quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O filósofo






Como sou casado há quase trinta anos com uma mulher judia, desenvolvi o hábito de falar sozinho. Pois se em sua religião as filhas de Abraão são relegadas ao segundo plano, assim como em todas as outras religiões, em seus lares as coisas funcionam de maneira totalmente diversa. Não sei o que veio primeiro, mas, me parece que quando os clérigos israelitas segregaram as mulheres nas sinagogas foi para que elas não os interrompessem durante alguma liturgia, para mencionar o custo das celebrações ou o bonito corte daquele kaftan ou ainda que a menorá não foi bem polida. Não sei. Talvez tenha sido o contrário e a posição subalterna nas cerimônias religiosas fez da mulher judia, rabino e talmudista em suas casas. É ela quem interpreta a Torá e faz-se de juiz rabínico entre as pedras do lar.
Mas se por um lado adquiri o costume dos monólogos interiores, qual um James Joyce da periferia, sou um ser humano e como disse Nelson Rodrigues, “a utopia de todo ser humano é um par de ouvidos”. Sendo assim, aqui estou batucando no teclado umas palavras que talvez sejam lidas.
Você,que me honra com sua atenção, já notou que tenho cá muitos problemas com a gramática. O vernáculo me é adverso. Ainda assim não consigo consultar os compêndios que versam sobre a língua culta enquanto escrevo.Prefiro ir ao “correr da pena” como se desculparia alguém do século dezenove, tão leigo como eu nos afazeres da escrita. Ainda posso agregar, a título de escusas, meu pouco tempo de vida escolar e inexperiência em transmitir idéias por meio das letras. Mas este sou eu,. inculto e amador. Deve-se exigir mais de quem é docente de uma faculdade e põe tintas em  jornais. Neste caso pode-se cobrar, senão talento, pelo menos um mínimo de clareza e bom uso da língua portuguesa.Refiro-me ao Pondé, o filósofo televisivo.
Tomo por base um texto que li outro dia na internet e nem sei onde foi publicado originalmente. Mas como o sítio me parece confiável, dou fé. Se lhe parece injusto julgar um pobre filósofo por apenas um de seus textos, devo aclarar que nunca ofereço justiça, apenas ponderações.
Pondé, como sabemos, ama as câmeras e por elas é amado.Isso tem contribuído para que ele não se faça de rogado quando as lentes o chamam para opinar sobre qualquer coisa. Fissão nuclear ou reprodução de artrópodes, tudo é matéria para sua verborragia. Quanto à escrita, o mesmo se aplica. Tanto assim que no artigo referido, ele busca nos distúrbios da USP conexão com Foucault e seus colegas docentes. Escracha  professores, alunos e o filósofo. Sempre tendo por base uma posição conservadora que quer se fazer passar por ultra moderna pois é pós politicamente correta. E aqui está o segredo de Pondé,
O filósofo preferido das estrelas encontrou um nicho de mercado que estava vago desde as mortes de José Guilherme Melquior e Paulo Francis; intelectual de direita. Desgraçadamente, não possui nem a elegância do texto daquele nem o sentido de humor deste. Francis escrevia como poucos e J.G. Melchior  tinha a clareza na argumentação que falta ao pensador representante da Avenida Paulista.
A idade, inimiga dos prazeres, deu-me, como prêmio de consolação, ao menos o poder de respeitar a opinião alheia. Mas no caso de Pondé, vou abrir uma exceção, pois não se trata de opinião meditada, estribada em profunda reflexão. Isso fica claro pela pressa que os acontecimentos exigem para serem comentados. E Pondé é e será sempre requisitado para dar sua douta opinião. Jamais ouviremos daqueles lábios risonhos um estimulante “não sei”. Nunca veremos naquele rosto adornado pelo soberbo cavanhaque, uma expressão de dúvida. Pondé só duvida da dúvida alheia. Só descrê o que crê o outro. Em sua filosofia prêt-à-porter não há lacunas a serem preenchidas por outro pensar.
Mas se o pensamento do calvo filósofo é bem aceito por muitos e até admirado por seus alunos, e isto é comprovado pelos comentários feitos na internet em razão da publicação do texto já mencionado, fica também claro que sua escrita é indefensável.  Faz lembrar justamente os comentários postados na rede de computadores por ocasião de um concerto de música pop ou do último escândalo de corrupção. A linguagem é a mesma. Mistura de xingamento e achincalhe. Quase dá para sentir os perdigotos na cara.
E se a linguagem beira a deselegância ,o estilo não poderia destoar e em dado momento o grande filósofo contemporâneo nos brinda com um “no sentido de”.Esta expressão é o sucedâneo do “a nível de” como podemos constatar pelo uso indiscriminado e massivo nos meios de comunicação. E se há pouco tempo era comum ouvirmos de nossos craques que sentiam uma contusão à nível de joelho, hoje sabemos que alguém vai à padaria no sentido de comprar pão. Mas é até estranho que um sábio tão pós pós- moderno como Pondé use o termo, pois este já está sendo substituído pelo “onde”. Esta nova locução pode ser usada em qualquer lugar e se referir a qualquer coisa. “Um jogador onde”... “uma música onde” ...etc. Uma maravilha que não há corretor ortográfico que dê jeito.Contudo não creio que o risonho pessimista vá usa-la. Já seria demais.
Se por acaso os olhos míopes do guru da Paulista recaíssem, cansados dos sérios estudos, sobre meus nada valorosos escritos, eu lhe daria apenas o conselho de quem já viu muito Professor cair do cavalo pelo excesso verbal. Pondé, calce as franciscanas sandálias e se case com uma boa mulher judia.





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