segunda-feira, 30 de abril de 2012

Juca Kfouri entrevista







A operadora de tv por assinatura da qual só possuo o pacote básico, às vezes libera um ou outro canal por uns dias. Eles chamam isso de degustação. Desta vez abriram o canal ESPN e graças a isto pude ver a semi-final da liga dos campeões na quarta-feira. Nos dias seguintes não havia nenhuma atração que eu pudesse degustar. O jogo do Galo, pela Copa do Brasil, passava também em outra emissora e os jogos do campeonato inglês que eles transmitem, vão ao ar muito cedo.
Afinal, no sábado, estava o programa de entrevista do Juca Kfouri. Claro que me esqueci totalmente e só pude ver os 15 minutos finais.
Apesar de reconhecer no “Turco” um jornalista correto e honesto, não sou muito fã de suas entrevistas. Juca Kfouri é daqueles que rasgam muita seda para seus convidados. Antes e durante as entrevistas ele se mostra um admirador incondicional do entrevistado. Parece-me correto que ele receba em seu programa as pessoas de quem gosta, eu faria o mesmo. Tivera eu um programa, jamais me ocorreria entrevistar o Jarbas Passarinho ou o Luciano Huk mas acho que o Juca exagera nos elogios e amabilidades.
Certa vez ele anunciou durante toda a semana que iria receber um personagem tão especial que não pude deixar de ver. Juca o chamou de gênio brasileiro e outras coisas mais. Nesse dia assisti toda a entrevista e o gênio revelou-se um babaca. Já de cara, fazendo uma auto-apresentação, disse que era isso e aquilo e marido da fulana. Ora, se um sujeito quer agradar a mulher que faça isso em casa, de preferência na cama mas não venha a público paparicar a dona encrenca. Mas teve pior.
No decorrer da entrevista, o cara, que é cientista de alguma área ligada ao esporte, fez uma verdadeira apologia ao uso de drogas que dão vantagem esportiva. Defendia sua liberalização em competições. Disse o cientista que uma pessoa pode  optar por encurtar sua vida em nome da glória olímpica.  Pombas, qualquer um que acompanha esportes de alto rendimento sabe que esses atletas são formados antes mesmo da adolescência. Aos 14, 15 anos eles já competem nas categorias inferiores e os que se destacam prosseguem no esporte. Não me parece que se possa deixar nas mãos de alguém de 15 anos tal opção. Note-se que ele falava de drogas que, comprovadamente, provocam danos à saúde de quem as usa. Desse dia em diante fiquei de pé atrás com os elogiados pelo Juca.
Mas no sábado passado, o entrevistado era Alberto Dines. Gosto do velho jornalista. Ainda que tenha ficado muito espantado com suas críticas à decisão do Supremo de extinguir a exigência de diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista, vejo nele um sujeito ético e disposto a ouvir. Em seu programa “Observatório da Imprensa” da Rede Brasil, ele faz isso, escuta seus convidados. Diferentemente de seus colegas entrevistadores de televisão, Dines  sabe que o que interessa numa entrevista é o entrevistado e sua visão dos assuntos abordados. Além do mais ele faz algo que a imprensa odeia: critica a imprensa. Mostra seus equívocos e falhas. Não creio que deva ser muito querido entre seus pares. Para Juca Kfouri é, e o “Turco” não poupou elogios e afagos ao octogenário jornalista.
No momento em que comecei a assistir o programa o tema era a transmissão de lutas de MMA (Mixed Martial Arts) pela televisão aberta e a não aceitação das emissoras em adequar programação e horário de exibição. Tanto entrevistado como entrevistador são inimigos das lutas e nem as vêm como esporte, talvez por isso, não saibam que elas já são exibidas, na tv aberta, em horário bastante avançado não cabendo a crítica de que, por ser violento, o esporte não é adequado para ser visto por crianças.
Um pequeno defeito de Dines é o exagero e ele prognosticou que em breve, mantendo-se as emissoras impermeáveis ao controle da sociedade na questão dos horários, teremos filmes pornográficos na tv aberta e em qualquer horário.Mas todo o discurso era derivado da ojeriza que Juca e Dines sentem pelas lutas de MMA
Como homem mais ligado ao futebol, Juca fez uma ligação entre as torcidas organizadas e os lutadores. Da maneira como falou, alguém poderia entender que a violência das organizadas começou com as transmissões das lutas. Nada mais falso. Violência de torcidas é algo muito mais antigo. A tv aberta só muito recentemente passou a transmitir os eventos de MMA e mesmo as tvs por assinatura o fazem de uns 10 ou 12 anos para cá. Se levarmos em conta que o número de assinantes dessas tvs não passava de 3 milhões em todo o país quando as lutas começaram a ser exibidas, e o preço dos pacotes nos quais elas estão inseridas é proibitivo para a maior parte dos assinantes, veremos que a ligação entre a violência das organizadas e seu incentivo pelas competições de MMA é totalmente falsa.
Quando o assunto caiu no problema exclusivo da violência das torcidas, Dines, citando Juca, fez uma apologia ao clube. Disse que a idéia do clubismo é muito salutar e que entre seus companheiros de Rede Brasil, muitos mandam seus filhos para a escolinha de futebol do Vasco. Talvez por não ser muito afeito às coisas do esporte, Dines desconheça que essas escolinhas não produzem jogadores profissionais, estes vêm das peneiras, que no Vasco, por exemplo, é terceirizada e há pouco mais de dois meses um menino de nome Wendel, de 14 anos, morreu enquanto treinava buscando um lugar de atleta no clube. Wendel não tomara café da manhã naquele dia nem jantara no dia anterior. Assim mesmo foi a campo buscar o sonho de ser jogador profissional no futuro.
O clube, que na visão de Dines, é o ponto a que deveríamos voltar para neutralizar a violência das torcidas organizadas, nem sequer fornece um sanduíche aos meninos que buscam seus campos para sonhar. Os que são escolhidos entre centenas e mais tarde se tornarão profissionais, serão os que proporcionarão ao clube recursos,  seja através da cessão de seus contratos para clubes estrangeiros, seja através de contratos publicitários que as entidades esportivas só conseguem se têm talentos que chamem a atenção do público consumidor.
Com os cofres cheios, os clubes poderão oferecer aos seus sócios os campos bem tratados para os filhos dos amigos de Dines fingirem que são jogadores de divisão de base. Também virão do dinheiro aferido a custa do talento dos meninos como Wendel, as toucas dos praticantes de water pólo, as bolinhas para os tenistas, as piscinas dos nadadores.
Cada vez é menor o número de associados a clubes esportivos e isso se dá por uma razão muito simples; as pessoas que podem pagar as cotas de adesão e as mensalidades, já vivem em lugares onde são oferecidos os serviços que antes só eram encontrados nos clubes ou nas mansões dos milionários. Todo condomínio de classe média tem sua piscina, quadra de tênis, salão de festas, sauna e o espaço mulher. Qualquer condomínio de subúrbio tem seu espaço mulher. Para manter a estrutura concebida em outros tempos e adequá-la às comodidades de hoje, os clubes precisam cada vez mais de meninos como Wendel, que lhes tragam recursos.
Desde sua concepção pelos ingleses, os clubes são espaços de exclusão. Neles só entra quem tem poder aquisitivo igual ou maior que seus fundadores. Assim que vemos um clube como o Flamengo sendo dirigido por gente cujos antepassados são nomes de ruas e mesmo o mais popular de todos, o Coríntians, só abriga uma ínfima parte dos adeptos de seu time de futebol. Daí as torcidas organizadas. Elas são o clube dos que não podem pertencer ao clube. Em suas sedes rola o churrasco, a batucada, a confraternização dos que se sentem unidos pela paixão “clubística”.É uma senzala  das muitas senzalas que nossa sociedade teima em perpetuar. Afastada da casa grande mas absolutamente indispensável à sua existência. É nos violentos elementos que compõem as organizadas que as oposições políticas dos clubes vão buscar seus capatazes e arruaceiros. A situação, para angariar sua simpatia, lhes dá ingressos e fretamento de ônibus. São eles que perseguem jogadores, invadem centros de treinamento, pixam os muros da sede e se matam nas ruas para que alguém tenha o poder de mandar num clube no qual eles só entram pela porta dos fundos ou pulando os muros.
Ao contrário do que pensam Dines e Juca, o que fomenta a violência das torcidas organizadas não é a transmissão das lutas de MMA pela televisão e sim o próprio clube e sua estrutura de castas.


sexta-feira, 27 de abril de 2012

Controle remoto







Alguns anos atrás, minha mulher e eu tínhamos o costume de levantarmos juntos da cama. Nosso filho já estava crescido e ainda não havia nascido nosso neto. Foi num dia desses que enquanto esperava minha mulher despertar, liguei a televisão. Com a cabeça ainda dividida entre a noite anterior, o sono e o que me esperava pela manhã, eu olhava a tela e não entendia o que se passava. Havia umas pessoas falando baixo e fazendo coisas que não eram comuns de se ver na telinha: uns andavam de um lado para o outro, alguém parecia estar preparando o café da manhã, uma moça escovava os dentes com grande apuro. De repente surge um cara que a semi-consciência em que me achava pôs logo legenda:_bombadão. O sujeito ostentava enormes bíceps, tórax saliente e pescoço taurino. Seu olhar bovino arrematava uma expressão boçal. Seria mais um Tarzan filho do anabolizante não fosse o fato de estar chorando.
Chorava, não aquele chororô de vem das tristezas do amor, nem o choro mudo da emoção que nos toma quando estamos diante da grande beleza, tampouco o choro espalhafatoso da alegria. O homem chorava como um bebê, ou melhor, como uma criança pequena pois enquanto rios de lágrimas corriam por seu rosto de gladiador, ele dizia aos berros:_Eu quero minha boneca, eu quero minha boneca. Entre uma fungada e outra, fazia um discurso desconexo e citava, o que parecia ser, o nome da boneca.
A cena me trouxe à realidade e me dei conta que aquilo não era uma peça de teatro experimental, nem um circuito fechado que invadira meu aparelho. Era o tal programa que as pessoas andavam comentando naquele começo de verão. Era o Big Brother e embora fosse grande minha curiosidade, não suportei mais e mudei de canal. Ver aquilo de manhã, com o estômago vazio, era para os fortes e destemidos.
Meses depois soube que aquele Hércules de filme da Atlântida, havia ganhado a competição e embolsara uma nota preta. Seu rosto de bebê chorão aparecia em todas as revistas que me olhavam na fila do caixa do supermercado e ainda o vi uma vez mais na televisão, fazendo propaganda do Guaraná Dolly.
Depois da experiência traumática, nunca mais vi o programa e as notícias sobre o sucesso de audiência que tem, me deixam desconcertado. Como pode? Pergunto aos meus botões e à minha mulher. Todos dão de ombros.
Pessoalmente não conheço ninguém que goste do programa ou pelo menos que o declare. Nas redes sociais há mesmo campanhas pelo seu fim. E é isso que não entendo. Se eu não gosto, eu não assisto e sua existência me é totalmente indiferente mas tem gente que odiando o triste espetáculo, sabe o nome dos concorrentes, o horário de exibição na tv por assinatura e mesmo as tolas regras da competição. Caso fosse retirado do ar o estranho circo, a Globo não o substituiria por peças do teatro clássico estreladas por Fernanda Montenegro nem filmes do cinema novo. Acostumada com a farta audiência que consegue por baixo custo de produção, a emissora, de certo, nos brindaria com outra porcaria qualquer, possivelmente copiada da programação da tv americana.
Parece existir um sentimento de negação nas pessoas que se recusam a admitir que a televisão é um lixo. Sempre foi ruim mas de uns vinte anos para cá conseguiu piorar muito.
Outro dia vi no facebook uma postagem na qual uma foto de Carlinhos Cachoeira dividia espaço com a de uma moça muito bonita e que tinha o crânio nu. Embaixo uma legenda: “Sabemos que um país está na merda quando o corte de cabelo de uma panicat tem mais repercussão que o maior escândalo de corrupção”. Ora, até dois meses atrás eu nem sabia o que era uma panicat. Alguma vez sintonizei o programa “Pânico na TV” mas me pareceu  tão grotesco que não pude assistir mais que uns minutos. Agora sei que mudou para a Bandeirantes e dividirá espaço com o CQC, outra aberração que tenta ser programa humorístico e que é comandado por Marcelo Tass
Quem terá dito ao Marcelo Tass que ele possui alguma espécie de senso de humor? E aos outros que o acompanham? Mães, certamente, mães irresponsáveis. Fiz duas tentativas de achar graça naquilo. Numa delas cheguei a suportar por quase dois minutos inteiros a voz e o sotaque do careca acompanhados das imbecilidades de seus dois acólitos. Foi muito e agora até a chamada veiculada durante o futebol, me faz mal. Mas tem pior.
A mesma emissora, que nos anos finais da ditadura tanto contribuiu para a redemocratização do país com um noticiário sério e inteligente, debates políticos, alem de programas musicais com os maiores nomes de nossa música popular, agora tem na sua grade de programação o indescritível “Agora é tarde” que, tendo por  apresentador um gaiato caipira, faz uma cópia do programa do Jô Soares.
Quando o Jô estreou na tv do Sílvio Santos seu programa de entrevistas no final dos 80, não havia tvs por assinatura e só quem viajasse aos Estados Unidos e lá se lembrasse de ligar a televisão, saberia da cara de pau de seus produtores que imitaram em tudo o programa do David Letterman. Dos músicos à caneca, passando por um careca para contracenar com o apresentador, tudo é uma cópia descarada. Mas agora a Bandeirantes passou dos limites e fez sua própria cópia grosseira de algo que já assistimos há mais de vinte anos aqui mesmo no Brasil. Mas ao contrário do americano e do gordo, o apresentador da cópia da Bandeirantes é de uma total falta de graça. Já cheguei a me sentir constrangido quando minha mulher, que me julga um homem sério que assiste o futebol aos gritos e palavrões, apareceu no intervalo do jogo e na telinha estavam fazendo a chamada do programa. Creio ter visto em seu olhar algo de reprovação para os trejeitos do gaiato e de incredulidade para mim.
Mesmo com esses pequenos dissabores e os pesadelos que ainda tenho, vez por outra, com o musculoso chorão, não posso, realmente, reclamar da televisão aberta comercial pois não a assisto. Só vejo o futebol e se o jogo passa na Globo, eu tiro o som. Se é na Bandeirantes eu escuto pois creio estar sendo testemunha de algo histórico. Se viver mais uns dez ou quinze anos, poderei contar para meu neto que ouvia a equipe de transmissão esportiva mais idiota de todos os tempos.




quinta-feira, 26 de abril de 2012

O Brasil e o mundo







Quando eu era jovem e freqüentava botequins, havia um dito que me incomodava. Bastava que dois paroquianos estivessem conversando sobre qualquer assunto que chegava alguém e dizia:_”Esse é o mal do brasileiro”. Um engarrafamento, um juiz ladrão, falta d’água, corrupção. Tudo era “o mal do brasileiro”. Em pouco tempo me dei conta que o mal do brasileiro era falar do mal do brasileiro.
Hoje o dito é outro e para qualquer fato acontecido o comentário nas redes sociais é:_”Só no Brasil mesmo”. Isso serve também para qualquer coisa. Só que não existe nada que só aconteça no Brasil ou que sempre aqui está a pior das crises, a pior das soluções ou o pior dos mundos. A própria internet que serve para vituperar contra o país está repleta de informações que mostram que o que temos de pior não é propriedade única do Brasil. Mesmo em matéria de políticos corruptos e incompetentes, não estamos sós.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o grau de corrupção é enorme e muitas vezes, para que empresas possam faturar milhões em negócios no exterior, o governo não titubeia em enviar seus jovens para morrer pelos lucros. O “lobby” é institucionalizado e regulamentado e juntando-se a forma de financiamento privado das campanhas eleitorais, o que poderia ser visto como abuso do poder econômico em outros países, lá é o próprio cerne da atividade política. Como eles dão outro nome à corrupção eleitoral, isto é suficiente para cegar quem prefere vê-los como exemplo democrático. Para os americanófilos tupiniquins, Carlinhos Cachoeira, "só no Brasil mesmo". Mas diante de Dicc Cheney, nosso contraventor é garoto de recados.
Na Europa muito civilizada basta uma crise como a atual para destampar toda espécie de mazelas. Em todos os países afetados a solução foi espremer os mais pobres. Cortes nos gastos sociais foram a tônica das medidas tomadas em Portugal, Espanha, Itália. E da Grécia nem se fale. Longe do que imaginam nossos compatriotas que odeiam ser nossos compatriotas, as populações desses países não se revoltaram e foram para as ruas derrubar governos. Ao contrário, o que se viu na Península Ibérica foi a entrega do poder, através do voto livre e soberano, à direita neo-liberal, principal estimuladora das políticas que levaram esses países à bancarrota. Claro que o discurso dos governos empossados durante o maremoto da crise, é culpar o estado de bem estar social, praticado pelos governos anteriores, por todos os problemas. O desemprego só aumenta enquanto as políticas preconizadas pelo FMI, Banco Central Europeu e países centrais (Alemanha e França), são postas em prática.
Em Portugal o próprio Primeiro Ministro aconselha a emigração como solução para escapar ao desemprego enquanto despede milhares de professores que, diferentemente daqui, não têm estabilidade. Todo atendimento médico na rede pública de saúde implica num desembolso, do qual só estão isentos aqueles cuja renda sequer dá para comer.
Uma nova onda de emigrantes portugueses chega à França onde a extrema direita acumulou votos na eleição presidencial com um discurso xenófobo que faz lembrar outros tempos. Marine Le Pen teve uma votação superior a de seu pai anos atrás. Como não houve uma grande fragmentação dos votos ela não conseguiu ir para o segundo turno mas seu discurso simplório, racista e xenófobo comoveu milhões de franceses.
Enquanto isso, a Suíça mostra que é mesmo democrática pois se anos atrás sua população se posicionava pelo direito de seus bancos se apropriarem dos bens judeus que os alemães lá depositaram durante a 2ª Guerra Mundial, hoje, em plebiscito, aprova a proibição de construção de novas mesquitas no país
Tanto na Península Ibérica quanto na França, o posicionamento do eleitorado não é suficiente para convencer os anti-brasileiros do Brasil que no velho continente vota-se como uma manada de despolitizados, com a mão no bolso e a cabeça em quimeras. As manifestações que os jovens daqueles países promovem e que atendem pelo nome genérico de “ocupem alguma coisa”, aqui causam um frenesi tamanho que nos faz imaginar estar diante da revolução social. Mas esses indignados nem sequer vão às urnas.
Na Espanha, a mais recente medida de austeridade do governo veta o acesso às pessoas indocumentadas ao sistema “universal” de saúde. Com isso dizem que economizarão alguns milhões de euros. Tal medida tem muito mais de xenofobia que de economia mas agrada aos jornalistas da televisão pública espanhola que a defendem com ímpetos nacionalistas. Nacionalismo de capa e espada que também lhes serviu para criticar a estatização da YPF na Argentina. A imprensa espanhola tratou o caso como um assunto de estado e de uma hora para outra todos se tornaram especialistas em Argentina e em petróleo. Só esqueceram de dizer que a Repsol, que detinha 51% do capital da petrolífera argentina que Cristina Kirchner fez voltar às mãos dos argentinos, nada tem a ver com o estado espanhol e está longe de ser um grande pagador de impostos naquele país pois suas sedes estão espalhadas por paraísos fiscais ao redor do mundo.
A preocupação com os pequenos investidores da petrolífera aparece como único recurso retórico para comover a população espanhola de que esta foi expropriada de algum bem. Na verdade a preocupação da imprensa e do governo neo-liberal da Espanha é com os grandes acionistas que contam com pesos pesados como a Pemex do México e até grupos brasileiros que também investem  na Petrobrás. Sem contar, é claro, com os capitalistas europeus. O engraçado é que a atitude de Cristina Fernandes de Kirchner é que foi tratada de “nacionalismo de hojalata” e sombrios prognósticos foram feitos sobre a Argentina.
Como em 82 quando Gualtieri, com a invasão e retomada das Malvinas, forneceu a Margareth Tatcher um alívio das críticas que vinha sofrendo pelo fraco desempenho econômico de seu governo, Rajoy tenta tirar proveito da nacionalização da YPF. Seus ministros fazem declarações indignadas e bombásticas mas, diferentemente da Dama de Ferro, não cogita enviar sua armada para punir a audácia argentina.
Não estou dizendo que vivemos numa ilha de paz no meio de um mundo em crise.. Não. Esse discurso era da ditadura. O que digo é que temos sabido lidar com nossos problemas e se não achamos todas as soluções e muitas vezes caminhamos quilômetros para trás como é o caso do Código Florestal, podemos muitas vezes ter orgulho do que tem produzido nossa sociedade. O julgamento pelo Supremo da ADPF sobre as cotas raciais na UnB foi um desses momentos.


terça-feira, 24 de abril de 2012

A CPI do Cachoeira







Oficializada dias atrás mas ainda sem relator definido, a CPI do Cachoeira já começou, de fato, nas tribunas da Câmara dos Deputados. Antony Garotinho levou para Brasília seu embate com o governador Sérgio Cabral Filho e se depender do campista, o Governador fluminense terá que prestar contas de suas viagens a bordo do jatinho do dono da Delta. Entre acusações e insinuações, Garotinho também se queixou por não ter sido indicado por seu partido, o PR, para compor a CPI, segundo ele, por sua independência, mas já disse que estará presente como deputado.
Ao ocupar os microfones, antes que alguém pudesse reagir, Garotinho acusou Sérgio Cabral de envolvimento escuso com a Construtora Delta citando números. Disse que nos oito anos que ele e sua mulher, Rosinha Garotinho, governaram o Estado do Rio, a Delta recebeu apenas 380 milhões dos cofres públicos ao passo que durante os 5 anos de Cabral o desembolso em favor da construtora foi de mais de 1 bilhão. Embora a diferença seja eloqüente, eu jamais me referiria a quantia de 380 milhões acompanhada da palavra “apenas”.
A primeira aparição do ex-governador do Rio após a instalação da CPI, nos dá uma amostra de qual será a tônica da comissão nesse ano eleitoral. Meio delegacia, meio palanque. O tema é para delegados e devem ser pelo menos dois os membros que exerceram essa função na Polícia Federal antes de serem deputados, Francischini do PSDB e Protógenes do PC do B.
Tanto a CPI quanto a eleição municipal decidem o futuro do DEM e uma coisa depende da outra. O partido em vias de encerrar os negócios, deve tentar isolar o Senador Demóstenes com o discurso “nós expulsamos, nós expulsamos”. Duvido que cole. O partido de Agripino Maia e ACM Neto tem folha corrida e é o campeão nacional em políticos cassados. Caso fracasse rotundamente no pleito de outubro, tudo leva a crer que a legenda se funda com o PSDB.
Por seu lado o partido de FHC já entra com um governador, Marconi Perilo, metido até o pescoço nos negócios de Cachoeira assim como o PT, que tem em Agnelo Queirós um calcanhar de Aquiles difícil de defender. O Governador do Distrito Federal é daqueles que vão enrijecendo a cara de pau com o passar dos anos. Quando era Ministro dos Esportes protagonizou um episódio de diárias pagas duplamente pelo governo e pela Coca-Cola durante os Jogos Panamericanos de Santo Domingo. Na última eleição recebeu forte fogo amigo quando disputava as internas do PT. Os adversários de dentro do partido não pouparam acusações. Com o apoio da cúpula do PT, saiu candidato e venceu Madame Roriz  que substituía o marido ficha suja. Mas foi uma vitória mais sem graça que bater em bêbado. Ainda assim, tudo indica que se tornou cliente de Cachoeira e da Delta.
Diante do poderio do homem de Goiás, cujo nome ficou conhecido pelo envolvimento com Valdomiro Diniz no começo do governo Lula, os alicerces da república tremem. Parece que quem governa ou governou algum estado da federação nos últimos anos tem alguma espécie de relação com o contraventor. No Mato Grosso e em Santa Catarina ele já estava com um pé dentro das loterias estaduais e há indícios de que a Delta é de fato propriedade sua, sendo Cavendish um mero testa de ferro.
A grande imprensa tenta caracterizar a CPI como chapa branca e aponta seu presidente, Vital do Rego, como pau mandado. Citam o fato de ser senador em primeiro mandato e estranham que nessa condição já tenha sido cogitado para outras relevantes funções. Parece-me que aí está apenas a má fé dos órgãos de informação. Bastaria lembrar-se da CPI dos correios para pôr por terra esse tipo de especulação. Aquela CPI que tinha como relator Osmar Serraglio do PMDB do PR e como presidente Delcídio Amaral do PT do MS, acabou gerando um nutrido relatório que deu origem aos muitos processos que deverão ser julgados este ano pelo STF. Nenhum dos dois  era figura de proa da política nacional. Tampouco eram nomes desligados dos partidos envolvidos na questão. Ademais, tirante o Psol, não há partido que não tenha um nome ligado, direta ou indiretamente, ao esquema de Cachoeira. A questão não é quem presida ou relate o caso e sim se não haverá uma composição entre os partidões para evitar um desgaste demasiado grande. Nesse caso se escolheria, alem de Demóstenes, mais alguns bois de piranha para arcar com os custos políticos do gigantesco esquema de corrupção.
O que mais irrita a imprensa de direita é que, a exemplo de Lula no caso do mensalão, esse escândalo não toca na imagem da Presidenta Dilma que bateu novo record de popularidade segundo pesquisa da Datafolha divulgada nesse último fim de semana. Tenho certeza de que um dos fatores que influenciou nesses números de aceitação popular, foi a cara de Miss Limão que nossa Presidenta ostentava no seu último encontro com Obama.
É difícil prever que efeito terá na população a divulgação das interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal das quais só é conhecida uma seleta filtrada pelos meios de comunicação que omitiram, por exemplo, as ligações de Cachoeira com o diretor regional de “Veja” em Brasília. Não se pode saber o que mais foi selecionado e mostrado nos jornalões impressos e televisivos até que a CPI tenha em seu poder as gravações e queira torna-las públicas.
Figurinhas carimbadas da política nacional deverão compor a CPI. Collor e Jucá são nomes certos assim como Cássio Cunha Lima. Difícil será encontrar um, nos grandes partidos, que não tenha algum problema na justiça, alguma conta rejeitada ou um passado questionável.
O motivo da demora do PT em escolher o relator é o de sempre: disputas internas. O nome de Odair Cunha, um dos favoritos, estaria recebendo bombardeio pesado por não ter evitado a convocação de Ideli Salvati para depor na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. Ou seja, não evitou que o escândalo das lanchas do Ministério da Pesca fosse investigado portanto não pode relatar o escândalo patrocinado por Cachoeira. Durma-se com um barulho desses.


quinta-feira, 19 de abril de 2012

Comentando as reprises







Já faz alguns anos que escutei de um veterano narrador esportivo a estória de como ele havia feito a transmissão de uma luta de boxe pelo rádio nos tempos do rádio em preto e branco. Quando ouvi a entrevista, o speaker já estava aposentado e como não era de minha época, não lhe guardei o nome e nem os dos contendores. Sei que era uma luta importante, valendo título mundial e que fora realizada nos Estados Unidos.
Contava o veterano do rádio que naqueles tempos uma viagem internacional para cobrir um evento esportivo era rara e só se fazia quando estava presente algum brasileiro na disputa. Mas a luta era importante e o boxe não era tão desprestigiado no país como é hoje. Havia adeptos da nobre arte que aguardavam a transmissão da luta e a emissora resolveu o problema com os meios de que dispunha. Sintonizaram uma rádio americana pelas ondas curtas e contratou-se um tradutor..O intérprete ouvia a narração em inglês traduzia para o narrador brasileiro e este, num exercício de imaginação, levava aos radiouvintes as emoções de uma luta que via pelas orelhas de um tradutor que talvez nem manjasse muito de boxe.
Desde a transmissão daquela luta até hoje muita coisa mudou. Os narradores esportivos, salvo raras exceções, conhecem, ou pensam conhecer, o idioma inglês e fazem questão de deixar isso bem claro.
O paraíso dos narradores anglófonos é, sem dúvida, a ESPN Brasil(?). Um deles é especialista em pronunciar o “TH” final das palavras inglesas.. Nas suas narrações do campeonato inglês ele fala o nome Portsmouth umas cem vezes e não importa que esse time esteja jogando ou não. Ele dá um jeito de mencionar que um dos times em campo jogou ou jogará contra o Portsmouth e que o outro teve sua pior derrota ou maior vitória diante do Portsmouth. Ou que tal jogador já vestiu a camisa do Portsmouth ou vestirá na próxima temporada.
Um outro jornalista da mesma tv adora o termo hat trick e mesmo que ninguém marque três gols no jogo que ele comenta, o termo vem à baila por qualquer motivo. Os jornalistas esportivos de língua castelhana usam o termo “triplete” para designar o feito de um jogador marcar três vezes na mesma partida.. É uma palavra horrorosa mas, pelo menos, é original.
Nomes de jogadores de qualquer nacionalidade são pronunciados com o sotaque inglês pelos narradores da ESPN Brasil(?), assim que Obí Miquél é chamado de Ôbi Míquel e o técnico Arsene Wenger é tratado por Arsene Wenguer. E até o Estrela Vermelha de Belgrado eu já ouvi ser chamado de Red Star.
Mas se por um lado os narradores e comentaristas “evoluíram” no conhecimento do idioma estrangeiro, as transmissões voltaram ao passado. Hoje com toda a tecnologia dos satélites e outras tantas, se comenta a reprise de jogos internacionais pela Rede TV tanto no campeonato inglês como na liga dos campeões. O divertido é que os comentários são feitos no tempo presente misturados com informações em tempo passado. Os caras não se acanham. Ademais são dois comentaristas que, claro, nunca discordam.
Creio que o pioneiro nos comentários de reprises, foi Mário Sérgio que em 91 e 92 já fazia isso na Bandeirantes. Na época ele queria convencer a audiência, que embora comentasse um jogo já terminado, não sabia o resultado. Suas previsões para o segundo tempo, no comentário do intervalo, nunca falhavam. Mário Sérgio prognosticava viradas históricas e goleadas de partidas que estavam no 0 X 0 depois de 45 minutos. Não errava uma, diferentemente do que acontece em sua carreira de técnico, que foi iniciada em 93 e todavia é virgem de títulos.
Nos jogos que são transmitidos ao vivo, seja internacionais ou mesmo os da Copa do Brasil jogados em cidades remotas, a regra é que sejam comentados desde um estúdio, em São Paulo. Diante de uma imagem igual a que temos em casa, os analistas  destrincham esquemas táticos, reconhecem intenções de treinadores e fazem leitura labial. Mas tem pior.
Para cantar a pedra e dar contundentes opiniões, nossos comentaristas já não precisam assistir os jogos. Eles vêm os gols e pronto. Note-se que entre o pessoal técnico das televisões não há ninguém que goste de futebol. Diretores e editores de imagem principalmente. Basta assistir uma partida e depois ver os programas que exibem os gols para se ter certeza disso. O que é mais mostrado não é a construção da jogada, o passe que antecedeu o passe final, o desarme preciso que originou o contra-ataque. Não. Mostra-se com mais tempo e com direito a várias repetições, as comemorações. Se tiver dancinha melhor. Muitas vezes os repórteres de campo nos contam a “estória” da coreografia, sua concepção, sua intenção e os ensaios até sua execução. E repetem uma vez mais. Sem embargo, os comentaristas após assistirem os gols assim mostrados, esculacham treinadores, ridicularizam artilheiros e execram goleiros. Foi isso que fez Renato Maurício Prado em um comentário algum tempo atrás.
 O Atlético depois de voltar da segunda divisão fazia sua melhor campanha, sob o comando de Celso Roth. Faltando poucas rodadas para o final do campeonato ainda brigava pelo título. Mas o time desandou. O técnico dizia em entrevista coletiva que não havia explicação lógica para o que ocorrera. Fazia referência a resultados absurdos e gols sofridos em circunstâncias mais absurdas ainda. Enquanto falava, a tv mostrava o golaço de Diego Souza chutando aquém do meio campo e encobrindo o goleiro atleticano. Mas como estava mal editada, a imagem só mostrou a jogada pela metade. Não mostrou que a bola dividida pelo goleiro com o atacante palmeirense e que acabou por encontrar Diego Souza, tinha sido recuada por um defensor e não fruto de um lançamento sensacional de algum alviverde.
Ora, nenhum técnico arma um esquema para que seu beque recue bolas nos pés do adversário mas Renato Maurício Prado, que sequer viu a jogada inteira, deitou falação usando de suas piadinhas das quais sempre ri primeiro e mais longamente que os interlocutores. Fez um verdadeiro discurso sobre o treinador e de como seus times sempre naufragam no final das competições, e como era defensivista. Falou como alguém que não fizesse outra coisa na vida alem de acompanhar a carreira de Roth e a trajetória do Galo no campeonato. Tudo isso depois de ver as imagens de 1 (um) gol, mal editadas.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Duas sentenças







No espaço de poucos dias nossos tribunais superiores nos deram uma amostra de como a sociedade brasileira trata seus membros de acordo com sua classe social, seu nascimento. Mostraram-nos, os senhores juizes, como podem interpretar as leis discriminando, não os fatores do acometimento do crime, mas seus pacientes e seus agentes.
Numa decisão pautada pelo bom senso, o Supremo Tribunal Federal decidiu pelo direito de interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. O relatório do Ministro Marco Aurélio pontuou que as decisões de estado não podem ser fruto de entendimentos de cunho religioso e foi seguido por outros 7 ministros. Abrindo a divergência o Ministro Lewandovski disse temer que uma decisão favorável à ADPF (Argüição por Descumprimento de Preceito Fundamental) proposta, abriria as portas para que outros casos de má formação genética, servissem de argumento para a ampliação da legalização do aborto. Citou vários casos em que a medicina dá pouca ou nenhuma esperança de sobrevida aos nascituros. Data venia, o que para o Ministro é motivo de preocupação, talvez seja o que espera parte da sociedade; que as mães possam decidir se querem ou não passar por uma gravidez desse tipo.
Outro voto divergente veio do Ministro Gilmar Mendes que falou em “faniquito anti-religioso”. Na minha modestíssima opinião, o voto do Ministro deve ser encarado pelo ângulo psicológico e não pelo jurídico.
Quem acompanha, ainda que por diletantismo, os trabalhos do STF, já teve oportunidade de ver Sua Excelência ter vários faniquitos. Não creio que o estafante trabalho de julgar os milhares de processos que lhe caem nas mãos, tenha feito o Ministro desenvolver o hábito dos faniquitos. É, penso eu, coisa de seu ser, de seu caráter e sendo assim, creio que muitos já o fizeram notar que mexe e vira ele tem um faniquito.
Talvez desde os tempos de escola ou mesmo antes, seus faniquitos tenham chamado à atenção de familiares e amigos que por isso, o admoestavam.  Assim a palavra, por repetição, entrou-lhe na mente acompanhada pelo sentimento ruim de quem é pego em falta. Num ato subconsciente de projeção, Gilmar Mendes expeliu o termo num momento que lhe pareceu apropriado. Como Sua Excelência, que já publicou obras em português e alemão, não é, nem de longe, um orador preclaro, sua citação saiu fora de contexto, sem pé nem cabeça. Já o vimos outras vezes dando mostras de que a retórica não é o seu forte. Foi assim quando relatou o processo que pôs fim à exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista e lhe ocorreu fazer uma analogia com os cozinheiros e semanas atrás quando julgou um caso de trabalho escravo praticado pelo Deputado João Lira, citou um fato ocorrido com Madre Teresa de Calcutá.
Se o julgamento do Supremo vem colocar um pouco de bom senso em nosso ordenamento jurídico, outra decisão de uma alta corte surpreendeu o país e teve repercussão alem fronteiras.
A 3ª seção do Superior Tribunal de Justiça considerou inocente um réu que era acusado de estupro. Segundo o tribunal, as vítimas, 3 meninas de 12 anos de idade, já seriam prostitutas "há muito tempo" e portanto não poderiam ter sido estupradas. Ora, a lei é clara:_Art. 217 – A  do Código Penal; “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos. Pena: De 8 a 15 de reclusão”. Mas na interpretação da Ministra Relatora Maria de Assis Moura “não se pode considerar crime fato que não tenha violado, verdadeiramente, o bem jurídico tutelado”. A explicação legal dada pelo Presidente da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados de São Paulo, Dr.Renato de Mello Jorge Silveira e a nota divulgada pelo STJ, eu, por pudor, me eximo de transcrever.
Não obstante as discrepâncias dos veredictos, um apontando para a adequação da lei à medicina e seus avanços de diagnóstico e o outro mostrando o mais abjeto preconceito e patriarcalismo, guardam, esses dois julgamentos, estreito parentesco. Se no primeiro citado o Supremo entregou à sociedade um parecer isento do preconceito religioso e voltado para a realidade dos fatos e dos dias, não o faz senão porque o tema atinge toda a esfera social. Todas as classes. A anencefalia não escolhe o berço, não poupa prosápia. É, me desculpe pela colocação, democrática.
Já a prostituição infantil tem por vítimas, exclusivamente, as filhas e filhos da pobreza. Não se pode falar aqui em escolha ou preferência; em índole ou predisposição. Os fatores que levam a esse drama social são produzidos no seio da própria sociedade hipócrita que faz passeatas pela vida no intuito de preservar gestações de anencéfalos. A mesma sociedade que é contra o aborto e a favor da pena de morte. Que se opõe aos estudos com células tronco e pede o rebaixamento da idade penal. Que criminaliza a pobreza.
Longe de se restringir aos veredictos das cortes de justiça, a postura preconceituosa com relação aos pobres e aos dramas que os afligem, e que já não encontra as barreiras do pudor e da compostura, espalha-se pela internet anônima e infensa às críticas. Essa ruidosa parcela da população, principal usuária das redes sociais e que odeia o Brasil e suas mazelas, crê que avança e se moderniza negando dignidade e usurpando direitos. O julgamento do STJ teve de sua parte não a revolta ou a indignação, senão desdém. Em outros casos do mesmo teor não foi diferente.
Custa crer que vivíamos ao lado de tais monstros do preconceito sem  nos darmos conta disso. Pelo menos agora sabemos que lutas devem ser travadas. Quem é o inimigo.

domingo, 15 de abril de 2012

O Demo dos Demos







Leonel Brizola, para definir Aureliano Chaves, usou uma expressão que, para mim, era perfeita. Brizola o chamou de conservador lúcido. O ex-governador de Minas tinha mesmo esse perfil. Embora tenha sido um forte apoiador da ditadura, Aureliano não se assemelhava aos políticos oportunistas que, como depois vimos, podiam tanto sustentar o governo de fato daqueles tempos como o PT de agora. Pefelista de primeira hora, foi candidato do partido nas eleições presidenciais de 89. Disputou o voto conservador com muitos adversários e foi derrotado no pleito que depositou Fernando Collor de Merda na presidência.
Havia me esquecido da robusta figura de Aureliano, mas a expressão que o estadista gaúcho usou para descrever sua postura política, ficou-me na mente esperando para ser aplicada em alguém. Há alguns anos pensei ter descoberto o homem que vestiria bem o figurino de conservador lúcido: Demóstenes Torres.
Diferentemente de seus colegas de partido, o Senador goiano não abusava dos gestos histriônicos nem dos adjetivos grandiloqüentes tão comuns entre os que, na oposição, não sabem o que fazer ou falar por falta de costume. Os pefelistas estavam, desde a ditadura, albergados no poder e o papel de oposicionista ainda não estava decorado quando Lula assumiu o poder. Sem o melódico trololó de Agripino Maia ou a pose de herdeiro de ACM Neto, Demóstenes parecia exercitar o direito de opor-se com dignidade e firmeza.
Acostumada com os farsantes da política, minha geração ainda se recorda de Collor com sua pinta de galã de novela mexicana  descendo a rampa do Palácio do Planalto tendo pelo braço a primeira dama(é duro escrever isso). Era a síntese da burla, da farsa, da mentira. Mas era facilmente reconhecível. O andar empertigado de um empalado, quilos de gel nos cabelos e ao seu lado aquela senhora que mesmo vestida de Chanel parecia ter saído das Lojas Marisa. Tudo muito óbvio.
Outros farsantes, mais discretos, trazem desde o século passado seu arsenal de enganação que lhes garante, no mínimo, uma cadeira na câmara baixa. Fazem do mandato um balcão de negócios e vão enriquecendo e se perpetuando como aliado de qualquer governo que apareça. Se lhes convém, posam de oposição federal para melhor ser situação estadual. Se algo sai fora dos planos, uma mudança de legenda concerta tudo.
Demóstenes parecia não fazer parte dessa classe de políticos e não era. Não usou de seu cargo para vender facilidades nem para negociar seu voto. Não. Demóstenes era um agente de Carlinhos Cachoeira. Um preposto, um acólito, um serviçal. Recebia ordens e as cumpria. Nas ligações telefônicas interceptadas pela polícia, escutamos Cachoeira comandando-lhe os passos. Sugere que se aproxime da Presidenta Dilma, que mude de partido aproveitando um convite do PMDB, que adira ao poder. O Senador anui.
Jamais um Senador da República fora flagrado indo tão baixo. Em outra gravação vazada pela polícia, Demóstenes faz seu papel de leva e trás com uma subordinação canina. Embora discorde da eficácia de um projeto de lei proposto por Cachoeira, leva-o para apreciação de seus pares. Dá satisfação de seus menores atos, submete-os ao crivo do patrão. É uma peça da poderosa engrenagem que o contraventor montou desde Goiás e se estendeu por vários estados.
Na quinta-feira, Demóstenes surpreendeu a todos comparecendo ao Conselho de Ética do Senado. Pediu pela ordem e questionou o presidente interino pela maneira como este foi conduzido ao cargo. Fez questão de frisar que não levantara uma questão de ordem mas também deixou claro que se defenderia no mérito e provaria sua inocência no mérito. Questões judiciais à parte. Para mim fica claro que já se inicia uma chicana e que seus advogados irão questionar desde a escolha do Senador Valadares para a presidência do Conselho até o ato de recebimento da denúncia feita pelo Psol. Ademais Demóstenes não é homem de perder a cabeça. Isso já ficou demonstrado na sua atuação no Senado. Mesmo nos momentos em que era mais duro nas críticas ao governo ou nos casos em que julgava colegas e pedia sua cassação por falta de decoro, como ocorreu no episódio de Renan Calheiros, o goiano não saía do sério.
Após abandonar a sala para que os membros do Conselho pudessem deliberar, Demóstenes provocou uma pequena confusão entre fotógrafos e jornalistas, que sem o menor decoro, davam corridinhas e pulinhos para cercar o Senador que escapulira por porta privativa de parlamentares. Livres da incômoda presença do senador cuja honradez fora defendida por 44 de seus pares 2 semanas atrás, o Conselho, formado por gente escolada nas maracutaias legais, resolveu votar pela validade do ato de Valadares, praticado ainda como presidente interino e elege-lo, formalmente, presidente efetivo como o próprio Demóstenes aconselhara.
O resultado político do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar deverá ser o esperado. Demóstenes será cassado. As contestações jurídicas das decisões do Conselho serão feitas baseadas em firulas regimentais e terão o condão de protelar o inevitável. O que trará mais rebuliço, será a CPI criada para investigar as relações de Cachoeira com parlamentares e outros políticos. Fora os nomes já mencionados de Marconi Perillo, Stepan Nercessian, Sandes Júnior, Agnelo Qurirós e outros, a CPI pode fazer cair a máscara de outras vestais, que a exemplo do Demóstenes de um mês atrás, andam por aí acima de quaisquer suspeitas.
Imagino que desde Mossoró, Cachoeira deve seguir comandando seus negócios. É hora de organizar dossiês e cobrar fidelidade de quem recebia seu cascalho da mão do contraventor. Demóstenes, que agora é carta fora do baralho no esquema de Cachoeira, não deve ser desprezado de todo. Não nos esqueçamos que Collor, hoje é Senador e presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Genebaldo Correia, anão do orçamento, foi eleito Prefeito de Santo Amaro da Purificação,. Paulo Afonso, ex-Governador de Santa Catarina que perdeu seus direitos políticos por 8 anos depois do escândalo das letras, tão logo recuperou o direito de ser votado foi eleito deputado federal. Cachoeira, que é empresário moderno, já deve saber que o Senador pode ainda ser-lhe útil numa assembléia legislativa, numa prefeitura ou, quem sabe, na câmara dos deputados passados alguns anos. Tudo depende da fidelidade de um e outro.
Demóstenes, que tem 51 anos, não deve deixar o cenário político para sempre e os que hoje o apedrejam podem ser vidraças amanhã. É o que está acontecendo com relação a Renan Calheiros que foi alvo de Demóstenes pouco tempo atrás e atualmente é membro do Conselho de Ética que o julgará. O peemedebista num gesto de “grandeza”, alegou impedimento de foro íntimo e não quis ser o relator do processo no Senado. Assim como ele, outros quatro senadores também recusaram a relatoria, entre eles Romero Jucá. Sobrou para Humberto Costa.
Demóstenes, talvez seja a farsa mais bem urdida dos últimos tempos na política brasileira. O enredo policialesco no qual se envolveu, sua interpretação de homem de bem, o futuro promissor que o aguardava. Tudo provoca um interesse enorme em torno do caso. A renúncia já não é possível e o Senador deverá sangrar publicamente nos próximos meses. Sua aparição inesperada no Conselho de Ética, o mostrou mais magro e me pareceu que a cada mão que lhe era estendida por colegas, ele retribuía com um sorriso agradecido, quase súplice. Mas nota-se que está pronto para a luta e como se diz aqui no sul “não está morto quem peleia”.
Se o julgamento político de Demóstenes não promete surpresas, no que diz respeito ao judiciário, que o julgará por seu envolvimento com a contravenção, as coisas podem ser, alem de morosas, bastante diferente. Ainda que o Ministro Ricardo Lewandovski tenha negado o pedido do Senador para que as gravações feitas pela polícia não sejam usadas como prova, a questão carece de apreciação quanto ao mérito pois os advogados do Senador alegam que os juizes federais que determinaram as escutas, não poderiam faze-lo pelo fato de Demóstenes ter direito a foro privilegiado e tal procedimento só poderia ter sido autorizado pelo Supremo. A questão parece simples para mim que sou leigo. Seria preciso saber apenas que telefone foi grampeado, se o do contraventor ou o do Senador. Mas sei que as coisas não funcionam assim no STF. Ainda que tenha sido o telefone de Cachoeira o alvo do grampo, já imagino o Ministro Marco Aurélio levantando alguma questão ligada ao sigilo e à inviolabilidade de alguma coisa. O Ministro é um inimigo declarado do grampo. Certamente será seguido por Gilmar Mendes, Pelluso e, é claro, Toffoli. Caso as gravações dos telefonemas sejam inutilizadas como prova, o caso contra Demóstenes perderá toda a substância. De qualquer maneira será um longo processo e só quem viver mais uns 10 ou 15 anos verá o desfecho.


sábado, 14 de abril de 2012

O estrangeiro







Quando eu era menino se escutava muito a palavra “estrangeiro” não apenas para designar alguém de outro país mas em frases como:_”Fulano foi morar no estrangeiro”. Ou:_ “Sicrano voltou do estrangeiro” Era comum. Creio que o Gigante Piaimã do Macunaíma estava no “estrangeiro” quando o Herói de Nossa Gente o buscou em São Paulo. Ou estaria na Europa? Não estou seguro e não tenho em mãos a obra de Mário de Andrade para tirar a dúvida. Mas acho que sim. O Gigante Piaimã estava no estrangeiro.
Não vou mentir dizendo que a palavra, empregada em tão amplo sentido, me trouxesse à mente cúpulas e minaretes; desertos e montes nevados. Não. A palavra “estrangeiro” era apenas uma das muitas que não me diziam respeito. Eu gostava de palavras como diagnóstico e melancia, astronauta e submarino. Só mais tarde a palavra “estrangeiro” antecedida por um substantivo passou a me incomodar. Expressões como “capital estrangeiro” ou “potências estrangeiras”, tinham, para os da minha geração, uma conotação pejorativa da qual ainda não me despeguei.
Nunca tive problemas com o cidadão estrangeiro, a pessoa estrangeira. Tanto que me casei com uma argentina. Por outro lado nunca tive complexo de cachorro vira-latas como alguns brasileiros. Diga-se de passagem que este sentimento é mais latente entre os nossos concidadãos das classes média e abastada. Nosso povo pobre, que nada tem de xenófobo, adora o Brasil.
Hoje ninguém diz “estrangeiro” para se referir a alguma localidade fora do território nacional. Pelo contrário. Nossas classes média e rica quando se referem aos seus passeios extra territoriais citam lugares com uma especificidade de dar nojo. Já nem falam de Nova York, referem-se a um bairro daquela cidade, às vezes, uma rua e se você botar cara de “onde é que fica isso”, será tratado como o maior dos ignorantes.
No futebol não poderia ser diferente. Nas transmissões esportivas, fala-se de Birminghan ou Sevilha como se estivessem falando de Mesquita ou Vaz Lobo. Alem disso, torcer por time estrangeiro está na moda. Narradores, comentaristas e os telespectadores que assistem futebol passando correios eletrônicos para os narradores e comentaristas, revelam uma louca paixão pelo Aston Villa, pelo Newcastle, pelo Barcelona, pelo Ájax. Declaram-se fanáticos por times que conheceram pela televisão e aprenderam a história pela internet. Pra dizer a verdade, nem todos aprenderam a história pois se dizem torcedores de equipes cujas torcidas são notadamente fascistas e anti-estrangeiros. Jamais poderiam sentar-se na arquibancada com os adeptos da Lazio, por exemplo, mas se dizem “tifosi” da equipe romana. Claro que se conseguissem se infiltrar não se acanhariam em entoar os cantos racistas e xenófobos que aqueles torcedores tanto gostam.
Mas há pessoas de quem se espera mais coerência e capacidade de raciocínio. O Juca Kfouri seria uma dessas pessoas Corintiano assumido, o Turco não se deixava levar pelo deslumbramento de seus colegas de profissão, especialmente os mais jovens, por estrangeirices. Professava sua fé pelo time de Parque São Jorge e não menosprezava nossos talentos.
Outro dia porém, enquanto brincava com o controle remoto da televisão, parei na TV Câmara e vi que o Juca dava uma entrevista para o programa “Comitê de imprensa”. Assisti só uns minutos mas o suficiente para quase abjurar de minha crença no bom senso. Dizia Juca Kfouri que numa conversa com um ex-lateral da seleção alemã, este lhe dissera, falando do futebol brasileiro, que nós havíamos perdido o rumo. Ora, se eu quisesse escutar de alguém um diagnóstico sobre nosso futebol, jamais perguntaria a um ex-lateral alemão. Se por acaso um ex-lateral alemão viesse fazer comentários sobre o futebol brasileiro, eu lhe perguntaria o que ele fazia da vida alem de acompanhar diuturnamente nossas peladas. Mas o Turco tratava a opinião do ex-lateral alemão como algo digno de ser comentado. Já escutei de outros gringos opiniões sobre o futebol brasileiro e identifiquei claramente em que se baseavam essas opiniões: preconceitos e crenças. Não há fato que destrua preconceitos e crenças. Mas se o Juca cometia esta falta grave de dar ouvidos a quem nem de longe conhece nossa realidade futebolística e não é capaz de citar 5 nomes de times daqui, o pior ainda estava por vir.
Emendando um tema no outro dizia Juca Kfouri que via com bons olhos a contratação de um técnico estrangeiro para nossa seleção. Disse assim: estrangeiro. Não especificou nacionalidade. Não sei se tinha em mente italianos, mexicanos ou guatemaltecos. Disse apenas estrangeiro. Entenda-se, qualquer um que não seja brasileiro. Me lembrei dos meus tempos de menino. “Fulano viajou pro estrangeiro”. Só que fez menos sentido. Se alguém me dissesse:_ “Nossa seleção de ginástica olímpica vai muito mal, precisamos contratar um técnico romeno”. Isso faria sentido. Aquele país tem enorme tradição no esporte e hoje deve haver um monte de técnicos desempregados por lá. Ou, para citar um fato acontecido. Nossa seleção de basquete ia mal pra burro e foi contratado um técnico argentino responsável pelos melhores resultados obtidos pela seleção de seu país. Fez todo o sentido. O cara já mostrou serviço e a seleção brasileira vai à olimpíada depois de muito tempo.
Mas no futebol? Onde encontrar um técnico? Nenhum país tem tantos títulos como nós. O critério da tradição não funciona. Nenhum país tem tantos técnicos em seu território. O critério da quantidade não existe. Se fôssemos ingleses vá lá, afinal os quatro maiores times do país são dirigidos por estrangeiros. Nada mais natural que sua seleção seja dirigida pelo Capello, que apesar do vexame no mundial passado, não fez tão feio quanto Steve McLaren, o último inglês que dirigiu a seleção inglesa e sequer levou o time a Eurocopa.
Talvez Juca Kfouri tenha se esquecido que das 19 copas havidas, chegamos entre os 4 melhores por 10 vezes e sempre com técnicos brasileiros. Dos 5 técnicos campeões, somente Parreira fazia-se de inovador e teórico. Feola dormia, Aymoré Moreira era um típico treinador à moda antiga, Zagalo não tinha muita experiência, Scolari nunca foi nenhum estrategista e ainda assim ganhamos com todos eles. Mesmo o time de Parreira, que foi dos piores a representar nosso futebol em mundiais, fez campanha invicta. E olha que dos jogadores daquele time somente Romário e talvez Leonardo, jogariam nas outras seleções campeãs. Ganhamos todas as copas contando com o talento individual dentro de um esquema simples de jogo, sem inovações de conceitos nem novidades táticas. Na técnica.
 Quando Cláudio Coutinho inventou seu over laping e seu ponto futuro também poderíamos ter ido à final não fosse a compra e venda de peruanos. E olha que ele escalava o zagueiro Edinho de lateral deixando o lateral Rodrigues Neto no banco e durante a copa barrou Reinaldo e Zico para atender as ordens do Presidente da CBD, Almirante Heleno Nunes, que preferia Dinamite e Jorge Mendonça. Ficamos em terceiro.
Se para cá tivesse vindo o Rinus Michels, poderia ter sido melhor? Não sei, mas acho que não. O que a maioria desses técnicos europeus fazem é substituir o talento individual, escasso acima do Equador, pelo jogo de conjunto. Algumas vezes conseguem resultados surpreendentes fazendo um jogo que se baseia no conjunto e na eficiência de jogadas exaustivamente ensaiadas. Mas quando técnicos europeus realizam trabalhos fora da Europa os resultados nem sempre são bons. Veja o caso de Camarões. A seleção africana encantou a todos em 90 mas era criticada por não jogar um futebol sério. Mesmo no Brasil, os camaroneses eram tratados assim. Os dirigentes esportivos daquele país resolveram contratar um técnico alemão e nas últimas copas Camarões fez apenas figuração e nem sequer na Copa Africana de Nações é mais protagonista. Esqueceu seu futebol alegre, negro e tratou de jogar futebol de branco, sério, sem graça. Por outro lado um holandês fez bonito com a Coréia do Sul. Claro que Guss Hidding teve a ajuda de apitos amigos e pegou uma seleção sem nenhuma história no esporte o que facilita a implantação de conceitos, sejam quais forem.
Parece que por aqui ainda não sabem que para os europeus em geral, tudo que se passa abaixo da linha do Equador é digno de reproche e reclama reformas.Eles ainda são os difusores da cultura e da civilização. No meio futebolístico essa noção de superioridade é mais radical. Deve ser duro para um alemão engolir que a seleção brasileira tendo disputado o mesmo número de finais que a seleção de seu país, tenha ganho 5 e eles somente 3. A única explicação para o fato é que os alemães tremem quando têm de decidir. Agora, vai dizer isso pra eles.
Alem de dizer que no Brasil não há bons técnicos, a imprensa esportiva nacional já firmou convicção que os jogadores brasileiros não entendem de tática. Como quase todos os técnicos brasileiros são ex-jogadores estaria então explicado o motivo de nossos fracassos.
. O jogador brasileiro conhece tática mas toma decisões em campo. Não se submete aos ditames dos treinadores em tempo integral como faz um alemão ou um italiano ou um inglês. O Tostão conta que em 70 os jogadores se revezavam para conversar com o Gerson. O Canhota só falava de futebol e esquemas táticos durante toda a longa estadia da seleção em terras mexicanas. O pessoal o escutava por turnos.
Como se chegou à conclusão que só os jogadores “estrangeiros” entendem de táticas de jogo, outro dia no programa Redação Sportv, o simpático apresentador perguntou ao Loco Abreu, que era o convidado do programa:_ Você não acha Abreu, que no Brasil quase não se fala de tática diferentemente dos europeus e principalmente dos argentinos? Na pergunta estava embutido o preconceito quanto à capacidade intelectual de nossos craques. Abreu, que é malandro, mudou o rumo da prosa e respondeu que sim, que a imprensa não discutia isso e só fazia jornalismo de confusão. E complementou:_ Eu não tenho nada contra a Globo mas tem uns caras do Globo Esporte que eu não falo mais com eles. Abreu também disse que a basta um jogador falar 4,3,2,1, para que saia publicado que ele está divergindo do esquema do técnico. Portanto, não fala mais no assunto, declarou.
Antes, no mesmo programa, foi exibida uma reportagem com Anselmo Ramon, o atacante do Cruzeiro que fez 2 gols no último clássico mineiro. Antes mesmo de sair de campo o jogador foi questionado pelo gol que perdera. O Loco se assombrou:_Como pode ser que só vejam o lado negativo. E os dois gols que ele fez?
Pois é Abreu, o futebol brasileiro tem disso. Se temos, nos jogadores e técnicos nosso ponto forte, a imprensa esportiva, salvo raras exceções, e os dirigentes, salvo raríssimas exceções, são nossas debilidades. Ainda assim já ganhamos 5 Mundiais.




sábado, 7 de abril de 2012

Perdeu, perdeu.






            Não sei se a estória é verdadeira mas é verossímil. Li em algum lugar que lá por meados dos 70, Chagas Freitas , o proprietário do jornal “O Dia”, que era então o diário de maior circulação do Rio, foi acordado de madrugada por um telefonema. Do outro lado da linha o Ministro do Exército ou da Defesa, não sei bem, o convocava para ir imediatamente para o Ministério do Exército, naquele edifício vizinho à Central do Brasil no centro do Rio.
Podemos imaginar o que cogitava o dono do diário enquanto se deslocava de seu apartamento na zona sul para o centro. Naqueles tempos bicudos mesmo alguém importante como Chagas Freitas, empresário e líder estadual da oposição consentida, sentia calafrios com um convite vindo de um militar em horas crepusculares.
Já no gabinete do Ministro, o Doutor Chagas foi conduzido pelo militar até a janela que dava para a saída da estação de trens. Mostrando o povo que abandonava o local apressado rumo ao trabalho, o oficial perguntou ao jornalista: _Vê essa gente Doutor Chagas? _Sim, respondeu aquele que viria a ser Governador do Estado do Rio. _Vê o que levam debaixo do braço? Inquiriu o homem de farda. _Sim, um jornal, respondeu o peemedebista que já devia estar imaginando que armadilha lhe preparava o homem do regime._Não Doutor Chagas, retorquiu em verde-oliva, eles levam SEU jornal.
Acontece que o jornal “O Dia”, veículo popular e leitura obrigatória nos trens suburbanos, vinha noticiando os quebra-quebras das composições férreas que eram promovidas pela população devido ao péssimo serviço e aos atrasos constantes. Tinha virado rotina. O jornal, escandaloso e farejador de fatos bombásticos, não economizava nas descrições dos atos de revolta e acabava incentivando outros. A convocação do Doutor Chagas tinha por objetivo “convence-lo” a não mais publicar aqueles fatos.
A revolta espontânea e justificada não podia ser combatida pelo regime militar com seu arsenal costumeiro de prisões, torturas e assassinatos. Não havia incitação de grupos políticos proscritos, nem lideranças, nem planejamento estratégico. Era uma explosão de ódio, pura e simples. Aquele povo não sentia o temor pelo terrorismo de estado que estava dirigido a amedrontar outros setores da população. Não havia informação sobre os atos repressivos..As prisões e torturas só eram conhecidas por quem, de alguma maneira, estava envolvido na luta contra o regime. O destemor cego do povo pobre era algo para ser temido pelos militares no poder.
No seu LTD Landau preto, Doutor Chagas, de volta pro conforto de seu lar, deve ter sorvido os raios de sol daquela manhã carioca com enorme prazer. O jornal mudaria de assunto e ele não mais seria incomodado por um general madrugador. Certamente algum figurão da Rede Ferroviária Federal seria também despertado de seu sono para visitar dependências militares e as coisas voltariam ao normal. Se assim pensou o dono de “O Dia”, acertou. As coisas voltaram ao normal.
Sou capaz de apostar que se um militante da esquerda fosse consultado durante aqueles episódios de quebra-quebra de trens, sua opinião teria um tom crítico. O povo não seguia a cartilha do revolucionário, não estava direcionando sua revolta para a causa maior que era derrubar a ditadura. Não havia ações articuladas nem manifestos à nação. Não havia coordenação.
Se muita coisa mudou no país desde a entrevista do Doutor Chagas com o general, há certos aspectos da vida nacional que continuam os mesmos e outros até pioraram. Refiro-me à visão que as classes médias têm do povo pobre do país. Basta ler os comentários postados nos sítios de informação da internet e nas redes sociais. A parcela da população mais presente nesses meios vive revoltada com a classe pobre, que em sua visão, deveria revoltar-se com a situação da saúde, do ensino público, do transporte. A classe média do país, que se sente uma elite intelectual e guardiã da pureza de costumes, não se conforma em não pautar a vida dos mais pobres e incultos. Como no passado recente, os médio-classistas não entendem as transformações que vão ocorrendo debaixo de seus narizes que cheiram nuvens. .
Não resta dúvida que houve no país uma forte inclusão social nos últimos tempos e que essa nova classe média tem suas prioridades. Querem, enfim, consumir. Em pesquisa recente verificou-se que ao entrar no mundo do consumo, os milhões de brasileiros que agora tem emprego fixo com salário decente, tomam duas atitudes: colocam seus filhos na escola particular e se associam a um plano de saúde. Individualmente tentam resolver as questões que se sempre os afligiu. Imitam as classes que há mais tempo freqüentam a vida digna. Num futuro próximo, mantidas as condições atuais, esses novos consumidores tendem a tornarem-se tão conservadores quanto à classe média tradicional. E também entre seus filhos há de surgir o fenômeno da “classe média radicalizada”. Num tempo que não tarda a vir, os meninos que diferentemente de seus pais, não terão passado pelas agruras da fome e do desemprego, ocuparão os meios eletrônicos para se revoltar contra a fome e o desemprego. Serão solidários atrás de seus computadores. Clamarão contra o povo que não reage e nem freqüenta as passeatas contra a corrupção.
Como os filhotes da classe média de hoje, os que virão, passados alguns anos, também repetirão o bordão da índole pacífica do povo brasileiro, ainda que nem a história nem os fatos confirmem tal pacifismo. Não é porque nas escolas não nos ensinam sobre as revoltas populares havidas desde o tempo da colônia que elas não tenham existido. Se a Globo não mostra as várias invasões de latifúndios pelos sem terra e as ocupações de construções abandonadas pelos sem teto, é porque seguem o raciocínio do general que tocou o clarim no apartamento de Chagas Freitas; não quer dar idéia. A estratégia dá resultado pois mesmo a classe média radicalizada desconhece as lutas do povo que ela enxerga como pacífico e conformista. No instante em que escrevo, há no país uma série de ocupações populares, manifestações de quilombolas, de entidades de favelas e outros focos de resistência popular que não recebe nenhuma cobertura dos meios de comunicação nem são vistos pela maioria dos radicalizados da internet.
Do mesmo ventre que pariu a sociologia de Gilberto Freire, que viu um convívio harmônico entre a casa grande e a senzala, também saiu a teoria da índole pacífica do povo brasileiro. As duas abordagens da nossa realidade, que têm origem no pensamento das classes dominantes, falseiam os fatos para, no caso da primeira, esconder o barbarismo da escravidão e negar o racismo, enquanto na segunda, para forjar uma sociedade que desconheça sua própria história e sua força de reação. Em ambos os casos o resultado é muito animador para seus divulgadores. Se hoje o introdutor da sociologia metodológica no Brasil é citado com reverências e afagos, os ideólogos do pacifismo popular são recompensados pelos seus esforços, pois quem deveria descrer de suas assertivas, as propaga.
A história das lutas aqui travadas que nos ensinam nas escolas e são marcadas por feriados nacionais e regionais, é a história das elites que disputavam o poder. Do Quilombo dos Palmares ou da guerra dos Alfaiates pouco sabemos. Foi esmagando uma revolta popular no Maranhão, “A Balaiada” que Luiz Alves de Lima e Silva se tornou o Barão de Caxias e foi alcunhado “O pacificador”. Daqueles que lutaram contra o Império, só a crônica local dá notícias.
Se os quebra-quebras dos anos 70 contavam com a simpatia crítica da classe média radicalizada daqueles tempos, outro episódio semelhante acontecido no começo do governo Sarney, em Brasília, já não teve a mesma acolhida. A esquerda  que sobreviveu  ao regime militar, apoiava a Nova República crendo que as mesmas elites que tanto contribuíram para o golpe e  apoiaram a ditadura, iriam restituir os direitos e promover a justiça. A depredação e incêndio de ônibus no Distrito Federal em meados dos 80 que foram chamados de “badernaço” pelo então Ministro da Justiça, Paulo Brossard, não contou com o apoio de ninguém, muito menos da classe média que estava se sentindo protagonista no papel de fiscal do Sarney.
Os saques a supermercados ocorridos depois que a inflação chegou à estratosfera pelo fracasso do plano heterodoxo que a equipe econômica de Sarney implementou, também amedrontavam as classes acomodadas que preferiam crer nos noticiários da grande imprensa que mostrava os saqueadores como ladrões oportunistas e para os radicalizados, a imagem de pessoas correndo com caixas de cerveja ou latas de goiabada, não correspondia à sua estética “revolucionária”. Uma semana ou duas depois dos episódios de revoltas espontâneas tudo era ignorado e voltava-se ao chavão da passividade do povo diante dos problemas que o afligia.
Mas é nos dias de hoje que a vontade de não ver a realidade toca as raias do absurdo. Existem nas ruas, morros e favelas do país, exércitos fortemente armados fazendo sua revolução. Não é, de nenhuma maneira, a revolução socialista que sonhamos e que iria trazer festa, trabalho e pão. É uma revolução capitalista. Seus agentes não acreditam na mobilidade social e nem querem esperar que passeatas resolvam seus problemas. Não pregam a igualdade nem a solidariedade universal. A revolução que se vê, visa o acúmulo. Seu objetivo é a ascensão social pela força das armas. Querem fazer a redistribuição de renda. Do bolso de quem tem pro bolso de quem tem coragem de tomar. Suas palavras de ordem são: _Quero minha parte, quero em dinheiro e quero agora.
É difícil pensar que alguém continue acreditando na índole pacífica do povo brasileiro com um 45 encostado na cabeça e um cara falando sinistro: _Perdeu, perdeu.





quarta-feira, 4 de abril de 2012

O Ministro Toffoli







No dia 14 do mês passado, o Ministro Ayres Britto foi eleito Presidente do Supremo Tribunal Federal, ficando como vice o Ministro Joaquim Barbosa. Em ambas as votações o placar foi de 10 x 1, Ayres Britto, em sua eleição, votou em Joaquim Barbosa e este, por sua vez, votou em Lewandovski. Cumpriu-se o rito com a elegância de sempre. A se lamentar, duas coisas: O Ministro Ayres Britto estará à cabeça daquela colenda corte apenas por alguns meses pois completará 70 anos e será compulsoriamente aposentado. A outra coisa lamentável é que teremos o Ministro Dias Toffoli por muitos anos ainda.
Toffoli me faz lembrar o Shigeaki Ueki que foi Ministro das Minas e Energia e Presidente da Petrobrás durante a ditadura. Ueki  caiu de pára-quedas na direção da estatal petrolífera assim como Toffoli no Supremo. Na sua juventude o japonesinho do Geisel, como a Salomé do Chico Anísio o chamava, fez concurso para a Petrobrás mas não foi aprovado. Seguiu sua vida e, sabe-se lá por que, um belo dia virou presidente da empresa. Com o jovem Ministro da mais alta corte deu-se o mesmo.
Dias Toffoli por duas vezes fez os exames para se tornar juiz e também foi reprovado. Como ele, há muitos. A magistratura brasileira carece de quadros não por falta de concursos públicos mas por inaptidão dos concursandos que não atingem a pontuação mínima para aprovação. No entanto, não nos faltam advogados, ainda que a prova da Ordem dos Advogados frustre a pretensão de alguns. Não frustrou as pretensões de Toffoli que se tornou advogado e advogou. No Amapá, seu escritório atuou junto ao Procurador-Geral do Estado e acumulou processos por licitação ilegal de serviços advocatícios. Foi condenado a devolver aos cofres públicos cerca de 20 mil reais. O processo foi arquivado em segunda instância mas outro, da mesma natureza, ainda tramita em grau de recurso. Também teve seu nome citado no caso do mensalão do DEM, sexualmente citado.
Toffoli foi assessor parlamentar da liderança do PT na Câmara, advogado do partido nas campanhas presidenciais de Lula em três eleições, 98, 2002 e 2006, teve uma passagem pela Casa Civil durante o reinado de José Dirceu e a convite de Lula assumiu a Advocacia Geral da União.
 Tão valiosos préstimos foram recompensados com a indicação presidencial para ocupar uma cadeira no STF. Ao ser sabatinado no Senado, um parlamentar da oposição questionou seu anêmico currículo. Ademais de seus fracassados intentos de tornar-se juiz, Toffoli tampouco possui obra jurídica publicada nem mestrado ou doutorado. A isso ele respondeu que sempre se dedicou à advocacia como mister, por ver na profissão a mais nobre incumbência. Como ninguém quer constranger ninguém nessas sabatinas, o senador não lhe perguntou qual o motivo então das tentativas de tornar-se juiz. Não houve constrangimento nem para o postulante nem para o Presidente, que o indicara.
Assim que mesmo não tendo exercido a magistratura um único dia de sua vida, Toffoli foi alçado ao STF e hoje seu voto decide questões de repercussão geral que incidem sobre a vida de todos os brasileiros.
Não é sua inaptidão para as letras e concursos que faz de Toffoli um mau juiz. Me parece que lhe falta agudeza de raciocínio e conhecimento jurídico. Por duas vezes seus pares o admoestaram por não ter entendido um voto proferido do qual divergiu. Para não dizerem que ele não havia entendido, disseram que não prestara atenção ou algo do gênero. Sua atuação na corte suprema tem sido marcada também pelo conservadorismo e pelo tecnicismo jurídico para o qual não parece ter muito jeito.
Na última quinta-feira tivemos uma amostra do lavor de Sua Excelência. Julgava-se um pedido de abertura de processo contra o deputado João Lira do PSD de Alagoas, por submeter trabalhadores de sua empresa agrícola a trabalho escravo. O Ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, não admitia em seu voto que se tratara de crime de trabalho escravo e sim de simples infração às leis trabalhistas. Fundamentou seu voto com a tecnicidade que lhe é peculiar e tratou de fazer troça da peça acusatória. Destacou entre as 46 violações de que é acusado o deputado mais rico do país, umas 5 ou 6 que poderiam soar ridículas se fossem a base do processo. Não são. No achincalhe, foi seguido por Gilmar Mendes, que sem ter a mesma verve do magistrado carioca, citou Madre Teresa e uma amiga do Rotary tentando fazer uma ligação que resultou esdrúxula.
Também negando a abertura do processo, votou Celso de Melo. Mais uma vez dando mostras de sua grande cultura jurídica e histórica, o Ministro atacou com duras palavras o trabalho escravo e os que fazem uso dele. Eu já aprendi que quando vota o Ministro Celso de Melo deve-se esperar pelo menos meia hora para se saber onde Sua Excelência quer chegar. Nesse caso não foi preciso esperar tanto pois as duras palavras que proferiu tinham um jeito de “não é por aí que eu vou” e ao final do voto o Ministro disse que não via um liame entre os crimes de que é acusado o deputado e sua participação nos mesmos. Ora, o deputado é diretor presidente da empresa agrícola escravocrata e se não há liame entre os feitos descritos nos autos e sua pessoa, então mais nenhum empresário poderá ser responsabilizado por atos ilegais de suas empresas.
A Ministra Rosa Weber abriu a divergência alegando que nessa fase embrionária do processo não era necessário o acúmulo de provas, bastando indícios do ato ilegal para sua admissão. Foi um voto que deixa em aberto qualquer prognóstico sobre a postura da Ministra no julgamento do fato.
Acompanhando a divergência, o Ministro Fux falou com contundência contra as práticas da empresa do deputado. Após seu voto, tomou a palavra o Ministro Toffoli que fez pequeno discurso sobre sua visão do direito que resvalou entre a pieguice e a cafonice pura e simples. Foi aparteado várias vezes pelo Ministro Fux, pois ficara claro que Toffoli não havia entendido o arrazoado de seu voto.
Mesmo para um leigo, é fácil compreender que a visão de Toffoli do direito, já não tem mais cabida. Parece-me uma postura totalmente divorciada do interesse público e voltada para dentro. O direito pelo direito. Algo típico do aluno esforçado, do bacharel estudioso mas desprovido de argúcia na interpretação das leis. Do advogado pouco afeito à tribuna. Enfim, um tipo de direito que não deixa marcas na sociedade, distante do direito funcional preconizado pelos juristas modernos.
No julgamento de que falo, o tema em si já deveria pôr em evidência a necessidade dessa funcionalidade do direito. Tratava-se de restituir a dignidade de pessoas que foram submetidas à degradação, à condição de rês. Sem embargo, os Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio preferiram fazer chacota das portarias do Ministério do Trabalho. O culto Ministro Celso de Melo não viu liame entre o dono de uma empresa e as ilegalidades por ela cometidas. Mesmo o Ministro Peluso, que votou pela abertura do processo, de antemão já se posicionou quanto à tipificação do delito. Também para ele, assim como para o Ministro Marco Aurélio, tudo não passa de simples infração às leis do trabalho. Pela abertura do processo contra João Lira, votaram Ayres Britto, Lewandovski e Carmem Lúcia alem de Fux e Peluso.
Quanto à Toffoli, bem, depois de seu patético discurso introdutório, Sua Excelência nos brindou com um voto tecnicista e obscuro. Parecia tratar-se do julgamento de algo abstrato e não da submissão de seres humanos à condição análoga à escravidão. Acompanhou o relator negando a admissibilidade da ação proposta.
Por mais 26 anos teremos o Ministro Toffoli ocupando uma das cadeiras do Supremo Tribunal Federal. Muitos temas de relevância estarão sujeitos à sua consideração durante mais de duas décadas e meia. Um voto certo para o conservadorismo. Só nos resta esperar que, com a aposentadoria do Ministro Ayres Britto, a Presidenta Dilma indique alguém mais afinado com o ideário original de seu partido que o Ministro Toffoli. Pelo menos no que tange ao decoro, pois já na posse o Ministro foi agraciado com uma festa que teria custado mais de 40 mil reais, saídos da Caixa Econômica Federal. Ele diz não ter culpa no fato e que a festinha fora organizada por outrem. Já empossado, Toffoli provocou novo constrangimento à Corte ao viajar para a ilha de Capri, com hotel pago, para assistir a cerimônia de casamento de famoso advogado.  O mínimo que se espera é que ele se abstenha de participar de julgamentos em que alguma das partes seja patrocinada pelo pródigo bacharel.
Caso a Presidenta peça minha opinião sobre a sucessão de Ayres Britto, eu sugerirei o nome de Eliana Calmon.





segunda-feira, 2 de abril de 2012

Regra n° 1







Durante as transmissões da liga dos campeões da Europa eram mostradas na tela a distância percorrida pelos jogadores que ao fim do jogo eram substituídos. Víamos que até os 35 ou 40 minutos do segundo tempo o fulano percorrera  9 km , 9,5 km. Se continuasse na partida facilmente atingiria os 10 km. No campeonato russo havia também esse dado. Este ano tenho acompanhado alguns jogos do torneio europeu mas confesso que não reparei se continuam dando essa informação.
Quem se ocupa de dados e estatísticas, já comprovou que nos anos 70 um atleta do futebol percorria a metade dessa distância.  Em todos os esportes deu-se o mesmo. Os atletas são mais rápidos, mais fortes, mais altos. Durante a Olimpíada de 68, na Cidade do México, eu lembro de ter lido uma matéria de jornal que questionava se o ser humano poderia correr os 100 metros rasos em menos de 10 segundos, se era humanamente possível. Hoje, Usain Bolt faz isso em provas classificatórias enquanto chupa um pirulito e joga beijinhos para a platéia. E não é só ele.
Para se adaptar a esse fenômeno humano, vários esportes fizeram modificações em sua regras. O centro de equilíbrio do dardo foi modificado pois já se corria o risco de alguém na arquibancada ser atingido, devido à força dos esportistas e à tecnologia usada na fabricação do dardo. No vôlei, aumentaram a altura da rede. No boxe olímpico, introduziram o capacete. Somente o futebol caminhou em direção contrária.
Quando no século 19 criaram-se as regras do esporte, foram estipuladas as dimensões do campo de jogo: mínimo de 90 metros e máxima de 120 metros para o comprimento e mínima de 45 metros e máxima de 90 metros para a largura. É a regra n° 1. Esta flexibilidade de medidas facilitou sempre a prática do esporte. Usando-se medidas mais próximas do limite máximo ou do mínimo, o jogo podia ser praticado sem grandes problemas. Durante toda a fase de implantação, crescimento e popularização do jogo da bola foi assim. Jogava-se em campos pequenos e grandes.
No Rio o maior campo de jogo era o da Portuguesa, na Ilha do Governador. Dizia-se que possuía as medidas máximas, sem embargo, foi lá que Ubirajara, o goleiro do Flamengo nos anos 70, marcou um gol chutando desde sua área. O estádio Luso-Brasileiro era conhecido como o “Estádio dos ventos uivantes” e o minuano que sopra por lá deve ter contribuído para a feitura do gol.
Mas o campo da Portuguesa era exceção entre os times pequenos. Estes, em geral, possuíam campos também pequenos e faziam disto uma arma contra as grandes agremiações que penavam sob a forte marcação que se pode fazer em gramados mais apertados. As retrancas de Milton Buzzeto, que dirigiu o Juventus da Mooca nos anos 70, só eram possíveis no estádio da Rua Javari. Os times grandes, obviamente, preferiam jogar em grandes palcos. E desde o Maracanã construído em 50, passando pelo Mineirão de 65, Beira Rio, Serra Dourada e outros, os estádios brasileiros sempre possuíram gramados de grandes dimensões. Imagino que pelo resto do mundo também acontecesse o mesmo.
Sem levar em conta a evolução física dos atletas, a maior dinâmica do jogo e o potencial econômico dos clubes, a FIFA encolhe os gramados. Para os Mundiais a entidade exige medidas de campo de várzea: 105 m x 68m. Na minha humilíssima opinião isso não faz o menor sentido. Pelo menos sentido esportivo.
Ao contrário do que é feito, os estádios deveriam ampliar seus gramados para aproximá-los das medidas máximas e assim adequar o espaço de jogo aos super atletas de hoje. Onde isso não fosse possível, paciência.  Alem do mais com mais espaço o jogo tende a ser mais bonito, sem tantos entrechoques e cotoveladas. A posse da bola passa a ser de quem tem talento e não de quem a retém com passes de dois metros.
O pior é que a imposição da FIFA para jogos do mundial, mutilará nossos  gramados para sempre. Não é provável que, passado o torneio, os administradores dos estádios façam o campo de jogo voltar ao tamanho original.  Assim que para o futuro teremos um mini Maracanã, um arremedo de Mineirão, um falso Beira Rio.
A subserviência das nossas elites às coisas estrangeiras já é por demais conhecida e nossa imprensa vai atrás ou por concordar ou por imposição de quem a dirige. Isso acontece em todas as atividades e no futebol não é diferente. Foi assim quando a FIFA resolveu estabelecer padrões para as acomodações de torcedores.e a geral foi extinta em nossos estádios. Como era algo que prejudicava apenas os mais pobres, a imprensa aplaudiu a medida como fator civilizador de nossos costumes bárbaros. Ora, o Brasil, como força do futebol mundial, poderia se impor quando os interesses do país, no tocante ao esporte, fossem agredidos, mas não é isso que se vê, muito pelo contrário.
 A humilde Bolívia conseguiu que a FIFA voltasse atrás quando a entidade pensou em proibir jogos de futebol acima das nuvens. Claro que se a Suíça construísse um estádio nos Alpes isso nem seria cogitado. Médicos e outros palpiteiros seriam consultados e diriam que faz até bem jogar nas alturas. Como é a Bolívia,. tentaram proibir sem que nenhum fato houvesse ocorrido para justificar a interdição dos estádios de La Paz para competições internacionais. Não conseguiram porque Evo Morales, homem saído do seio do povo, fez valer o interesse de seus concidadãos. E olha que embora participe de eliminatórias desde a Copa de 50, o país andino só participou de duas copas. O Brasil participou de todas.
Em qualquer dos mundiais havidos, o Brasil foi um dos países que mais enviou jornalistas para cobrir o evento. A audiência dos jogos da copa é massiva no país e hoje temos um número de consumidores de classe média que supera a população inteira de quase todos os países da Europa individualmente. Não somos apenas uma força no futebol, um atrativo para os campeonatos mundiais, somos também uma força econômica que interessa sobremaneira aos patrocinadores de qualquer evento de escala mundial. Principalmente se esse evento envolver futebol.
Por outro lado nos falta e essencial para fazer valer nossa força: dirigentes. Não se pode esperar que gente como Ricardo Teixeira, José Maria Marin ou Andrés Sanches faça algo pelo futebol brasileiro. O interesse dessa gente passa por mesquinharias e coisas inconfessáveis. Para apoiá-los há sempre uma imprensa idiotizada ou simplesmente safada. E mesmo os que batem de frente com os dirigentes oportunistas, nem sempre o fazem para defender os interesses do futebol nacional e sim para puxar a brasa para a sardinha das organizações que lhes dão emprego.  Tanto é assim que os jornalistas da Globo e d’O Globo, são quase unânimes em defender um campeonato brasileiro com uma fase de classificação e outras de jogos de eliminação que supostamente dão mais audiência na televisão. Os que trabalham na ESPN Brasil defendem a adequação do nosso calendário ao europeu pois nos meses de férias na Europa sua audiência deve ser praticamente zero pois o campeonato daqui atrai as atenções e eles, sem ter o direito de transmissão, exibem amistosos dos clubes europeus contra combinados asiáticos ou equipes norte-americanas que não despertam o menor interesse.
A adequação ao calendário europeu também facilitaria a ida de jogadores brasileiros para o exterior pois eles estariam no mesmo grau de preparação física, não precisando de período de adaptação. Ou seja, é uma proposta que prejudicaria nosso futebol e nada traria de positivo. Basta ver o óbvio; em todos os países sul-americanos o calendário local está adequado ao europeu e os times desses países vivem de pires na mão e até os times daqui já conseguem importar seus craques.
Sem dirigentes nem imprensa que defenda os reais interesses do futebol brasileiro, ele sobrevive graças à paixão da torcida e ao talento de nossos jogadores.