sábado, 12 de novembro de 2011

El reino del revés






Maria Helena Walsh foi a mais criativa e inteligente compositora de músicas infantis de que tenho notícia. Também escrevia estórias e cantava. Tudo fazia com requinte. Também escrevia canções de temática adulta mas confesso não conhecer essa faceta de seu talento. Há um disco seu que ademais de contar com letras divertidíssimas, cada uma das canções é composta em um ritmo distinto. Temos desde o “Twist del Mono Liso” até a “Chacarera de los gatos”. Mas não é da grande compositora argentina que quero falar, acontece que uma de suas canções me veio à mente enquanto ouvia notícias na televisão. Trata-se de “El reino del revés”.
Acontece que vivemos hoje neste reino onde tudo é o reverso do que deveria ser. Se não, vejamos. Assistindo um programa de cunho jornalístico, deparo-me com rasgados elogios a um produtor rural que exterminou uma plantação de bananas da propriedade que adquirira e passou a cultivar bromélias. Com isso estaria ajudando na preservação ambiental, protegendo mananciais. Ora bolas, banana menina tem vitamina, banana engorda e faz crescer. O homem é elogiado porque deixou de produzir alimentos, deixou de produzir a fruta rica da família pobre.Digno de elogios seria se conseguisse plantar bananas de maneira que não comprometesse os mananciais e demais recursos naturais. Certamente suas bromélias irão compor um lindo arranjo floral que adornará alguma mesa de reunião, onde estará sendo discutido o futuro do planeta. Lástima que as bromélias terão que disputar espaço à mesa com laptops e celulares, aparatos indispensáveis para nossos defensores do meio ambiente.
No mesmo fim de semana encontro na tv um largo programa tratando de construções ecologicamente corretas. É mostrada uma casa que gira para aproveitar melhor a luminosidade natural e assim, economizar energia. Nada disseram do tipo de energia que é usada para movimentar semelhante engenho, mas seja o que for, me parece que um motor capaz de mover uma casa deve consumir muito mais energia do que umas lâmpadas que deveriam ser acesas mais cedo caso a residência fosse fixa. Sem contar, é claro, que todo o mecanismo foi fabricado consumindo energia. Mas tanto o construtor como o proprietário e o repórter estavam contentíssimos com o projeto. Muita engenharia e pouca aritmética. Mas se estes exemplos parecem pouco representativos do “reino del revés”, vejamos o que acontece com a maior falácia do século; a reciclagem.
Talvez seja melhor falarmos de “reciclagens” pois assim estaremos fazendo a distinção entre o que é útil e economicamente viável do que é apenas uma afetação típica de nossos dias.
Quando, no final dos anos 60 o leite passou a ser vendido em saquinhos plásticos, as mulheres da classe pobre logo viram nas embalagens, um enorme potencial de matéria prima e em pouco tempo o plástico resistente e moldável se transformou em capas para fogões , botijões de gás, liquidificadores. Claro que a classe média via nesta criatividade o cúmulo da cafonice. Mas estava aí o engenho que sempre fez do pobre um reciclador. É a reciclagem direta que toma o material útil e o reutiliza para fins idênticos ou semelhantes. A transformação, quando há, é mínima. A energia gasta em seu reaproveitamento é sempre muito inferior a que seria despendida na fabricação do mesmo objeto ou no que dele deriva.O mesmo se dá com as colchas de retalhos ou o uso de frascos de conservas para armazenar outros alimentos. Mas isso é coisa de pobre. Não é chique. O socialmente aceito são as lixeiras coloridas nas quais a classe média pode depositar com orgulho suas garrafas de vinho importado.
Quanto ao outro tipo de reciclagem, em voga nos dias atuais, o processo é complexo e exige um gasto de energia muito superior ao usado na fabricação do produto original. Assim que na reciclagem de embalagens plásticas de refrigerante, por exemplo, desde a coleta passando pelo transporte até a planta de transformação, o dispêndio de energia é enormemente desproporcional ao valor do produto resultante do ciclo.Isso se dá principalmente porque o tipo de reciclagem que se pratica é descendente. A segunda fase de uso é sempre inferior à primeira. As garrafas são transformadas em cordões de sapato ou enchimento de bonequinhos que antes eram recheados de isopor. O papel mais fino retorna como papelão ou papel de embrulho e assim por diante. Os japoneses já conseguem fazer fios longos para a indústria têxtil a partir das garrafas plásticas, mas a tecnologia é cara e não é dominada por outras nações.
Já se fala de uma reciclagem que tornaria o segundo ciclo idêntico ao primeiro. A este tipo de reaproveitamento da-se o nome de ”berço a berço”. Mas também aqui há o problema da energia utilizada.
Mesmo em países que, como o Brasil, possuem uma matriz energética limpa, os custos de produção de energia são enormes. No caso das hidrelétricas o impacto ambiental já é fator desestimulante (veja o caso de Belomonte) embora a produção em si seja limpa. Nos países europeus cuja matriz ou é atômica ou por queima de combustíveis fósseis, depara-se com o problema de segurança (energia atômica) ou de poluição atmosférica e o conseqüente efeito estufa (usinas termo-elétricas).
É também interessante notar como os ambientalistas não fazem a relação entre os custos extras advindos da reciclagem com a riqueza que deve ser produzida para afrontar estes custos. O dinheiro não nasce de árvores organicamente plantadas e sim do trabalho e da criação de bens e serviços que por sua vez demandam recursos energéticos. Como exemplo vale citar que em Nova York a remoção de uma tonelada de lixo custa aos cofres públicos (impostos pagos pelo cidadão) 50 dólares, ao passo que a coleta seletiva supera os 100 dólares por tonelada. Ou seja mais que o dobro. Para arcar com este custo extra o cidadão deveria produzir mais. Em suma, gastar mais energia.
O que vemos neste “reino del revés”são ações que para livrar o mundo do problema dos resíduos sólidos, amplia o maior dos problemas que é o aquecimento global por conta da queima de combustíveis fósseis para geração de energia. As fontes alternativas de produção energética têm se mostrado pouco confiáveis, seja pelo fator custo, seja pela dependência de questões climáticas ou geográficas. Na Noruega, onde haviam construído em meio ao oceano, imensos cata-ventos para a produção de energia, a empresa responsável pelo projeto vai desativa-lo por não ser viável economicamente. Em lugares como a floresta amazônica , o uso da força dos ventos como gerador de energia também não se mostra adequado. No caso da energia solar, esbarra-se nos custos, mas ainda é o que de melhor se conseguiu como fonte alternativa. Claro que estas tecnologias podem ser usadas como fonte complementar mas ainda assim o grosso da produção energética continuará, por muito tempo, sendo a que até hoje conhecemos.
O problema dos resíduos sólidos é de menor impacto ambiental que a poluição atmosférica. Caberia usar o engenho humano para melhorar sua reutilização. (reciclagem direta) compactação e estocagem do que é inservível, e legislar para que os fabricantes de bens utilizem menos embalagens. E mesmo neste caso temos antes de pensar em realocação de mão da obra que seria dispensada da indústria de embalagens. Mas vale pensar que se uma garrafa de cachaça pode ser vendida tal como sai do alambique, por que uma garrafa de wisky necessita de uma caixa que a envolva?
Mas aqui chegamos ao centro do “reino del revés”; as sacolinhas plásticas. Os ambientalistas dizem que elas devem ser abolidas por demorarem centenas de anos para se decomporem na natureza. Se juntarmos os ”benefícios” da reciclagem com esta demora, teríamos o panorama ideal, pois há mais tempo para que sejam recolhidas e recicladas. Disto vou tratar proximamente junto com o problema do lixo tecnológico.








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