Morreu Joãozinho Trinta e com
ele uma página do carnaval carioca.
Sua trajetória como carnavalesco
é uma das mais vitoriosas na história do carnaval..Depois de iniciar como
assistente no Salgueiro onde foi campeão em 65, 69 e 71, trabalhou em 73 ao lado
de Maria Augusta e 74, já como solista, conquistou o título para a escola da
Tijuca, bisando no ano seguinte.
Em 1976 levou a Beija Flor ao
topo no desfile das escolas e depois repetiu o feito em 77 e 78. Conquistou
também, pela “orgulho da baixada”, os títulos de 80 e 83. Sua passagem pelo
carnaval de Nilópolis foi tão vencedora quanto polêmica. Criticado por
sambeiros, politicólogos e outros palpiteiros, pelo luxo que sua escola
colocava na avenida, em contraste com a realidade das comunidades das quais as
escolas eram oriundas, o maranhense da baixada fluminense foi categórico ao
afirmar que “pobre gosta é de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”.
Faltou dizer que intelectual gosta de miséria dos outros. Também bateu de
frente com a igreja católica quando vestiu uma imagem do Cristo redentor de
mendigo no seu enredo “Ratos e urubus, larguem a minha fantasia” Foi impedido e
teve que cobrir a alegoria com um plástico preto mas não deixou por menos e
sobre a veste que a censura eclesiástica impôs, escreveu os dizeres:_”Mesmo
censurado, rogai por nós”.
Pela Acadêmicos da Rocinha foi
campeão nos grupos 1D, 1C
e 1B em 89, 90 e 91. Também venceu o acesso pela Império da Tijuca em 76.
Voltou a conquistar o título do grupo especial em 97 pela Viradouro. Entre o
carnaval carioca e o paulistano somou também 6 vice-campeonatos.
De Joãozinho Trinta guardo uma
história contada pelo Neguinho da Beija Flor que ouvi numa entrevista há alguns
anos. Contava o cantor que estava à porta de sua casa um domingo de manhã quando
Joãozinho Trinta,.que ia para a feira, parou para uma conversa e disse ao
compositor que tem a escola no nome e na história:_Olha Neguinho, todas as
grandes escolas têm um samba que as exalta e nós não temos esse samba. Você,
como um dos compositores mais famosos da escola, deveria fazer algo a
respeito. Despediu-se e foi comprar
limões à feira.
Neguinho da Beija Flor entrou em
casa e encontrou a lira e a musa e naquele mesmo instante começou a escrever o
samba exaltação que lhe cobrara o carnavalesco.Voltou ao portão e quando
Joãozinho Trinta retornava de suas compras, mostro-lhe o samba recém composto.
Cantava olhando para o papel onde estava a letra ainda cheirando à tinta.
Quando levantou os olhos para colher a aprovação de Joãozinho Trinta os olhos
deste estavam cheios de lágrimas.
Sobre todas as glórias
conquistadas e polêmicas causadas, para mim essa história define mais Joãozinho
Trinta que qualquer outra.
No mesmo dia em que se foi o Trinta - curiosa coincidência que vai fazer lembrar a todos juntos - foram-se também o Sérgio Brito, síntese do teatro brasileiro em 60 anos de palco/cochia/câmeras, e a caboverdeana Cesária Évora, grande voz da música popular africana de expressão portuguesa em meio século. Joãozinho assumiu que o desfile de samba carioca é ópera, quer mais? Sérgio fazia de cada criação uma obra decisiva - tenho gravadas na memória suas atuações no Grande Teatro Tupy dos anos 50 e, especialmente, um Tchekhov encenado no Teatro Opinião, no Bairro Peixoto. Dona Cesária mostrou que o Brasil e o português são mais africanos e que o fado tem mais infiltrações na música daqui e d'África do que se pensa. Joãozinho, Sérgio, Cesária, grande trabalho!
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