segunda-feira, 12 de março de 2012

Publicidade e preconceito







Alguns anos atrás, enquanto esperava a transmissão de um jogo do Galo pela tv, eu assistia pacientemente os comerciais. Apareceu na tela um novo modelo de carro que eu deveria comprar porque tinha um motor potente que ia de 0 a 100 em poucos segundos e um desenho inovador e aerodinâmico que fazia toda a diferença nas curvas de alta velocidade. Logo me vi dentro do confortável bólido sob o olhar cobiçoso dos outros motoristas no engarrafamento da marginal Tietê. Pelo menos 45 minutos de pura admiração e inveja. A seguir uma moça me ofereceu uma gelada acompanhada de uma promessa velada. Seria por causa do meu carrão? Acho que não, a moça com a latinha de cerveja tinha o olhar inocente de uma Eva renascentista. Toda ela feita de uma pureza que mal cabia no bikini.Não, não era uma Maria gasolina Quando já pensava em sair do carro e ir até a geladeira buscar a moça e a gelada, uma voz de locutor hiperativo me convidou ao maquidonaldi.
O comercial de hambúrgueres me fez pensar na globalização. Vendo aquela gente branquíssima, sorridente e bem alimentada eu imaginava quantas pessoas no mundo estariam vendo aquele mesmo anúncio. Pois estava claro que era uma dessas peças publicitárias que são produzidas em algum país central e reproduzidas por todo o mundo. De onde seria? Não era americana pois nos Estados Unidos eles sempre mesclam, nas publicidades, diversas etnias para evitar o rechaço de algum ruidoso grupo minoritário ao produto anunciado. Também não devia ser dos países nórdicos. Lá, um negro agrega valor e charme à mercadoria, alem de fotografar muito bem sob a luz boreal. Não era eslava. Talvez do mediterrâneo. Sim podia ser. Mas algo, algum signo me fez ver que aquele comercial havia sido produzido aqui mesmo. Mas cadê os brasileiros? Nem em Santa Catarina se vê tantos brancos juntos num maquidonaldi. Onde estavam os negros, os mestiços, os mulatos, os morenos, os caboclos, os cafuzos, os mamelucos que encontramos nas ruas? Ali não estavam. Talvez o produtor do comercial não freqüentasse lanchonetes ou, quem sabe, preferisse as do Mediterrâneo.
O que me chamou a atenção, de certo foi notado por outros e na campanha seguinte, algo mudou. Uma oriental fazia o papel de loura burra e se dizia confusa com as ofertas e a possibilidade de se trocar um acompanhamento por outro sem alterar o preço da iguaria principal. Havia também três negros, mas eles não saboreavam as delícias gastronômicas da famosa casa de pasto. Vestidos à moda dos anos 70, com cabelos no estilo “black power”, faziam uns passos de dança no fundo da cena. Em outro comercial da mesma campanha, uma jovem senhora, com pinta de executiva, está dentro de um táxi e o motorista, que também não desfruta dos manjares oferecidos pelo restaurante, balbucia algo que não tem nada a ver com hambúrgueres nem com nada. Está fazendo papel do povo.
Certa vez escutei de um publicitário que detinha a conta de uma marca de automóveis que ele não punha negros nos seus anúncios porque os negros não podiam comprar aqueles carros. Pode ser que a cínica explicação fizesse algum sentido décadas atrás, hoje não faz mais. Grande parte dos milhões de brasileiros que saíram da pobreza nos últimos anos, é composta por negros e mestiços. Então por que a loja que vende sanduíches os despreza como agentes de publicidade e consumidores?  Imagino que a explicação deva estar contida em algum estudo que mostra que negros não se identificam com negros e pobres não querem ver pobres na tela de sua tv. No apêndice desse estudo possivelmente está escrito que mulher não vota em mulher.
A presença negra nos comerciais de tv ainda é mínima e está mais evidente nos anúncios de instituições públicas como a Caixa Econômica, o Banco do Brasil e a Petrobrás. Engraçado é que só me dei conta da desproporção entre negros e brancos na publicidade brasileira quando fui ao Paraguai nos anos 80. Se nas ruas de Assunção os indígenas eram imensa maioria, na televisão paraguaia era diferente e todos eram brancos de olhos claros como seu ditador de então, cujas fotos, espalhadas por toda capital, mostravam-no com os olhos em todas as tonalidades do azul de acordo com quem havia retocado o negativo. Eu estava tão acostumado com a brancura de nossa televisão que foi preciso sair daqui pra cair a ficha. O ridículo alheio me fez ver o nosso.
É de se esperar que a busca pelos novos consumidores e a perspectiva do lucro que a nova classe média trará para o empresariado que saiba conquista-la, acabe por anular o preconceito racial e de classe presente na publicidade brasileira.
No entanto esse dia ainda está longe como nos sugere o comercial da Faber Castel alusivo à volta às aulas No anúncio veiculado num canal infantil da tv por assinatura, vê-se uma sala de aula Os alunos estão em plena balbúrdia antes da chegada do professor. Um garotinho chama a atenção não só por ser o mais focalizado no filme como por sua cor que é de um branco difícil de descrever. Algo assim como um sueco que ficou de molho na água sanitária. Mas o que realmente impressiona é que toda a turma é composta de crianças brancas. Creio que mesmo na escola mais elitista do Brasil não haja tantas numa só classe.
           Para os caras vendem lápis, que é o mais simples e barato dos utensílios escolares e todas as crianças os levam nas mochilas, não cabe a explicação do publicitário que queria vender carros de luxo. Mesmo que eu estivesse seguro que a propaganda se dirige apenas às classes altas da população porque os governantes estão dando o material escolar básico a todas as crianças das escolas públicas, ainda assim a ausência de crianças negras e mestiças no comercial me pareceria odiosa. Não pode haver razão de mercado que justifique a exclusão. Não se pode plantar no imaginário das crianças das classes abastadas que seu mundo será composto apenas pelos de sua cor e raça. Não se pode impingir à sociedade a ideia do gueto intransponível.




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