Há muito
tempo, as mulheres vêm tentando conquistar o lugar que lhes é devido em todas
as sociedades. O século vinte já encontrou as sufragistas em plena luta pelo
direito básico de votarem e serem votadas.
Vencida esta etapa, na qual as brasileiras
estão entre as pioneiras, as mulheres seguiram trilhando o difícil caminho do
reconhecimento e da busca pela igualdade. E se hoje as encontramos em posições
de comando e decisão, por outro lado ainda as vemos recebendo salários menores
que os homens pelo mesmo trabalho. Isso se dá principalmente na empresa
privada, que insiste na manutenção da discriminação que a maior parte da
sociedade rejeita. E tanto rejeita que só na última década, em nosso
continente, três mulheres ocuparam o mais alto cargo político de seus países,
destruindo a tese que dizia que mulheres não votam em mulheres.
Muitos obstáculos são postos
diante das mulheres para entravar-lhes a caminhada. Nos dias de hoje difunde-se
um ideal de mulher que é impossível de ser alcançado. Elas têm de ser a super-tudo.
Profissional, dona de casa, mãe e gostosa. E, é claro, magra. Mas alem disso há
um outro empecilho para a emancipação feminina. A bolsa.
Este artefato sobre o qual as
próprias mulheres fazem terrível alarido, é o símbolo de seu desprezo pelo
conforto, pelo bom senso. As vezes penso se não seria a maneira da mulher
moderna de classe média demonstrar o quanto se sacrificam suas companheiras das
classes baixas que levam latas d’água
nas cabeças e filhos sobre as ancas. Ou quem sabe o uso das bolsas tenha
a ver com algo religioso e a bolsa represente a cruz do Cristo caminhando para
o calvário. Não sei.
O senso comum diz que se uma
bolsa feminina pesa três quilos, é porque sua dona deixou a metade das coisas
na bolsa antiga. Mas isso não explica o fato das bolsas que levam três ou seis
quilos terem capacidade para arroba e meia. Sim, pois quando vemos mulheres no
afã de encontrar algo em seu interior, as mãos que buscam somem, deixando à
mostra apenas cotovelos.
Juntando-se aos sapatos, que
elevam os calcanhares vários centímetros do solo,as bolsas se tornam
instrumentos de suplício para as sacrificadas mulheres. Mas esse seria um
problema exclusivamente feminino já que nenhum homem é requisitado para
transportar os fardos. Não é. Devido ao seu enorme tamanho, as bolsas se
transformaram em transtorno para todos. Há que buscar estacionamento para elas
e sei de senhoras que não freqüentam certos lugares por não haver neles onde
repousar sua Louis Vuitton. Entenda-se que este lugar deve ser longe de mãos
inescrupulosas, mas, próximo de olhares femininos cobiçosos. Mas estando em
sítio propício, as mulheres exibem seus troféus com indisfarçável orgulho.
Outro dia assistia, pela
televisão, um julgamento no STF. Havia sustentação oral e eu me preparava para
ouvir um brilhante advogado que defende os membros de nossas elites diante
daquela colenda corte. As câmeras da TV Justiça voltaram-se para o causídico que
cumprimentou os ministros e iniciou sua fala. Mas, para mim, já era tarde.Atrás
da tribuna que ocupara o eminente advogado,estava sentada uma senhora, que
supus ser também advogada. Parecia já ter passado da idade louvada por Balzac,
ainda assim era muito interessante com seus cabelos louros repuxados em coque,
o rosto concentrado ornado de lentes e umas pernas cruzadas que mostravam o
início de coxas grossas e firmes. Tinha à seus pés, calçados com delicados
sapatos de tiras, sua bolsa, que pelas dimensões, não poderia estar em outro lugar. Durante a argumentação
do bacharel, as togas passavam roçando a bolsa. Magistrados faziam passes de
baile para não tropeçarem naquele monumento erguido, em meio à passagem, em
couro legítimo. Mais de um membro da laboriosa serventia daquela casa de
justiça, teve de se esquivar do objeto enquanto levava às mãos de Suas
Excelências, os pesados autos de processos. Passei os vinte minutos, a que teve
direito o orador, temendo que a corte suprema de meu país fosse palco de uma
cena de comédia pastelão.
Em outro episódio recente, minha
atenção,que deveria estar voltada para coisas sérias, desviou-se para uma bolsa
feminina. Foi na posse dos novos deputados do congresso espanhol. A cerimônia
era transmitida ao vivo pela TVE e as câmeras focalizaram Soraya de Santamaría
que galgava os degraus que a levariam à sua cadeira de deputada.
Soraya Sáenz de Santamaría,
apesar de sua cara de burra, seu olhar bovino e suas declarações lastimáveis, é
pessoa forte no novo governo de Espanha. Ainda na oposição, era ela , depois de Mariano
Rajoy, quem mais falava em nome do Partido Popular. Hoje, no poder, foi quem
indicou o porta-voz do governo na câmara de deputados. É Vice-presidenta de
governo.
Durante vários minutos pudemos ver sua custosa
escalada transportando algo, que apesar de saber que era uma bolsa, tenho
escrúpulos de chamar por este nome. Suspenso pelo ombro, o estorvo chegava aos
joelhos da diminuta e rechonchuda parlamentar, que estoicamente, atingiu seu
objetivo; uma das últimas fileiras de cadeiras onde já estavam a postos alguns
correligionários seus. Mas aí é que começa o drama. Tendo chegado à sua fileira
como passar até seu posto? Juntas, deputada e bolsa, jamais passariam pelo
espaço exíguo. Diante da impossibilidade, a pequena dama de ferro do
liberalismo espanhol, passou sua carga para um colega que mesmo estando já sentado
e da idade avançada, mostrou enorme força de músculos e elevou o fardo no ar
enquanto sua líder acomodava-se em seu assento. Risonha e acomodada a deputada
preparou-se para receber de volta a arca de sua propriedade. Mas onde
deposita-la? Sobre a bancada ocultaria as tribunas dos olhos da metade dos
parlamentares. Sobre o piso obstruiria a passagem e poderia ser visto como uma
manobra dos governistas para evitar que a oposição tomasse assento. Afinal, o
diretor de imagem da televisão pública espanhola, que não estava disposto a
mostrar ao mundo essa primeira crise de governo, cortou para algo menos
conflituoso.
Sem embargo, a bolsa mais vista
e menos comentada foi a de Cristina Kirchner. A presidenta de todos os
argentinos estava a ponto de iniciar conversações com Barak Obama numa
conferência de cúpula. Lado a lado em
confortáveis cadeiras, os dois dirigentes esperavam que os fotógrafos
encerrassem seu trabalho para começar os salamaleques habituais e enquanto isso
Cristina escarafunchava uma gigantesca bolsa. No facebook, onde foi divulgada a
foto do encontro, nuestros hermanos não cansaram de enaltecer sua presidente e
sequer repararam no olhar de Obama. Entre incrédulo e galhofeiro, o havaiano
parecia se perguntar: _O que esta mulher tanto busca nessa bolsa? Atrás de
ambos, alguns assessores estadunidenses pareciam preocupados com o que sairia
dali. Da bolsa, não da reunião.
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