sábado, 12 de novembro de 2011

É proibido fumar





Lá por meados dos anos 70 eu ia com minha rapaziada buscar bagulho numa favela de Belo Horizonte. O bagulho não era endolado e tudo dependia do humor do vapor. A mesma grana que num dia comprava unzão , no dia seguinte rendia apenas um fininho de cadeia. Mas ninguém pensava em reclamar ou dar uma choradinha, afinal o cara andava com um 38 na cintura “pra quem quiser ver” como dizíamos então. Deixávamos para resmungar enquanto apertávamos um na caixa d’água, onde íamos curtir o majestoso pôr do sol das alterosas. O três oitão nos tinha reféns. O cara era o dono do morro.
Se houvesse um museu do tráfico, aquele 38 estaria lá como reminiscência de um tempo quase romântico,ao lado do saquinho de leite cheio de maconha e da joaninha dos home.
Daquele tempo pra cá o que mudou com relação ao trafico foi seu poder financeiro e seu armamento. Do 38 chegamos ao fuzil AR 15, às sub-metralhadoras, ao calibre 12 e até um lança granadas já foi usado em enfrentamentos com a cana. Um helicóptero foi derrubado. Do dono do morro passamos às grandes facções e esta fase já está sendo superada. Estamos caminhando para o que a grande imprensa deu de chamar de "mexicanização" da atividade criminosa.
 Da maconha dos anos 70 passando pela cocaína dos 80, chegamos ao crack. Tudo tratado pela lei como se fosse uma coisa só.Todas as substâncias atendendo por nomes genéricos de estupefacientes, drogas ilícitas, entorpecentes. Isso não mudou e o estado continua “combatendo” o tráfico numa verdadeira operação enxuga gelo.
Cada vez que se prende um grande chefe de facção, a polícia faz estardalhaço e o secretário de segurança da vez, fala em pesada perda para o mundo do crime. Assim foi quando nos anos 70 prenderam Meio Quilo e hoje depois da prisão de Nem. Passando por Escadinha e Fernandinho Beira Mar. Mas não há vácuo de poder e logo os traficantes presos são substituídos por outros que vão evoluindo nos estratagemas e sofisticando operações para que o enorme, gigantesco mercado seja suprido.
As tímidas modificações introduzidas na legislação, são para inglês ver. Hoje o playboy encontrado com bagulho já não é considerado criminoso e sim usuário mas continua passando pela polícia, que é, em última instância, quem determina seu status. Já o garoto negro e pobre que está apertando um, na encolha, no alto do morro, se dançar “vai ficar grampeado no 12” como diz o samba. Isso se não for sorteado por uma bala perdida ou inscrito no rol dos atos de resistência.
Nas operações de repressão ao comércio de drogas,como a polícia gosta de chamar também genericamente, impera o esculacho, a tortura a céu aberto,a intimidação de moradores dos morros e favelas. O triste é que aquelas mocinhas, vestidas de colete à prova de bala com o logotipo das organizações criminosas a que pertencem, nada disso vêem. Através de seus microfones escutamos relatos que mais parecem relatórios oficiais. Ao final de cada reportagem mostrada pela televisão vemos a designação das delegacias e a sigla da secretaria de segurança escrita com trouxinhas e sacolés, e as armas que portavam os traficantes mortos na operação. Mas este ridículo encerramento só é capaz de afirmar o poderio do tráfico, e os números divulgados apenas apontam para o volume do consumo que, supostamente, nosso sistema legal quer reprimir. Segundo a reportagem exibida por ocasião da prisão de Nem, só na Rocinha eram vendidos 200 quilos de cocaína por semana,o que movimentaria 100 milhões de reais por ano. Os números são de apenas uma favela, das dezenas que movimentam drogas no Rio. Claro, esta informação pode ser questionada.
Mas se existe um fato inquestionável, é que todo este poder foi construído sobre a maconha. O que possibilitou o acúmulo de capital dos traficantes e sua inserção no mercado internacional da cocaína e depois de crack, foi uma planta que nasceria em qualquer quintal, se fosse permitido seu cultivo e consumo. Mas se agora é tarde para evitar-se o mal causado pela inócua proibição, ainda é tempo de evitar-se que mais vidas sejam perdidas e mais recursos sejam jogados fora. Recursos que poderiam ser melhor utilizados para tratamento de dependentes de crack e cocaína.
Sei bem que nada do que aqui digo é novo ou já não tenha sido mais e melhor tratado por quem se debruçou sobre o tema. Só não queria me furtar ao assunto que considero da maior importância  no que concerne à relação do estado com o cidadão.






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