quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A bolsa ou a vida







            Há muito tempo, as mulheres vêm tentando conquistar o lugar que lhes é devido em todas as sociedades. O século vinte já encontrou as sufragistas em plena luta pelo direito básico de votarem e serem votadas.
Vencida esta etapa, na qual as brasileiras estão entre as pioneiras, as mulheres seguiram trilhando o difícil caminho do reconhecimento e da busca pela igualdade. E se hoje as encontramos em posições de comando e decisão, por outro lado ainda as vemos recebendo salários menores que os homens pelo mesmo trabalho. Isso se dá principalmente na empresa privada, que insiste na manutenção da discriminação que a maior parte da sociedade rejeita. E tanto rejeita que só na última década, em nosso continente, três mulheres ocuparam o mais alto cargo político de seus países, destruindo a tese que dizia que mulheres não votam em mulheres.
Muitos obstáculos são postos diante das mulheres para entravar-lhes a caminhada. Nos dias de hoje difunde-se um ideal de mulher que é impossível de ser alcançado. Elas têm de ser a super-tudo. Profissional, dona de casa, mãe e gostosa. E, é claro, magra. Mas alem disso há um outro empecilho para a emancipação feminina. A bolsa.
Este artefato sobre o qual as próprias mulheres fazem terrível alarido, é o símbolo de seu desprezo pelo conforto, pelo bom senso. As vezes penso se não seria a maneira da mulher moderna de classe média demonstrar o quanto se sacrificam suas companheiras das classes baixas que levam latas d’água  nas cabeças e filhos sobre as ancas. Ou quem sabe o uso das bolsas tenha a ver com algo religioso e a bolsa represente a cruz do Cristo caminhando para o calvário. Não sei.
O senso comum diz que se uma bolsa feminina pesa três quilos, é porque sua dona deixou a metade das coisas na bolsa antiga. Mas isso não explica o fato das bolsas que levam três ou seis quilos terem capacidade para arroba e meia. Sim, pois quando vemos mulheres no afã de encontrar algo em seu interior, as mãos que buscam somem, deixando à mostra apenas cotovelos.
Juntando-se aos sapatos, que elevam os calcanhares vários centímetros do solo,as bolsas se tornam instrumentos de suplício para as sacrificadas mulheres. Mas esse seria um problema exclusivamente feminino já que nenhum homem é requisitado para transportar os fardos. Não é. Devido ao seu enorme tamanho, as bolsas se transformaram em transtorno para todos. Há que buscar estacionamento para elas e sei de senhoras que não freqüentam certos lugares por não haver neles onde repousar sua Louis Vuitton. Entenda-se que este lugar deve ser longe de mãos inescrupulosas, mas, próximo de olhares femininos cobiçosos. Mas estando em sítio propício, as mulheres exibem seus troféus com indisfarçável orgulho.
Outro dia assistia, pela televisão, um julgamento no STF. Havia sustentação oral e eu me preparava para ouvir um brilhante advogado que defende os membros de nossas elites diante daquela colenda corte. As câmeras da TV Justiça voltaram-se para o causídico que cumprimentou os ministros e iniciou sua fala. Mas, para mim, já era tarde.Atrás da tribuna que ocupara o eminente advogado,estava sentada uma senhora, que supus ser também advogada. Parecia já ter passado da idade louvada por Balzac, ainda assim era muito interessante com seus cabelos louros repuxados em coque, o rosto concentrado ornado de lentes e umas pernas cruzadas que mostravam o início de coxas grossas e firmes. Tinha à seus pés, calçados com delicados sapatos de tiras, sua bolsa, que pelas dimensões, não poderia  estar em outro lugar. Durante a argumentação do bacharel, as togas passavam roçando a bolsa. Magistrados faziam passes de baile para não tropeçarem naquele monumento erguido, em meio à passagem, em couro legítimo. Mais de um membro da laboriosa serventia daquela casa de justiça, teve de se esquivar do objeto enquanto levava às mãos de Suas Excelências, os pesados autos de processos. Passei os vinte minutos, a que teve direito o orador, temendo que a corte suprema de meu país fosse palco de uma cena de comédia pastelão.
Em outro episódio recente, minha atenção,que deveria estar voltada para coisas sérias, desviou-se para uma bolsa feminina. Foi na posse dos novos deputados do congresso espanhol. A cerimônia era transmitida ao vivo pela TVE e as câmeras focalizaram Soraya de Santamaría que galgava os degraus que a levariam à sua cadeira de deputada.
Soraya Sáenz de Santamaría, apesar de sua cara de burra, seu olhar bovino e suas declarações lastimáveis, é pessoa forte no novo governo de Espanha.  Ainda na oposição, era ela , depois de Mariano Rajoy, quem mais falava em nome do Partido Popular. Hoje, no poder, foi quem indicou o porta-voz do governo na câmara de deputados. É Vice-presidenta de governo.
 Durante vários minutos pudemos ver sua custosa escalada transportando algo, que apesar de saber que era uma bolsa, tenho escrúpulos de chamar por este nome. Suspenso pelo ombro, o estorvo chegava aos joelhos da diminuta e rechonchuda parlamentar, que estoicamente, atingiu seu objetivo; uma das últimas fileiras de cadeiras onde já estavam a postos alguns correligionários seus. Mas aí é que começa o drama. Tendo chegado à sua fileira como passar até seu posto? Juntas, deputada e bolsa, jamais passariam pelo espaço exíguo. Diante da impossibilidade, a pequena dama de ferro do liberalismo espanhol, passou sua carga para um colega que mesmo estando já sentado e da idade avançada, mostrou enorme força de músculos e elevou o fardo no ar enquanto sua líder acomodava-se em seu assento. Risonha e acomodada a deputada preparou-se para receber de volta a arca de sua propriedade. Mas onde deposita-la? Sobre a bancada ocultaria as tribunas dos olhos da metade dos parlamentares. Sobre o piso obstruiria a passagem e poderia ser visto como uma manobra dos governistas para evitar que a oposição tomasse assento. Afinal, o diretor de imagem da televisão pública espanhola, que não estava disposto a mostrar ao mundo essa primeira crise de governo, cortou para algo menos conflituoso.
Sem embargo, a bolsa mais vista e menos comentada foi a de Cristina Kirchner. A presidenta de todos os argentinos estava a ponto de iniciar conversações com Barak Obama numa conferência de cúpula.  Lado a lado em confortáveis cadeiras, os dois dirigentes esperavam que os fotógrafos encerrassem seu trabalho para começar os salamaleques habituais e enquanto isso Cristina escarafunchava uma gigantesca bolsa. No facebook, onde foi divulgada a foto do encontro, nuestros hermanos não cansaram de enaltecer sua presidente e sequer repararam no olhar de Obama. Entre incrédulo e galhofeiro, o havaiano parecia se perguntar: _O que esta mulher tanto busca nessa bolsa? Atrás de ambos, alguns assessores estadunidenses pareciam preocupados com o que sairia dali. Da bolsa, não da reunião.



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