sábado, 29 de outubro de 2011

Bossa nova






Não me entenda mal, eu gosto de bossa nova. A riqueza das harmonias, os arranjos elaborados e seus intérpretes, fizeram desse gênero musical uma referência de bom gosto e qualidade. Há melodias que chegam a doer de tão belas. E há também os poetas. Mas, como em tudo, há exceções.
No caso específico das letras encontramos aqui e ali algumas bobagens como em “Rapaz de bem”, gravação de Johnny Alf, cuja letra me parece cínica e classista ainda que possa ser interpretada como sarcástica. Também não encontro nenhum valor poético em “O pato”, que se fora música infantil teria sua graça. Não é. No tempo de sua gravação, música infantil era na base dos três porquinhos e chapeuzinho vermelho. Pior é a letra de “Lobo mal” carregada de um machismo, que mesmo para a época de seu lançamento, era rançoso. Mas temos pérolas como “Chega de saudade”, faixa título do primeiro disco de João Gilberto.
No começo de carreira o cantor bahiano ainda não transformava samba em mantra e deu á essa peça uma interpretação intimista como requeriam letra e música. A primeira estrofe é deliciosamente triste


“Vai minha tristeza e diz a ela
Que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece que ela regresse
Por que eu não posso mais sofrer”


Segue o poeta em seu pedido


“Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz não há beleza, é só tristeza
E a melancolia que não sai de mim, não sai de mim, não sai”


Da tristeza nasce o sonho do futuro idílico


“Mas se ela voltar, se ela voltar
Que coisa linda que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca”


Peraí... beijinhos?  Depois de tanto sofrimento, beijinhos?
Os beijinhos e os peixinhos traem o poema.


E talvez esteja aí o ponto fraco da bossa nova. Ela não tem paixão. Amor, ternura, afeto, sim. Mas paixão não. Isso se vê pelo excesso de “inhos”. O cantinho, o barquinho, o poetinha, o banquinho. Se a isso juntamos os peixinhos e os beijinhos...
Com diminutivos não se fala de paixão. Paixão, meu amigo, precisa de superlativos.






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