tudo é matéria para sua verborragia. Quanto à escrita, o mesmo se aplica. Tanto assim que no artigo referido, ele busca nos distúrbios da USP conexão com Foucault e seus colegas docentes. Escracha  professores, alunos e o filósofo. Sempre tendo por base uma posição conservadora que quer se fazer passar por ultra moderna pois é pós politicamente correta. E aqui está o segredo de Pondé,
O filósofo preferido das estrelas encontrou um nicho de mercado que estava vago desde as mortes de José Guilherme Melquior e Paulo Francis; intelectual de direita. Desgraçadamente, não possui nem a elegância do texto daquele nem o sentido de humor deste. Francis escrevia como poucos e J.G. Melchior  tinha a clareza na argumentação que falta ao pensador representante da Avenida Paulista.
A idade, inimiga dos prazeres, deu-me, como prêmio de consolação, ao menos o poder de respeitar a opinião alheia. Mas no caso de Pondé, vou abrir uma exceção, pois não se trata de opinião meditada, estribada em profunda reflexão. Isso fica claro pela pressa que os acontecimentos exigem para serem comentados. E Pondé é e será sempre requisitado para dar sua douta opinião. Jamais ouviremos daqueles lábios risonhos um estimulante “não sei”. Nunca veremos naquele rosto adornado pelo soberbo cavanhaque, uma expressão de dúvida. Pondé só duvida da dúvida alheia. Só descrê o que crê o outro. Em sua filosofia prêt-à-porter não há lacunas a serem preenchidas por outro pensar.
Mas se o pensamento do calvo filósofo é bem aceito por muitos e até admirado por seus alunos, e isto é comprovado pelos comentários feitos na internet em razão da publicação do texto já mencionado, fica também claro que sua escrita é indefensável.  Faz lembrar justamente os comentários postados na rede de computadores por ocasião de um concerto de música pop ou do último escândalo de corrupção. A linguagem é a mesma. Mistura de xingamento e achincalhe. Quase dá para sentir os perdigotos na cara.
E se a linguagem beira a deselegância ,o estilo não poderia destoar e em dado momento o grande filósofo contemporâneo nos brinda com um “no sentido de”.Esta expressão é o sucedâneo do “a nível de” como podemos constatar pelo uso indiscriminado e massivo nos meios de comunicação. E se há pouco tempo era comum ouvirmos de nossos craques que sentiam uma contusão à nível de joelho, hoje sabemos que alguém vai à padaria no sentido de comprar pão. Mas é até estranho que um sábio tão pós pós- moderno como Pondé use o termo, pois este já está sendo substituído pelo “onde”. Esta nova locução pode ser usada em qualquer lugar e se referir a qualquer coisa. “Um jogador onde”... “uma música onde” ...etc. Uma maravilha que não há corretor ortográfico que dê jeito.Contudo não creio que o risonho pessimista vá usa-la. Já seria demais.
Se por acaso os olhos míopes do guru da Paulista recaíssem, cansados dos sérios estudos, sobre meus nada valorosos escritos, eu lhe daria apenas o conselho de quem já viu muito Professor cair do cavalo pelo excesso verbal. Pondé, calce as franciscanas sandálias e se case com uma boa mulher judia.





Seleções




Fim de ano, campeonato no fim e começam as listas. Numa precária imitação da mania estadunidense de escolher o melhor em qualquer coisa, nossas revistas, rádios e canais de televisão elegerão o melhor jogador do campeonato , a revelação, o melhor técnico etc. Ao contrário de outros anos em que os nomes eram diferentes para cada órgão de imprensa, este ano Neymar deve ser o vencedor em todas as listas..
Ademais do prêmio entregue pela CBF em associação com a Globo, o canal Sportv também do grupo Globo, entrega o troféu Armando Nogueira para o melhor jogador do campeonato. A votação é feita rodada a rodada e notas são conferidas aos jogadores que, pela média, são escolhidos É só uma brincadeira, mas eles levam a sério
Até semana passada, Neymar levava grande vantagem sobre o segundo colocado que era o Motillo do Cruzeiro. E é aí que eu não entendo. Ora, o cara é o armador do time. O time está na beirada da zona de rebaixamento, mas mesmo assim nossos comentaristas esportivos o acham o máximo. Faz lembrar a piadinha dos anos sessenta: _ O filme é uma droga, mas o diretor é genial. Claro que estas eleições são só pra encher lingüiças e eu estou fazendo o mesmo, pois quero falar de outra coisa. Mas o Montillo se encaixa no tema.
Trata-se da xenofilia que toma conta dos meios esportivos. Não há transmissão de futebol que não fale das maravilhas do futebol estrangeiro em detrimento do nosso. Mesmo que o jogo transmitido seja da segunda divisão do brasileiro._ Mas isto não é nenhuma novidade, você dirá. Concordo. Mas é que agora a coisa chegou às raias do ridículo.
 Se qualquer amante do futebol pode reconhecer no Barcelona uma força poucas vezes vista ultimamente, o mesmo não se aplica nem à seleção espanhola nem tampouco ao futebol jogado naquele país. E mesmo se tratando do Barcelona há que ponderar. Sim, pois se no último título europeu ganho pelos catalães houve uma incontestável supremacia destes, coisa que o Mourinho não concordaria, na penúltima conquista houve o maior afano esportivo que se tem notícia desde que os jogos passaram a ser transmitidos por televisão. Foi na semifinal contra o Chelsea. Nada menos que cinco pênaltis não foram assinalados a favor dos ingleses. Ainda assim há que se reconhecer o grande futebol que praticam os liderados de Guardiola. Agora, outra coisa é o campeonato espanhol, chamado apropriadamente por Paulo Vinícius Coelho, de “o melhor gauchão do mundo”, e a seleção espanhola.
Essa seleção é a mais medíocre campeã de todos os tempos. Marcou sete goals em sete jogos durante o mundial da África do Sul. Menos que o Ronaldo fez sozinho na Copa de 2002. Talvez você venha dizer que os galegos fizeram oito goals em sete jogos. Você está errado. O oitavo goal foi marcado na prorrogação do último jogo. Então...
Mas não é só na quantidade de tentos que eles são fraquinhos, seus resultados também são apenas medianos. Senão veja. Eles perderam para a Suíça na estréia da Copa. Eu sei que é difícil vencer os suíços, mas é mais difícil perder para eles. Os caras não atacam. Têm verdadeira ojeriza às redes adversárias. Ainda assim ganharam dos espanhóis. A contra gosto, mas ganharam.
No jogo contra Honduras, os comandados de Vicente Del Bosque, receberam de presente da ex -colônia os dois tentos que lhe valeram a vitória. No primeiro goal o arqueiro hondurenho foi até o meio de campo para passar a bola ao adversário que foi decidir sua passagem à segunda fase contra o Chile. Venceram os espanhóis por 2 x 1, no sufoco.
Enfrentaram Portugal e golearam por 1 x 0. Mas contra o Paraguai tiveram que contar com uma arbitragem amiga que anulou um goal legítimo dos guaranis e não mandou voltar a cobrança do pênalti perdido por estes quando houve uma flagrante invasão de área pelos espanhóis. Tudo isto quando o jogo ainda estava 0 x 0. No final, mais um resultado por placar mínimo Por fim fizeram dois bons jogos contra a Alemanha e Holanda vencendo o primeiro por 1 x 0 e empatando o segundo.
Depois da Copa perderam para a fraca Argentina, ganharam, roubado, do Chile com um pênalti inexistente no finalzinho do jogo, após estarem perdendo por 2 x 0, e  empataram com a grande Costa Rica  também depois de tomarem  2 x 0 no primeiro tempo. Ainda assim a seleção da Espanha é tratada por nossos analistas esportivos como algo a ser copiado Seu técnico que antes era chamado de apático quando dirigia o Real Madrid e não ganhava nada, agora é visto como “sereno” .Mas pelo menos os caras têm um título mundial. Coisa que não acontece com a outra maravilha que os comentaristas não cansam de louvar; a seleção uruguaia.
Esta seleção que comemorou o quarto lugar na Copa como se fora uma façanha, agora é tida como símbolo de tudo que é bom no futebol. Seu técnico é um gênio, muito embora escale um meio campo com três volantes e um só atacante, pois Forlan, elevado à crack aos trinta anos, tem de voltar para ajudar na armação do time. Seu goleiro reserva é o Castillo que foi defenestrado pelo Botafogo após montar uma granja em General Severiano. Na Copa teve três vitórias dois empates e duas derrotas. Chegou por acaso às semi-finais e voltou com duas bordoadas no lombo para ser recebido em sua pátria com banda de música, coro infantil e foguetório. No último amistoso venceu a Itália que se chegar disfarçada no campeonato brasileiro não faz goal nem no Avaí.
           





sábado, 19 de novembro de 2011

Visita de Manuel

Manuel não tem televisão. Mas isso não quer dizer que não assista televisão. Não que vá a casa alheia para faze-lo. Manuel assiste televisão em público. De uns tempos pra cá todos assistimos televisão em público. Mesmo nós que moramos em cidade pequena onde não há as imensas vitrines das lojas de eletrodomésticos com trezentos aparelhos ligados, assistimos televisão em público. Ela está em toda parte; nos bancos, para que esqueçamos que o atendimento demora mais do que é estipulado por lei, nas lojas de ferragens, para não nos darmos conta que os poucos funcionários estão contando parafusos para algum amante da bricolagem, nas repartições públicas, é claro, senão o que faria toda aquele gente do cabide de emprego, visto que nem sequer há mesas para que todos trabalhem? Mas há coisa pior. A televisão invadiu os bares. Não há boteco onde ela não esteja.
Foi num desses botequins que Manuel assistiu o programa CQC  enquanto aguardava que a chuva desse uma trégua.
No domingo eu tentei não saber o resultado do jogo do Galo para assisti-lo reprisado a 1 da manhã. Foi uma longa espera. Quando faltava meia hora para o início da reprise, ouvi o latido dos cachorros. Era o Manuel que assomava ao portão. Antes de atende-lo  verifiquei o resultado do jogo na internet. Tínhamos vencido. Era crucial este jogo contra o Palmeiras.
Manuel não quis entrar e tão logo tomamos o chão do quintal como assento, me perguntou se eu conhecia o tal programa, se via sempre. Disse que por três vezes havia tentado mas, a vergonha alheia me fizera trocar de canal. Vi-lhe um certo alívio no rosto. Quis saber que tipo de programa era aquele, pois não sabia como classifica-lo. Como temos a mesma idade, mais ou menos, entendi do que se tratava.
Anos atrás os programas de televisão eram divididos em humorísticos, jornalísticos, dramaturgia, infantis, esportivos, etc. Agora é um pouco diferente Há propaganda política nas novelas, humor (negro) nos noticiários, e total falta de graça nos humorísticos. Os programas esportivos falam de economia e os políticos fazem analogias com o futebol. Expliquei-lhe que o programa que ele havia visto era tido como humorístico ou de sátira política, sei lá. _Mas aqueles caras são humoristas ou jornalistas? Perguntou-me. _Nem uma coisa nem outra, respondi. Tive que explicar minha teoria sobre os apresentadores de televisão.
Tudo começa quando o garotinho, que tem uns 4, 5 anos, imita os programas idiotas da tv que está sempre ligada. A mãe acha uma gracinha a imitação do Silvio Santos e do Tiririca. Quando chega a visita a mamãe chama o filho e entre risotas pede-lhe que faça a imitação ou  a dança da boquinha da garrafa. O moleque, que já ostenta as manhas de celebridades, se faz de rogado, mas por fim perpetra a infame demonstração de seu histrionismo. A visita, constrangida sorri e comenta para orgulho de mamãe:_ Que gracinha. À noite, mamãe comentará com papai:_ Fulana morreu de rir com a imitação que o Júnior fez da Lady Gaga. Papai sorri satisfeito. Pronto, está iniciada a carreira de mais um apresentador que por décadas e décadas nos atormentará nas tardes de domingo enquanto esperamos o futebol.
Manuel desqualifica minha tese. O que mais detesta em Freud é esse negócio de meter a mãe em tudo. _E os apresentadores órfãos? Pergunta. _Nunca houve um sequer. Respondo convicto.





sábado, 12 de novembro de 2011

El reino del revés






Maria Helena Walsh foi a mais criativa e inteligente compositora de músicas infantis de que tenho notícia. Também escrevia estórias e cantava. Tudo fazia com requinte. Também escrevia canções de temática adulta mas confesso não conhecer essa faceta de seu talento. Há um disco seu que ademais de contar com letras divertidíssimas, cada uma das canções é composta em um ritmo distinto. Temos desde o “Twist del Mono Liso” até a “Chacarera de los gatos”. Mas não é da grande compositora argentina que quero falar, acontece que uma de suas canções me veio à mente enquanto ouvia notícias na televisão. Trata-se de “El reino del revés”.
Acontece que vivemos hoje neste reino onde tudo é o reverso do que deveria ser. Se não, vejamos. Assistindo um programa de cunho jornalístico, deparo-me com rasgados elogios a um produtor rural que exterminou uma plantação de bananas da propriedade que adquirira e passou a cultivar bromélias. Com isso estaria ajudando na preservação ambiental, protegendo mananciais. Ora bolas, banana menina tem vitamina, banana engorda e faz crescer. O homem é elogiado porque deixou de produzir alimentos, deixou de produzir a fruta rica da família pobre.Digno de elogios seria se conseguisse plantar bananas de maneira que não comprometesse os mananciais e demais recursos naturais. Certamente suas bromélias irão compor um lindo arranjo floral que adornará alguma mesa de reunião, onde estará sendo discutido o futuro do planeta. Lástima que as bromélias terão que disputar espaço à mesa com laptops e celulares, aparatos indispensáveis para nossos defensores do meio ambiente.
No mesmo fim de semana encontro na tv um largo programa tratando de construções ecologicamente corretas. É mostrada uma casa que gira para aproveitar melhor a luminosidade natural e assim, economizar energia. Nada disseram do tipo de energia que é usada para movimentar semelhante engenho, mas seja o que for, me parece que um motor capaz de mover uma casa deve consumir muito mais energia do que umas lâmpadas que deveriam ser acesas mais cedo caso a residência fosse fixa. Sem contar, é claro, que todo o mecanismo foi fabricado consumindo energia. Mas tanto o construtor como o proprietário e o repórter estavam contentíssimos com o projeto. Muita engenharia e pouca aritmética. Mas se estes exemplos parecem pouco representativos do “reino del revés”, vejamos o que acontece com a maior falácia do século; a reciclagem.
Talvez seja melhor falarmos de “reciclagens” pois assim estaremos fazendo a distinção entre o que é útil e economicamente viável do que é apenas uma afetação típica de nossos dias.
Quando, no final dos anos 60 o leite passou a ser vendido em saquinhos plásticos, as mulheres da classe pobre logo viram nas embalagens, um enorme potencial de matéria prima e em pouco tempo o plástico resistente e moldável se transformou em capas para fogões , botijões de gás, liquidificadores. Claro que a classe média via nesta criatividade o cúmulo da cafonice. Mas estava aí o engenho que sempre fez do pobre um reciclador. É a reciclagem direta que toma o material útil e o reutiliza para fins idênticos ou semelhantes. A transformação, quando há, é mínima. A energia gasta em seu reaproveitamento é sempre muito inferior a que seria despendida na fabricação do mesmo objeto ou no que dele deriva.O mesmo se dá com as colchas de retalhos ou o uso de frascos de conservas para armazenar outros alimentos. Mas isso é coisa de pobre. Não é chique. O socialmente aceito são as lixeiras coloridas nas quais a classe média pode depositar com orgulho suas garrafas de vinho importado.
Quanto ao outro tipo de reciclagem, em voga nos dias atuais, o processo é complexo e exige um gasto de energia muito superior ao usado na fabricação do produto original. Assim que na reciclagem de embalagens plásticas de refrigerante, por exemplo, desde a coleta passando pelo transporte até a planta de transformação, o dispêndio de energia é enormemente desproporcional ao valor do produto resultante do ciclo.Isso se dá principalmente porque o tipo de reciclagem que se pratica é descendente. A segunda fase de uso é sempre inferior à primeira. As garrafas são transformadas em cordões de sapato ou enchimento de bonequinhos que antes eram recheados de isopor. O papel mais fino retorna como papelão ou papel de embrulho e assim por diante. Os japoneses já conseguem fazer fios longos para a indústria têxtil a partir das garrafas plásticas, mas a tecnologia é cara e não é dominada por outras nações.
Já se fala de uma reciclagem que tornaria o segundo ciclo idêntico ao primeiro. A este tipo de reaproveitamento da-se o nome de ”berço a berço”. Mas também aqui há o problema da energia utilizada.
Mesmo em países que, como o Brasil, possuem uma matriz energética limpa, os custos de produção de energia são enormes. No caso das hidrelétricas o impacto ambiental já é fator desestimulante (veja o caso de Belomonte) embora a produção em si seja limpa. Nos países europeus cuja matriz ou é atômica ou por queima de combustíveis fósseis, depara-se com o problema de segurança (energia atômica) ou de poluição atmosférica e o conseqüente efeito estufa (usinas termo-elétricas).
É também interessante notar como os ambientalistas não fazem a relação entre os custos extras advindos da reciclagem com a riqueza que deve ser produzida para afrontar estes custos. O dinheiro não nasce de árvores organicamente plantadas e sim do trabalho e da criação de bens e serviços que por sua vez demandam recursos energéticos. Como exemplo vale citar que em Nova York a remoção de uma tonelada de lixo custa aos cofres públicos (impostos pagos pelo cidadão) 50 dólares, ao passo que a coleta seletiva supera os 100 dólares por tonelada. Ou seja mais que o dobro. Para arcar com este custo extra o cidadão deveria produzir mais. Em suma, gastar mais energia.
O que vemos neste “reino del revés”são ações que para livrar o mundo do problema dos resíduos sólidos, amplia o maior dos problemas que é o aquecimento global por conta da queima de combustíveis fósseis para geração de energia. As fontes alternativas de produção energética têm se mostrado pouco confiáveis, seja pelo fator custo, seja pela dependência de questões climáticas ou geográficas. Na Noruega, onde haviam construído em meio ao oceano, imensos cata-ventos para a produção de energia, a empresa responsável pelo projeto vai desativa-lo por não ser viável economicamente. Em lugares como a floresta amazônica , o uso da força dos ventos como gerador de energia também não se mostra adequado. No caso da energia solar, esbarra-se nos custos, mas ainda é o que de melhor se conseguiu como fonte alternativa. Claro que estas tecnologias podem ser usadas como fonte complementar mas ainda assim o grosso da produção energética continuará, por muito tempo, sendo a que até hoje conhecemos.
O problema dos resíduos sólidos é de menor impacto ambiental que a poluição atmosférica. Caberia usar o engenho humano para melhorar sua reutilização. (reciclagem direta) compactação e estocagem do que é inservível, e legislar para que os fabricantes de bens utilizem menos embalagens. E mesmo neste caso temos antes de pensar em realocação de mão da obra que seria dispensada da indústria de embalagens. Mas vale pensar que se uma garrafa de cachaça pode ser vendida tal como sai do alambique, por que uma garrafa de wisky necessita de uma caixa que a envolva?
Mas aqui chegamos ao centro do “reino del revés”; as sacolinhas plásticas. Os ambientalistas dizem que elas devem ser abolidas por demorarem centenas de anos para se decomporem na natureza. Se juntarmos os ”benefícios” da reciclagem com esta demora, teríamos o panorama ideal, pois há mais tempo para que sejam recolhidas e recicladas. Disto vou tratar proximamente junto com o problema do lixo tecnológico.








É proibido fumar





Lá por meados dos anos 70 eu ia com minha rapaziada buscar bagulho numa favela de Belo Horizonte. O bagulho não era endolado e tudo dependia do humor do vapor. A mesma grana que num dia comprava unzão , no dia seguinte rendia apenas um fininho de cadeia. Mas ninguém pensava em reclamar ou dar uma choradinha, afinal o cara andava com um 38 na cintura “pra quem quiser ver” como dizíamos então. Deixávamos para resmungar enquanto apertávamos um na caixa d’água, onde íamos curtir o majestoso pôr do sol das alterosas. O três oitão nos tinha reféns. O cara era o dono do morro.
Se houvesse um museu do tráfico, aquele 38 estaria lá como reminiscência de um tempo quase romântico,ao lado do saquinho de leite cheio de maconha e da joaninha dos home.
Daquele tempo pra cá o que mudou com relação ao trafico foi seu poder financeiro e seu armamento. Do 38 chegamos ao fuzil AR 15, às sub-metralhadoras, ao calibre 12 e até um lança granadas já foi usado em enfrentamentos com a cana. Um helicóptero foi derrubado. Do dono do morro passamos às grandes facções e esta fase já está sendo superada. Estamos caminhando para o que a grande imprensa deu de chamar de "mexicanização" da atividade criminosa.
 Da maconha dos anos 70 passando pela cocaína dos 80, chegamos ao crack. Tudo tratado pela lei como se fosse uma coisa só.Todas as substâncias atendendo por nomes genéricos de estupefacientes, drogas ilícitas, entorpecentes. Isso não mudou e o estado continua “combatendo” o tráfico numa verdadeira operação enxuga gelo.
Cada vez que se prende um grande chefe de facção, a polícia faz estardalhaço e o secretário de segurança da vez, fala em pesada perda para o mundo do crime. Assim foi quando nos anos 70 prenderam Meio Quilo e hoje depois da prisão de Nem. Passando por Escadinha e Fernandinho Beira Mar. Mas não há vácuo de poder e logo os traficantes presos são substituídos por outros que vão evoluindo nos estratagemas e sofisticando operações para que o enorme, gigantesco mercado seja suprido.
As tímidas modificações introduzidas na legislação, são para inglês ver. Hoje o playboy encontrado com bagulho já não é considerado criminoso e sim usuário mas continua passando pela polícia, que é, em última instância, quem determina seu status. Já o garoto negro e pobre que está apertando um, na encolha, no alto do morro, se dançar “vai ficar grampeado no 12” como diz o samba. Isso se não for sorteado por uma bala perdida ou inscrito no rol dos atos de resistência.
Nas operações de repressão ao comércio de drogas,como a polícia gosta de chamar também genericamente, impera o esculacho, a tortura a céu aberto,a intimidação de moradores dos morros e favelas. O triste é que aquelas mocinhas, vestidas de colete à prova de bala com o logotipo das organizações criminosas a que pertencem, nada disso vêem. Através de seus microfones escutamos relatos que mais parecem relatórios oficiais. Ao final de cada reportagem mostrada pela televisão vemos a designação das delegacias e a sigla da secretaria de segurança escrita com trouxinhas e sacolés, e as armas que portavam os traficantes mortos na operação. Mas este ridículo encerramento só é capaz de afirmar o poderio do tráfico, e os números divulgados apenas apontam para o volume do consumo que, supostamente, nosso sistema legal quer reprimir. Segundo a reportagem exibida por ocasião da prisão de Nem, só na Rocinha eram vendidos 200 quilos de cocaína por semana,o que movimentaria 100 milhões de reais por ano. Os números são de apenas uma favela, das dezenas que movimentam drogas no Rio. Claro, esta informação pode ser questionada.
Mas se existe um fato inquestionável, é que todo este poder foi construído sobre a maconha. O que possibilitou o acúmulo de capital dos traficantes e sua inserção no mercado internacional da cocaína e depois de crack, foi uma planta que nasceria em qualquer quintal, se fosse permitido seu cultivo e consumo. Mas se agora é tarde para evitar-se o mal causado pela inócua proibição, ainda é tempo de evitar-se que mais vidas sejam perdidas e mais recursos sejam jogados fora. Recursos que poderiam ser melhor utilizados para tratamento de dependentes de crack e cocaína.
Sei bem que nada do que aqui digo é novo ou já não tenha sido mais e melhor tratado por quem se debruçou sobre o tema. Só não queria me furtar ao assunto que considero da maior importância  no que concerne à relação do estado com o cidadão.






terça-feira, 8 de novembro de 2011

Se a vida lhe deu um limão...






Se a vida lhe deu um limão, um copo d’água, um punhado de açúcar, uma colherzinha e uma faca, faça uma limonada e vê se arruma uma pedra de gelo.
 Mas se a vida só lhe deu um limão, o melhor a fazer é romper a casca com os dentes e deixar que a língua e as gengivas conheçam o ácido. Sugar o sumo azedo e sentir que as lágrimas afloram aos olhos e esgares tomam conta do seu rosto.
 Se a vida lhe deu um limão, você estará prevenido do escorbuto e talvez nem se resfrie. Mas não faça frases edificantes, não se iluda, não iluda. Não cite exemplos de superação. Você não é um programa esportivo nas manhãs de domingo. 
Se a vida lhe deu um limão, espere a banda passar e esprema o fruto devagar e do alto, em frente ao cara da tuba.
Se a vida lhe deu um limão, aproveite seu limão e nem tente troca-lo por uma mariola. No mundo já tem muitos limões, para todos.
Se a vida lhe deu um limão não espere encaixa-lo na salada de frutas de ninguém. Outros já descascaram o abacaxi.
Se a vida lhe deu um limão, carregue-o com cuidado junto à bagana e aos fósforos, Nunca no bolso de trás.
Se a vida lhe deu um limão, chame-o de limão. Os cítricos detestam eufemismos.
Se a vida lhe deu um limão, não tente fundar um sindicato de proprietários de limões.
Se a vida lhe deu um limão, jamais odeie seu limão. Apenas admita diante de um espelho sem luz:_ A vida me deu um limão
Se a vida lhe deu um limão, não se orgulhe nem se envergonhe. Limões não ganham prêmios nem estão na lista dos melhores do ano.
Se a vida lhe deu um limão, use-o logo e não espere para fazer uma caipirinha na velhice.
Se a vida lhe deu um limão, ele terá seu sobrenome e cpf.
Se a vida lhe deu um limão, ele não saberá de você. Haja o que houver, será tudo platônico
Se a vida lhe deu um limão, não procure uma religião na qual ele seja adorado.
Se a vida lhe deu um limão, não o deixe na encruzilhada como oferenda.
Se a vida lhe deu um limão, não tente usa-lo como moeda. Os caixas de supermercado também não aceitam as balinhas que lhe deram ontem como troco.
Se a vida lhe deu um limão, não cante para ele uma música do Wilson Simonal que lhe faz referência. Há coisas que até os limões percebem.
Jamais dance para o seu limão, nunca sorria para ele e tampouco derrame sobre ele seu choro.
Se a vida lhe deu um limão, seja ao menos digno dele.


Meninos, eu vi






Se você tem 50 anos ou mais deve se lembrar do Partido Tancredista Brasileiro. Se não, deixe que lhe refresque a memória.
 Este partido foi fundado pelo finado Carlos Imperial que, pra quem não conhece, posso garantir que não é defunto para se gastar vela. Pois bem, corria o ano de 1985 e o país vivia um clima de euforia democrática depois dos anos de ditadura. A criação de partidos foi franqueada e surgiram as mais diversas siglas como o Partido da Juventude, mais tarde usado por Fernando Collor de Merda  para alçar vôo na política nacional, o Partido Humanista e muitos outros que a sepultura da história guarda sem lápide nem flores.
Havia um desses partidos que era liderado por um arquiteto ou urbanista, sei lá, que por mais que eu ouvisse sua fala no programa eleitoral, nunca fui capaz de entender nem uma vírgula do que propunha. Era apoiado por Scarlet Moon de Chevallier. Coisa fina.
Mas voltando aos Tancredistas. O nome da sigla já denota, é claro, o oportunismo de seu fundador que trouxera para a política sua clássica formação de pilantra profissional depois de exercer este mister na música, desde os tempos da jovem guarda. Entre muitos outros apelos este senhor pedia, durante a propaganda eleitoral gratuita, que seus simpatizantes saíssem às janelas e gritassem:_  “Eu não agüento mais”. Só mais tarde vim a saber que esse mote fora criado por um radialista americano que pedia a seus ouvintes que fizessem o mesmo e teve grande impacto na vida estadunidense dos anos cinqüenta ou sessenta. Para entrar no clima um amigo meu, sempre que ouvia o apelo, saía à janela e bradava: _ Eu não agüento mais o Imperial! Pelo menos servia para rir. Porém na eleição seguinte, filiado a um partido de verdade, o paladino da insatisfação popular foi eleito vereador no Rio.
Mas se falo destas coisas paleolíticas é porque fui provocado por um pequeno aviso que surgiu do lado direito da página inicial do facebook. Trata-se de uma propaganda convocando os indignados cidadãos a conhecerem um novo partido cujo nome é Partido Novo. Muito criativo, não? E rápido. Pois nem sequer a Globo andou tão depressa com suas manifestações anti-corrupção,
O logotipo da nova sigla é um típico fruto dos desenhistas gráficos de computador, cheio de listras paralelas e insinuantes voltinhas . Não dá para identificar as letras que compõem a logomarca, mas é bonitim.  O que não é bonito é o papel que nós, coroas, temos de desempenhar nestes episódios. E nosso papel é dizer: _ Meninos, este filme eu já vi e o final é melancólico.



segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Manuel, o próprio






Que posso dizer do Manuel?  Quase nada, pois dele pouco sei. Nos conhecemos quando cheguei em Garopaba no começo dos 90. Era uma fria tarde de julho e a chuva me surpreendeu na praia do Siriú durante um passeio. Chuva pouco usual pra essa época do ano, veio com raios que clareavam o céu sobre um mar de chumbo Olhei para um lado e outro e divisei, a uns cem metros, os restos de um rancho de pesca onde poderia me abrigar. Quase não me dei conta que para lá também se dirigia alguém vindo no sentido contrário. Era o Manuel.
Sentamos lado a lado sob a palha escassa. Nos cumprimentamos e foi ele quem puxou conversa. Mas em vez de referir-se à chuva, falou-me da praia como se soubesse que eu era um recém chegado a estas belezas..Conversamos muito tempo sobre dunas e peixes. Dei-lhe meu endereço e em poucos dias ele me apareceu em casa numa hora que, depois soube, era seu costumeiro horário de visitas. Meia-noite e meia. Também, como é de seu costume, não quis entrar e ficamos charlando sentados sobre o murinho que dava do quintal para a rua. Naquele dia falamos sobre o silêncio.
Até hoje tento saber de onde ele é, mas é difícil. Às vezes seu sotaque é de manezinho da ilha, outras é tipicamente de biqüira garopabense, mistura palavras em castelhano tal qual os gaúchos da fronteira e constrói frases  como um alfacinha. Também não sei como ganha a vida nem onde mora. Nunca me disse. Creio que é pros lados do Capão.
Manuel não tem computador nem televisão, mas, como estava sentindo mais necessidade de informação do que antes sentia, construiu um rádio. Mas só ouve “A voz do Brasil”, o futebol e, de dois em dois anos, o programa eleitoral. Explicou-me que as músicas de que gosta não tocam no rádio. São as cantigas ouvidas na infância que lhe interessam. Jornais, só lê os velhos. Prefere os livros. E dos livros, os antigos. Também lhe interessam os santinhos de políticos e os panfletos publicitários.
Quando aparece para nossos serões vem pedalando sua bicicleta composta de peças de cinco marcas de quatro nacionalidades diferentes. Por referências que faz, presumo que tenhamos idade igual ou muito próxima. Manuel nunca aborda temas pessoais o que faz sua prosa rica e interessante.  Quando uma vez lhe disse que o mundo me interessava como palco e não como platéia, ele apoiou a definição e só se mostrou um pouco chateado por eu não me lembrar onde a havia lido.  Manuel é muito rigoroso com relação a isso e quando cita, diz o autor e sua contingência histórica. 
Semana passada eu estava em casa buscando alguma coisa na internet quando  ouvi os cachorros latindo, olhei o relógio e vi que os ponteiros estavam verticalmente alinhados. Fui ao portão receber o amigo. Embora chovesse copiosamente e ele viesse ensopado, preferiu não entrar. Ao invés disto abriu um enorme guarda-sol que trazia atado à bicicleta, fincou-o na terra encharcada e sobre dois tijolos nos sentamos para prosear.
Recusou a oferta de café e como nunca chega de mãos abanando, foi até a bicicleta e de uma cesta de vime, que está sempre presa ao bagageiro, retirou uma garrafa de coca-cola bem pequena , daquelas de vidro que já não circulam desde os anos 70. Um pedaço bem cortado de sabugo de milho servia como rolha e dentro havia uma cachaça de alambique curtida no butiá. Aproveitamos os eflúvios da cana para meter o pau nos políticos daqui e alhures.
Quando Angela Merkel e Agripino Maia deixaram de interessar, caímos na política local. Manuel tirou do bolso da jaqueta um saquinho de plástico com vários papéis e depois de vasculhar por uns minutos, tirou de lá um panfleto que fazia referência ao projeto 78. Trata-se de um projeto de lei do executivo municipal que modifica o gabarito das edificações na cidade. Disso muito falamos confrontando os argumentos pró e contra. Manuel refletiu e depois de mais um gole sentenciou: _ É briga de cachorro grande. Tem toda a razão.
Por um lado os que são a favor do projeto manipulam a população dizendo que sem o aumento do gabarito não seria construída uma escola técnica federal em nossa cidade e isto se daria porque o terreno que possui o governo para tal fim é pequeno exigindo construção vertical.  Ora bolas, nesse caso bastaria criar uma lei excepcional liberando o número de pisos para entidades de ensino ou prédios federais. O que na verdade defendem é o direito do maior hotel daqui ampliar para cima seu número de habitações. É uma lei dirigida, elaborada sem levar em conta questões como o esgotamento sanitário e o trânsito, que seriam alterados com o aumento de residências e prédios comerciais. Por sua vez os partidários da manutenção do gabarito nos atuais dois andares, trazem argumentos tais como a preservação das características da cidade. Se fossem sinceros não teriam vindo morar aqui, pois eles, assim como eu, ajudaram a mudar as tais características da cidade, transformando-a de vila simpática de pescadores num balneário tolo como os demais, sem vida própria sempre a espera dos turistas. Ajudamos a transformar pescadores em empregados da construção e ajudantes de cozinha. Claro que sem a ajuda dos especuladores locais, nada disso seria possível.
Sempre é a mesma coisa. Os interesses de poucos são colocados como se tratasse do interesse de todos. Por isso é que até hoje os gaúchos comemoram a guerra dos farrapos (uma briga de oligarcas) como se fosse uma revolta popular contra desmandos do governo central. E para esconder o mais elementar fato daquela guerra fratricida, a chamam de revolução farroupilha.