Outro dia, trocando os canais da
televisão em busca de um futebolzim, parei uns minutos na TV Câmara. Estavam
passando uma audiência pública ou algo do gênero. Falava um senhor e no pé da
tela estava escrito seu nome e qualificação. Era economista e professor
universitário da matéria. Tratava da questão dos créditos. Comparava o crédito
imobiliário com o crédito concedido para compra de bens duráveis. Dizia que
quando alguém compra uma geladeira e não pode paga-la, esse crédito está
perdido, pois uma geladeira que foi comprada por R$1.000, depois de usada, não
valeria mais que R$ 150.
Estava na cara que o economista
nunca comprara uma geladeira usada. Mas inventou um número mágico e com ele
defendia sua tese. Algo bastante comum entre os economistas. Deixei pra lá e
continuei procurando alguém que chutasse uma bola.
Mas a geladeira de R$150, me fez
lembrar que estou sem máquina de lavar já faz muito tempo e preciso comprar uma
usada. Não vou achar por menos de R$400, e bem velhinha. As duas que tive foram
compradas usadas e paguei mais que isso na última. Talvez no brechó do
economista...
E é aí que está o problema; o
economista não tem um brechó. Ele e seus pares vivem ocupados resolvendo nossas
vidas. Planos e medidas econômicas lhes tomam todo o tempo.Uns executam, outros
criticam. Uns dizem que não devo fazer crédito para comprar a lavadora, outros
vão falar que eu acho uma usada por R$150. Entonces dame dos, diria minha
mulher.
Assim como o economista que não
quer que eu compre a máquina de lavar, não manja nada de aparelhos usados,
também os que cuidam dos empregos jamais procuraram um. Ou você imagina o
Eduardo Matarazzo Suplicy ou o Jorginho Bornhausen deixando o currículo em
alguma empresa? Já ouviu alguém comentar que encontrou o secretário de transportes
no ramal de Deodoro? Ou que o ministro da saúde operou a vesícula no S.U.S da
Penha? Não. Quem cuida de nossas vidas
não tem nem idéia de como vivemos.
Só tem um serviço público que é
utilizado por nossos dirigentes políticos e nossas elites. É a universidade
pública e gratuita.
Este feudo que a burguesia
gentilmente divide com a classe média do país, está agora ameaçado pela
política de cotas. Vozes indignadas com tal afronta se levantam e falam de
racismo, de privilégios. O jornalista Japiassu comentou o quão difícil é ser
branco no Brasil nos dias de hoje. O professor Magnoli sequer admite que
existam negros. Outros falaram que os alunos cotistas saídos da escola pública
não conseguiriam acompanhar o ritmo dos cursos universitários. Quando os primeiros
números relativos aos cotistas saíram, caiu por terra essa argumentação.
Nenhum dos dados me surpreendeu.
Já os esperava. A média de aprovação de cotistas e não cotistas é a mesma. A
freqüência às aulas entre os cotistas é maior assim como é muito menor o
abandono do curso. Claro, os alunos cotistas não têm a segunda opção na empresa
do papai. Tampouco abandonam o curso para fazer uma viagem à Índia em busca de
auto conhecimento. As moças do curso de pedagogia ou psicologia pretendem ser
pedagogas ou psicólogas. Não estão se adornando de conhecimento e diploma
enquanto esperam um marido bem sucedido.
Se a política de cotas põe um
mínimo de justiça em nosso sistema de ensino, não toca em outra aberração que é
a gratuidade para quem nem de longe precisa dela. No último vestibular da
Fuvest, o maior do país, 68% dos inscritos vinham da escola particular. Entre
os aprovados este número cresce muito. Não fossem as cotas e teríamos algo
próximo aos 100% devido ao sucateamento da escola pública.
O governo federal, através de
sua instruída burocracia, criou o Pró-Uni para financiar os estudos de quem não
passou pelo funil de nossas universidades públicas. A seleção desses agraciados
passa pelo Enem, que não deixa de ser um vestibular, um concurso para o qual estão
melhor preparados os alunos vindos da escola particular. Não sei que peso tem
na escolha, os dados sócio-econômicos dos que se inscrevem para obter o
financiamento. Mas os que conseguem a dádiva federal, ao final do curso terão
que pagar seus estudos, podendo fazê-lo, prestando serviço nas escolas
públicas, graça suprema
Quanto àqueles que concluem seus
estudos acadêmicos gratuitamente, nas universidades públicas, nada devem,
embora sua formação seja mais custosa para a sociedade. Se fosse menos dispendiosa
não faria sentido o financiamento federal para os ingressados em universidades
particulares.
Dados do último vestibular da
Fuvest, apontam que as famílias de 15% dos aprovados, possuem 3 ou mais carros.
Mas isso significaria pouco caso os seus filhos tivessem alguma obrigação para
com a sociedade depois de graduados. Isso não se dá. Diploma nas mãos, podem
partir para o mercado, mesmo que este seja fora do país. Países como a Alemanha
já concluíram que é mais barato e prático suprir o déficit de profissionais
especializados com mão de obra oriunda dos países em desenvolvimento. A
evasão de talentos não é coisa dos dias de hoje. Apenas se agravou.
O tema da gratuidade nas
universidades públicas é tabu. Nossos representantes no congresso pertencem, em
sua grande maioria, às classes mais abastadas e usufruíram do “direito” de
freqüentar o ensino superior sem pagar nada por isso. Querem o mesmo para seus
filhos e os de sua classe. Mesmos nos partidos comprometidos com as causas
populares, só se toca no assunto quando o ensino gratuito, de uma maneira
geral, está em
discussão. Esses partidos não querem mexer com os
universitários, que mesmo sendo filhos das “boas famílias”, formam base
importante da esquerda mais conseqüente.
Não se trata aqui de defender a
privatização do ensino superior, pelo contrário. O que se deve questionar, na
minha humilíssima opinião, é:_Universidade pública e gratuita para quem? A
reposta me parece óbvia. Universidade pública e gratuita para quem sai da
escola pública e gratuita.
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