domingo, 22 de janeiro de 2012

Ruas e homenagens







João Saldanha não gostava de nomes de ruas. Preferia que elas fossem simplesmente numeradas como ocorre em Nova York. Para defender sua tese contava a história do burro que morrera numa rua da Tijuca.
Um português, bom cidadão, telefonou para o órgão competente para notificar o fato e pedir que o cadáver do animal fosse retirado da via pública. Como esse bairro carioca deu às suas ruas muitos nomes estrangeiros de difícil pronunciação, o galego que não conseguia fazer-se entender sobre a localização do animal morto, não perdeu mais tempo e arrastou o burro até a Rua Uruguai e voltou a telefonar.
Talvez por ter nascido em Belo Horizonte, meu gosto por nomes de ruas seja um pouco diferente. Lá, as ruas do centro que vão num sentido, têm os nomes dos estados brasileiros, Rua Rio de Janeiro, Rua São Paulo, Avenida Paraná, Rua da Bahia etc. Em sentido transversal a estas, as ruas recebem os nomes de povos indígenas: Guaicurus, Caetés, Tamoios, Tupinambás, Aimorés.
No Bairro do Prado, onde passei meus primeiros anos, as ruas recebem nomes de pedras preciosas. Encontramos aí as Ruas Turmalina, Turquesa, Rubi e também Rua do Ouro e Rua da Prata. Minha avó morava na Rua Platina. Pra meu desgosto minha rua se chamava Rua dos Andes.
Entre tantos lindos nomes, Belo Horizonte tem uma mancha. Uma de suas ruas chamou-se por alguns anos, Rua Dan Mitrione. Se você não lembra, Dan Mitrione era um agente da CIA que ensinava técnicas de tortura e outros métodos anti-comunistas na América Latina. Após prestar seus serviços na capital mineira onde residiu por certo tempo, e no Rio, foi mandado para o Uruguai ajudar na formação de torturadores na recém iniciada ditadura platense. Lá, foi capturado e morto pelo grupo guerrilheiro “Tupamaros”. O filme “Estado de sítio”, de Costa-Gavras, é sobre este episódio. Depois da morte o torturador virou rua.
Quando vivi nos arredores da capital mineira, no Bairro do Eldorado, caminhava por vias que homenageavam a flora brasileira. Ipês, Jequitibás, Angicos, Paineiras. Mas era muito constrangedor para meus treze anos, quando tinha de dar meu endereço para alguém de fora do bairro, eu morava na Rua Pau Branco. Hoje esse bairro está globalizado e tem suas ruas França, Inglaterra, Bélgica.
Outro dia assisti uma reportagem na televisão que contava que uma cidade do interior do país resolvera dar nomes de pássaros brasileiros às suas vias, mas como a cidade cresceu muito, os funcionários da prefeitura, responsáveis por designar os logradouros, vivem as voltas com livros de ornitologia. Dos sabiás, tico-ticos e bem-te-vis, já chegaram à  curicaca real e à anhuma pantaneira.
Mas quando de gente se trata, a homenagem pode ser problemática. Lembra a polêmica que houve quando o prefeito do Rio resolveu trocar o nome da Rua Montenegro por Rua Tom Jobim? A família Montenegro protestou e a solução foi alojar o grande músico no aeroporto internacional do Rio.
 Os maiores impasses se dão quando, no afã de bajular algum poderoso ou seu clã, os governantes demitem o homenageado do passado. Para resolver problemas como esse, um prefeito do interior rebatizou a avenida principal de sua cidade de “Avenida Presidente Atual”.
 Mas uma solução tão simples não poderia ser aplicada no Maranhão. Sua capital parece homenagear exclusivamente o clã Sarney. Do aeroporto à maternidade, da praça às principais vias, da biblioteca ao museu. Tudo homenageia os Sarney. Até uma bisneta do último coronel, mesmo antes de ter idade escolar, já teve uma escola pública batizada com seu nome, Uma gracinha.
No entanto há homenagens que não são feitas. É o caso do novo estádio do Coríntians. Justo no ano em que é construído, a fiel torcida perde uma de suas maiores estrelas; Sócrates Brasileiro que marcou época no clube não só pela conquista de um bi-campeonato paulista, mas principalmente por liderar a democracia corintiana. Nada seria mais justo do que dar ao novo palco o nome do grande jogador. Mas não, o nome será leiloado entre empresas que queiram ter sua marca ligada ao clube. Nada de mais quando se sabe quem é o presidente do Coríntians. Sanches seria incapaz de uma grandeza. Jamais lhe ocorreria abrir mão de dinheiro para reverenciar alguém. Ainda que esse alguém fora um dos maiores ídolos do clube que ele preside.
A idéia de dar o nome de Sócrates ao novo estádio do Coríntians, quem deu foi o narrador esportivo Luís Alfredo durante uma transmissão do campeonato inglês. É a segunda vez que concordo com o rechonchudo filho de Geraldo José de Almeida, quando de nomes se trata. Tenho a mesma opinião que ele sobre qual estádio de futebol no Brasil tem o nome mais bonito. É o Rei Pelé em Maceió. Juntar o título nobiliárquico com o apodo que o menino Édson ganhou em Três Corações ou Bauru, chega a ser poético.
No caso da nova casa do Coríntians, Luís Alfredo sugere “Sócrates Brasileiro”. Do próprio Sócrates, ouvi em entrevista feita nos anos 80 e exibida recentemente por ocasião de sua morte, que a parte mais importante de seu longo nome era “Brasileiro”. Acho que ele gostaria de ser lembrado assim.. Mas se os dirigentes corintianos tivessem a nobreza de imortalizar o grande ídolo em pedra e cal, certamente que escolheriam o nome “Dr. Sócrates”. No Brasil o título universitário é um fetiche.
Outros estádios que têm nomes de jogadores são o “Mane Garrincha” em Brasília e o Mestre Ziza em Niterói. Não consigo me lembrar de outros. Antes havia o “Belfort Duarte” pertencente ao Coritiba, mas foi trocado seu nome por o de um cartola em cuja administração, foi construído o estádio. Hoje a praça esportiva se chama “Couto Pereira”. A troca de nome põe em evidência o desconhecimento e a falta de critério dos dirigentes paranaenses.
Belfort Duarte alem de ter sido um exemplo de atleta e desportista, foi uma das pessoas mais importantes no futebol brasileiro de seu tempo. Difundiu a prática do esporte e estimulou a criação de times com o nome de América pelo país a fora. Quanto ao Major Antônio Couto Pereira as referências são poucas.
Não creio que tenhamos um “Estádio Sócrates Brasileiro”. É mais provável uma “Arena Coca-cola” ou algo do gênero. Mas o nome popular será “Itaquerão”



2 comentários:

  1. Sobre a polêmica em Ipanema: queriam botar o nome do Jobim na Vieira Souto e não na Montenegro, que aliás não é mais Montenegro mas Vinicius de Moraes. Mas eu quis aproveitar a deixa foi pra dizer que no Recreio dos Bandeirantes comete-se o uso mais escandaloso dessa horrível prática brasileira de dar nome de gente às ruas: deve haver ou havia no bairro muito antigo adepto da ditadura militar, pois tem até Rua Gustavo Corção, entre outras pérolas. Morar na Rua do Pau Branco é pinto se comparado com morar na Rua Gustavo Corção! Em Jacarepaguá, aliás, tem a Estrada do Pau Ferro, também sujeita a trocadilhos mas bem mais aceitável que um infecto Beco Dan Mitrione ou, digamos, uma sombria Travessa do Garrastazu.

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  2. Confundi os parceiros. A polêmica a que me referia é mesmo essa da troca de Vieira Souto por Tom Jobim. Travessa Garrastazu esquina de Newton Cruz. nem o taxi te leva.

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