João Saldanha não gostava de
nomes de ruas. Preferia que elas fossem simplesmente numeradas como ocorre em Nova York. Para
defender sua tese contava a história do burro que morrera numa rua da Tijuca.
Um português, bom cidadão,
telefonou para o órgão competente para notificar o fato e pedir que o cadáver
do animal fosse retirado da via pública. Como esse bairro carioca deu às suas
ruas muitos nomes estrangeiros de difícil pronunciação, o galego que não
conseguia fazer-se entender sobre a localização do animal morto, não perdeu
mais tempo e arrastou o burro até a Rua Uruguai e voltou a telefonar.
Talvez por ter nascido em Belo Horizonte , meu
gosto por nomes de ruas seja um pouco diferente. Lá, as ruas do centro que vão
num sentido, têm os nomes dos estados brasileiros, Rua Rio de Janeiro, Rua São
Paulo, Avenida Paraná, Rua da Bahia etc. Em sentido transversal a estas, as
ruas recebem os nomes de povos indígenas: Guaicurus, Caetés, Tamoios,
Tupinambás, Aimorés.
No Bairro do Prado, onde passei
meus primeiros anos, as ruas recebem nomes de pedras preciosas. Encontramos aí
as Ruas Turmalina, Turquesa, Rubi e também Rua do Ouro e Rua da Prata. Minha
avó morava na Rua Platina. Pra meu desgosto minha rua se chamava Rua dos Andes.
Entre tantos lindos nomes, Belo
Horizonte tem uma mancha. Uma de suas ruas chamou-se por alguns anos, Rua Dan
Mitrione. Se você não lembra, Dan Mitrione era um agente da CIA que ensinava
técnicas de tortura e outros métodos anti-comunistas na América Latina. Após
prestar seus serviços na capital mineira onde residiu por certo tempo, e no
Rio, foi mandado para o Uruguai ajudar na formação de torturadores na recém
iniciada ditadura platense. Lá, foi capturado e morto pelo grupo guerrilheiro
“Tupamaros”. O filme “Estado de sítio”, de Costa-Gavras, é sobre este episódio.
Depois da morte o torturador virou rua.
Quando vivi nos arredores da
capital mineira, no Bairro do Eldorado, caminhava por vias que homenageavam a
flora brasileira. Ipês, Jequitibás, Angicos, Paineiras. Mas era muito
constrangedor para meus treze anos, quando tinha de dar meu endereço para
alguém de fora do bairro, eu morava na Rua Pau Branco. Hoje esse bairro está
globalizado e tem suas ruas França, Inglaterra, Bélgica.
Outro dia assisti uma reportagem
na televisão que contava que uma cidade do interior do país resolvera dar nomes
de pássaros brasileiros às suas vias, mas como a cidade cresceu muito, os
funcionários da prefeitura, responsáveis por designar os logradouros, vivem as
voltas com livros de ornitologia. Dos sabiás, tico-ticos e bem-te-vis, já
chegaram à curicaca real e à anhuma
pantaneira.
Mas quando de gente se trata, a
homenagem pode ser problemática. Lembra a polêmica que houve quando o prefeito
do Rio resolveu trocar o nome da Rua Montenegro por Rua Tom Jobim? A família
Montenegro protestou e a solução foi alojar o grande músico no aeroporto
internacional do Rio.
Os maiores impasses se dão quando, no afã de
bajular algum poderoso ou seu clã, os governantes demitem o homenageado do
passado. Para resolver problemas como esse, um prefeito do interior rebatizou a
avenida principal de sua cidade de “Avenida Presidente Atual”.
Mas uma solução tão simples não poderia ser
aplicada no Maranhão. Sua capital parece homenagear exclusivamente o clã
Sarney. Do aeroporto à maternidade, da praça às principais vias, da biblioteca
ao museu. Tudo homenageia os Sarney. Até uma bisneta do último coronel, mesmo
antes de ter idade escolar, já teve uma escola pública batizada com seu nome,
Uma gracinha.
No entanto há homenagens que não
são feitas. É o caso do novo estádio do Coríntians. Justo no ano em que é
construído, a fiel torcida perde uma de suas maiores estrelas; Sócrates Brasileiro que
marcou época no clube não só pela conquista de um bi-campeonato paulista, mas
principalmente por liderar a democracia corintiana. Nada seria mais justo do
que dar ao novo palco o nome do grande jogador. Mas não, o nome será leiloado
entre empresas que queiram ter sua marca ligada ao clube. Nada de mais quando
se sabe quem é o presidente do Coríntians. Sanches seria incapaz de uma
grandeza. Jamais lhe ocorreria abrir mão de dinheiro para reverenciar alguém.
Ainda que esse alguém fora um dos maiores ídolos do clube que ele preside.
A idéia de dar o nome de
Sócrates ao novo estádio do Coríntians, quem deu foi o narrador esportivo Luís
Alfredo durante uma transmissão do campeonato inglês. É a segunda vez que
concordo com o rechonchudo filho de Geraldo José de Almeida, quando de nomes se
trata. Tenho a mesma opinião que ele sobre qual estádio de futebol no Brasil
tem o nome mais bonito. É o Rei Pelé em Maceió. Juntar o título
nobiliárquico com o apodo que o menino Édson ganhou em Três Corações ou
Bauru, chega a ser poético.
No caso da nova casa do
Coríntians, Luís Alfredo sugere “Sócrates Brasileiro”. Do próprio Sócrates,
ouvi em entrevista feita nos anos 80 e exibida recentemente por ocasião de sua
morte, que a parte mais importante de seu longo nome era “Brasileiro”. Acho que
ele gostaria de ser lembrado assim.. Mas se os dirigentes corintianos tivessem
a nobreza de imortalizar o grande ídolo em pedra e cal, certamente que
escolheriam o nome “Dr. Sócrates”. No Brasil o título universitário é um
fetiche.
Outros estádios que têm nomes de
jogadores são o “Mane Garrincha” em Brasília e o Mestre Ziza em Niterói. Não consigo
me lembrar de outros. Antes havia o “Belfort Duarte” pertencente ao Coritiba, mas
foi trocado seu nome por o de um cartola em cuja administração, foi construído
o estádio. Hoje a praça esportiva se chama “Couto Pereira”. A troca de nome põe
em evidência o desconhecimento e a falta de critério dos dirigentes
paranaenses.
Belfort Duarte alem de ter sido
um exemplo de atleta e desportista, foi uma das pessoas mais importantes no
futebol brasileiro de seu tempo. Difundiu a prática do esporte e estimulou a
criação de times com o nome de América pelo país a fora. Quanto ao Major Antônio
Couto Pereira as referências são poucas.
Não creio que tenhamos um “Estádio
Sócrates Brasileiro”. É mais provável uma “Arena Coca-cola” ou algo do gênero. Mas
o nome popular será “Itaquerão”
Sobre a polêmica em Ipanema: queriam botar o nome do Jobim na Vieira Souto e não na Montenegro, que aliás não é mais Montenegro mas Vinicius de Moraes. Mas eu quis aproveitar a deixa foi pra dizer que no Recreio dos Bandeirantes comete-se o uso mais escandaloso dessa horrível prática brasileira de dar nome de gente às ruas: deve haver ou havia no bairro muito antigo adepto da ditadura militar, pois tem até Rua Gustavo Corção, entre outras pérolas. Morar na Rua do Pau Branco é pinto se comparado com morar na Rua Gustavo Corção! Em Jacarepaguá, aliás, tem a Estrada do Pau Ferro, também sujeita a trocadilhos mas bem mais aceitável que um infecto Beco Dan Mitrione ou, digamos, uma sombria Travessa do Garrastazu.
ResponderExcluirConfundi os parceiros. A polêmica a que me referia é mesmo essa da troca de Vieira Souto por Tom Jobim. Travessa Garrastazu esquina de Newton Cruz. nem o taxi te leva.
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