sexta-feira, 27 de abril de 2012

Controle remoto







Alguns anos atrás, minha mulher e eu tínhamos o costume de levantarmos juntos da cama. Nosso filho já estava crescido e ainda não havia nascido nosso neto. Foi num dia desses que enquanto esperava minha mulher despertar, liguei a televisão. Com a cabeça ainda dividida entre a noite anterior, o sono e o que me esperava pela manhã, eu olhava a tela e não entendia o que se passava. Havia umas pessoas falando baixo e fazendo coisas que não eram comuns de se ver na telinha: uns andavam de um lado para o outro, alguém parecia estar preparando o café da manhã, uma moça escovava os dentes com grande apuro. De repente surge um cara que a semi-consciência em que me achava pôs logo legenda:_bombadão. O sujeito ostentava enormes bíceps, tórax saliente e pescoço taurino. Seu olhar bovino arrematava uma expressão boçal. Seria mais um Tarzan filho do anabolizante não fosse o fato de estar chorando.
Chorava, não aquele chororô de vem das tristezas do amor, nem o choro mudo da emoção que nos toma quando estamos diante da grande beleza, tampouco o choro espalhafatoso da alegria. O homem chorava como um bebê, ou melhor, como uma criança pequena pois enquanto rios de lágrimas corriam por seu rosto de gladiador, ele dizia aos berros:_Eu quero minha boneca, eu quero minha boneca. Entre uma fungada e outra, fazia um discurso desconexo e citava, o que parecia ser, o nome da boneca.
A cena me trouxe à realidade e me dei conta que aquilo não era uma peça de teatro experimental, nem um circuito fechado que invadira meu aparelho. Era o tal programa que as pessoas andavam comentando naquele começo de verão. Era o Big Brother e embora fosse grande minha curiosidade, não suportei mais e mudei de canal. Ver aquilo de manhã, com o estômago vazio, era para os fortes e destemidos.
Meses depois soube que aquele Hércules de filme da Atlântida, havia ganhado a competição e embolsara uma nota preta. Seu rosto de bebê chorão aparecia em todas as revistas que me olhavam na fila do caixa do supermercado e ainda o vi uma vez mais na televisão, fazendo propaganda do Guaraná Dolly.
Depois da experiência traumática, nunca mais vi o programa e as notícias sobre o sucesso de audiência que tem, me deixam desconcertado. Como pode? Pergunto aos meus botões e à minha mulher. Todos dão de ombros.
Pessoalmente não conheço ninguém que goste do programa ou pelo menos que o declare. Nas redes sociais há mesmo campanhas pelo seu fim. E é isso que não entendo. Se eu não gosto, eu não assisto e sua existência me é totalmente indiferente mas tem gente que odiando o triste espetáculo, sabe o nome dos concorrentes, o horário de exibição na tv por assinatura e mesmo as tolas regras da competição. Caso fosse retirado do ar o estranho circo, a Globo não o substituiria por peças do teatro clássico estreladas por Fernanda Montenegro nem filmes do cinema novo. Acostumada com a farta audiência que consegue por baixo custo de produção, a emissora, de certo, nos brindaria com outra porcaria qualquer, possivelmente copiada da programação da tv americana.
Parece existir um sentimento de negação nas pessoas que se recusam a admitir que a televisão é um lixo. Sempre foi ruim mas de uns vinte anos para cá conseguiu piorar muito.
Outro dia vi no facebook uma postagem na qual uma foto de Carlinhos Cachoeira dividia espaço com a de uma moça muito bonita e que tinha o crânio nu. Embaixo uma legenda: “Sabemos que um país está na merda quando o corte de cabelo de uma panicat tem mais repercussão que o maior escândalo de corrupção”. Ora, até dois meses atrás eu nem sabia o que era uma panicat. Alguma vez sintonizei o programa “Pânico na TV” mas me pareceu  tão grotesco que não pude assistir mais que uns minutos. Agora sei que mudou para a Bandeirantes e dividirá espaço com o CQC, outra aberração que tenta ser programa humorístico e que é comandado por Marcelo Tass
Quem terá dito ao Marcelo Tass que ele possui alguma espécie de senso de humor? E aos outros que o acompanham? Mães, certamente, mães irresponsáveis. Fiz duas tentativas de achar graça naquilo. Numa delas cheguei a suportar por quase dois minutos inteiros a voz e o sotaque do careca acompanhados das imbecilidades de seus dois acólitos. Foi muito e agora até a chamada veiculada durante o futebol, me faz mal. Mas tem pior.
A mesma emissora, que nos anos finais da ditadura tanto contribuiu para a redemocratização do país com um noticiário sério e inteligente, debates políticos, alem de programas musicais com os maiores nomes de nossa música popular, agora tem na sua grade de programação o indescritível “Agora é tarde” que, tendo por  apresentador um gaiato caipira, faz uma cópia do programa do Jô Soares.
Quando o Jô estreou na tv do Sílvio Santos seu programa de entrevistas no final dos 80, não havia tvs por assinatura e só quem viajasse aos Estados Unidos e lá se lembrasse de ligar a televisão, saberia da cara de pau de seus produtores que imitaram em tudo o programa do David Letterman. Dos músicos à caneca, passando por um careca para contracenar com o apresentador, tudo é uma cópia descarada. Mas agora a Bandeirantes passou dos limites e fez sua própria cópia grosseira de algo que já assistimos há mais de vinte anos aqui mesmo no Brasil. Mas ao contrário do americano e do gordo, o apresentador da cópia da Bandeirantes é de uma total falta de graça. Já cheguei a me sentir constrangido quando minha mulher, que me julga um homem sério que assiste o futebol aos gritos e palavrões, apareceu no intervalo do jogo e na telinha estavam fazendo a chamada do programa. Creio ter visto em seu olhar algo de reprovação para os trejeitos do gaiato e de incredulidade para mim.
Mesmo com esses pequenos dissabores e os pesadelos que ainda tenho, vez por outra, com o musculoso chorão, não posso, realmente, reclamar da televisão aberta comercial pois não a assisto. Só vejo o futebol e se o jogo passa na Globo, eu tiro o som. Se é na Bandeirantes eu escuto pois creio estar sendo testemunha de algo histórico. Se viver mais uns dez ou quinze anos, poderei contar para meu neto que ouvia a equipe de transmissão esportiva mais idiota de todos os tempos.




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