sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Nós, o povo







“A arte do povo é tão desprovida de qualidade artística [...] que nunca vai alem de uma tentativa tosca e desajeitada de exprimir fatos triviais, devido à sua sensibilidade embotada”
Este é um trecho do manifesto de criação do Centro Popular de Cultura, o CPC, que entre fins de1961 até o incêndio da UNE em abril de 1964, através do teatro e outras atividades culturais, propunha-se a ensinar para as massas populares o que eram as massas populares. Como deveriam pensar, agir, sentir.
Composto, em sua grande maioria, por jovens da classe média alta, ligados ao Partido Comunista Brasileiro, este grupo, iniciado por Oduvaldo Viana Filho, teve curta e “produtiva” carreira. Escreveu e encenou dezenas de peças de teatro, publicou livros e revistas, produziu um filme dirigido por Arnaldo Jabor  (Jabor e não Jabour como escrevi outro dia) Cacá Diegues, Leon Hirzman e Joaquim Pedro, promoveu festivais de cultura popular, gravou dois discos e outras coisas mais. Não conseguiu mudar o país através da arte como se propunha. Por quê? A resposta está no manifesto. Na maneira de ver e querer representar o povo. Nem se trata de uma visão distorcida, é cegueira mesmo. Não ver o que se passa à volta.
Não se pode descrer da sinceridade dessa gente que, no fundo, queria libertar o país do atraso, do domínio econômico estrangeiro mas sua concepção sobre o povo e sua arte estava a léguas da realidade.
Para os politizados de então, a arte deveria ter papel transformador ou não era arte. Arte tinha de ser arte engajada.Tal concepção me parece extremamente redutora, restritiva pois deixaria de fora toda ou quase toda a produção artística de matriz popular. Como poderiam ser agentes de transformação social os versos de Cartola ou Guilherme de Brito?  Um desfile de escola de samba ou um bumba meu boi?  Pelo menos para os subscritores do manifesto, não havia como.  No entanto são essas e outras manifestações que realmente transformam o ser humano, não pelo discurso político, mas pela beleza. Muito mais eloqüente é o samba de enredo que o panfleto que quer ser obra de arte.
Ao contrário dos sambas de Nelson Cavaquinho que José Ramos Tinhorão dizia que qualquer compositor erudito assinaria com orgulho, a produção musical do CPC é de uma pobreza franciscana. Dos dois discos gravados sob sua chancela, a música que mais representa sua visão do Brasil é “Canção do subdesenvolvido” cujos versinhos mal arrumados e de rimas forçadas são entrelaçados pelo refrão:_ “País subdesenvolvido, subdesenvolvido, subdesenvolvido". Não trata a música de criticar os fatos que levavam o país ao subdesenvolvimento, apenas menosprezar o Brasil, amesquinhar nosso povo.
Mas nada dessa concepção era novidade entre nós. Monteiro Lobato já criara o  Jeca Tatu para com ele e sua triste figura, jogar no colo do povo, que o personagem representava, a culpa por seus fracassos empresariais e as mazelas do país. Mais tarde ao tentar redimir o personagem, caiu no paternalismo, que é a outra face do mesmo pensar.
 Americanófilo, Lobato se batia contra a criação de uma companhia estatal de petróleo. Ele, que era um dos poucos que acreditava que o país detinha reservas do mineral, queria que aqui se seguisse o modelo privado estadunidense. Numa gravação, creio que a única que temos de sua voz, ouvimos do escritor severas críticas aos estudantes nacionalistas que faziam campanha de recolhimento de fundos para financiar a propaganda pró-estatal. Torcendo os fatos, dizia Lobato que a companhia petrolífera nacional já nascia pedindo esmolas. Assim como os fundadores do CPC, Lobato queria o desenvolvimento, o fim do atraso. Acreditava no Brasil mas não no nosso povo.
Para comemorar o aniversário da publicação do “Sítio do Pica pau amarelo”, a tv pública mostrou um documentário sobre o criador de Emília. Em certo momento, o realizador fala do grande espírito empreendedor de Lobato, que tivera a idéia de distribuir livros editados por ele, por todo o país, deixando-os consignados em açougues, padarias, vendinhas. Com isso Lobato multiplicou os locais de vendas de livros como nunca havia acontecido antes. Esqueceu-se o documentarista de louvar os vendeiros.
Recentemente Monteiro Lobato foi alvo, não da aclamação que costuma acompanhar a citação de seu nome, mas sim de repúdio. O movimento negro pediu que fosse retirado das bibliotecas escolares um de seus livros no qual o autor fazia uma descrição infamante de sua personagem “Tia Anastácia”, que, por pudor, não transcrevo. Professores, pedagogos e escritores acorreram em sua defesa alegando que se tratava de censura. E Monteiro Lobato é intocável. Uma professora disse, em uma entrevista, que caberia ao professor contextualizar a obra para seus alunos, Ora, “O sítio do pica pau amarelo” é, hoje em dia, leitura para crianças de seis, sete anos, não vejo como alguém poderia contextualizar o mais atroz racismo para alguém dessa idade.
Monteiro Lobato deixou uma obra de literatura infantil das mais importantes. Vianinha ainda que descontadas as bobagens como “Bilbao via Copacabana” ou “A mais valia vai acabar seu Edgar”, marcou o teatro brasileiro com “Rasga coração” mas.ambos menosprezaram o povo, sua capacidade de criar, de transformar, de influir nos rumos da nação sem precisar de tutores.









Nenhum comentário:

Postar um comentário