sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Artilheiros







Mário Vianna foi uma grande figura do futebol brasileiro. Árbitro, técnico e comentarista de arbitragem durante décadas, seu nome sempre esteve ligado ao folclore do esporte. Em uma crônica dos anos 70, João Saldanha conta um episódio bem característico da personalidade de MárioVianna. Morador da Urca ele se vestia de Papai Noel pelo Natal e distribuía presentes para as crianças do bairro. Um dia enquanto fazia seu périplo natalino pelas ruas do belo recanto carioca, algum engraçadinho fez uma piada de mau gosto referente às suas vestes. Mário não conversou, desceu do Jeep que o conduzia e deu uma tremenda surra no gaiato. Justificou-se dizendo que não era por ele e sim pela imagem do bom velhinho.Isso ocorreu quando já era comentarista da Rádio Globo.
O povo lhe tinha enorme carinho e disso fui testemunha quando assisti em Gal Severiano o jogo Botafogo X Bangu no início dos anos 70. Nem me lembro qual foi o placar. O Botafogo venceu. Desse jogo, que deve ter sido um dos últimos que o alvinegro carioca mandou em seu estádio, lembro-me bem que quando Mário Vianna  intervinha na transmissão com seus famosos “la mano” ou “banheira”, a torcida voltava-se para a cabine de rádio e o saudava como se fosse um de seus atletas e ele retribuía acenos e sorrisos. Alem desse fato, recordo que devido ao mal estado do gramado, o juiz torceu o pé e teve que ser substituído.
Muito antes, na Copa do Mundo de 54, Mário Vianna estava na Suíça como representante da arbitragem brasileira. Terminado o jogo Brasil 2X 4 Hungria, que eliminava nossa seleção da competição, ele, assim como muitos brasileiros ficara indignado com a atuação do juiz da partida e, em repúdio, tentou arrancar o escudo da Fifa que trazia preso ao bolso superior do paletó e como o emblema não cedeu, todo o lado da vestimenta foi rasgado e ele perambulou colérico pelo gramado de Berna aos farrapos. Essa escutei de Sandro Moreira num bate papo esportivo promovido pelo IBAM do Rio antes da copa de 82.
Mas a passagem de que mais gosto, quem contou foi o Mazola numa entrevista que assisti pouco tempo atrás e se refere  ao Mário Vianna que tentou a carreira de técnico no Palmeiras. Dizia Mazola que Mário sempre lhe pedia que pressionasse o goleiro nas saídas da meta, mas ele não era muito disso. Era um jogador técnico que não tinha por hábito dividir bolas com o arqueiro. Mas houve um jogo, no Ulrico Mursa, em que Mário, suspenso, comandava seus jogadores detrás do alambrado. Era uma noite de chuva e o técnico de voz possante berrava para ser ouvido pelos atletas dentro do campo e insistia para que Mazola apertasse o goleiro. Talvez já cansado de ouvir a gritaria, Mazola obedeceu e dividiu uma bola que vinha cruzada na área. Não deu outra, o guarda metas soltou a bola molhada e o artilheiro esmeraldino fez o gol. Mário Vianna não se conteve e virando-se para o público bradou:_”Esse gol é meu, esse gol é meu”.
Claro que a frase tem muito a ver com o Mário Vianna que distribuía presentes nas ruas da Urca, vestido de Papai Noel .Mas tem gente da qual não se espera algo assim. É o caso do Mourinho.
O treinador português nem de longe lembra o folclórico Mário Vianna. Ganha milhões, anda de Mercedes Bens, veste-se como um manequim de loja fina e usa perfumes caríssimos. Já provou, por onde passou, que é bom técnico. Não passa temporada sem título. Nem de longe provoca simpatias.  Finda a temporada passada, o treinador do Real Madrid teve que se contentar com a Copa do Rei (estamos no século 21 e ainda se joga uma copa do rei). Nas outras duas competições que seu time disputou, teve que ver o rival Barcelona como campeão espanhol e amargou uma desclassificação da liga dos campeões da Europa pelos pés dos catalães. Sobre esse fraco desempenho (fraco para os padrões do Mourinho) o treinador falou à imprensa que apesar de tudo a temporada havia sido boa. _ “Foi o campeonato em que fiz mais pontos, e a temporada em que fiz mais gols.” Pois é, assim como Mário Vianna, Mourinho acredita que faz gols. Já não lhe bastam os louros que a imprensa oferta aos treinadores. Táticas, estratégias, esquemas, qualquer um concebe. Mourinho faz gols. Quando as glórias esportivas já não lhe bastem ao ego, o grande treinador luso não se aposentará, pendurará os sapatos de 800 euros com os quais balança as redes adversárias. Mas antes disso ainda o veremos gritar à beira do campo, para nosso espanto:_ “Este golo é meu, este golo é meu”.

Um comentário:

  1. Esta não dá pra deixar de comentar. Uma história do Mário Vianna, com dois enes, que eu eu li no Mário Filho ou no Saldanha ou num livro sobre o Neném Prancha, já não me lembro.

    Seguinte. Mário apitava um jogo do Botafogo precisamente em General Severiano - anos 40, 50, sei lá. Pra quem freqüentou o estádio na época a que se refere o Jorge ou na década de 60, como eu que ia lá depois da escola pra assistir os treinos, sabe que as sociais (entrada pela Rua Gal. Severiano) eram o trecho coberto e que as cadeiras ali ainda eram soltas como num terraço de bar e não fixadas na arquibancada [parece que em São Januário ainda tem um trecho assim, de cadeiras soltas]. Algumas vezes vi o Sandro Moreira sentado lá, apreciando as atividades. Pois bem, a história que eu li reza que Mário Vianna apitou alguma coisa contra o Botafogo e um torcedor indignado arremessou uma das cadeiras no campo. Mário não pestanejou: agarrou a cadeira com uma das mãos, enquanto a outra empunhava o apito, e arremessou-a de volta contra as sociais, dando normalmente prosseguimento ao jogo. Consta que ninguém se feriu e ficou por isso mesmo. Com Mário Vianna era assim: tudo era resolvido ali, na hora, sem recurso a tribunais.

    Outra dele. Mário foi um bambambã da polícia carioca na ditadura Vargas, que pegava bandido à unha e não dava refresco. Consta que só apanhou de um malandro: Madame Satã, que reinava na Lapa e não tinha medo nem de Mário Vianna com dois enes. Mas perguntar ao Mário se isso era verdade, ninguém jamais se atreveu.

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