segunda-feira, 30 de abril de 2012

Juca Kfouri entrevista







A operadora de tv por assinatura da qual só possuo o pacote básico, às vezes libera um ou outro canal por uns dias. Eles chamam isso de degustação. Desta vez abriram o canal ESPN e graças a isto pude ver a semi-final da liga dos campeões na quarta-feira. Nos dias seguintes não havia nenhuma atração que eu pudesse degustar. O jogo do Galo, pela Copa do Brasil, passava também em outra emissora e os jogos do campeonato inglês que eles transmitem, vão ao ar muito cedo.
Afinal, no sábado, estava o programa de entrevista do Juca Kfouri. Claro que me esqueci totalmente e só pude ver os 15 minutos finais.
Apesar de reconhecer no “Turco” um jornalista correto e honesto, não sou muito fã de suas entrevistas. Juca Kfouri é daqueles que rasgam muita seda para seus convidados. Antes e durante as entrevistas ele se mostra um admirador incondicional do entrevistado. Parece-me correto que ele receba em seu programa as pessoas de quem gosta, eu faria o mesmo. Tivera eu um programa, jamais me ocorreria entrevistar o Jarbas Passarinho ou o Luciano Huk mas acho que o Juca exagera nos elogios e amabilidades.
Certa vez ele anunciou durante toda a semana que iria receber um personagem tão especial que não pude deixar de ver. Juca o chamou de gênio brasileiro e outras coisas mais. Nesse dia assisti toda a entrevista e o gênio revelou-se um babaca. Já de cara, fazendo uma auto-apresentação, disse que era isso e aquilo e marido da fulana. Ora, se um sujeito quer agradar a mulher que faça isso em casa, de preferência na cama mas não venha a público paparicar a dona encrenca. Mas teve pior.
No decorrer da entrevista, o cara, que é cientista de alguma área ligada ao esporte, fez uma verdadeira apologia ao uso de drogas que dão vantagem esportiva. Defendia sua liberalização em competições. Disse o cientista que uma pessoa pode  optar por encurtar sua vida em nome da glória olímpica.  Pombas, qualquer um que acompanha esportes de alto rendimento sabe que esses atletas são formados antes mesmo da adolescência. Aos 14, 15 anos eles já competem nas categorias inferiores e os que se destacam prosseguem no esporte. Não me parece que se possa deixar nas mãos de alguém de 15 anos tal opção. Note-se que ele falava de drogas que, comprovadamente, provocam danos à saúde de quem as usa. Desse dia em diante fiquei de pé atrás com os elogiados pelo Juca.
Mas no sábado passado, o entrevistado era Alberto Dines. Gosto do velho jornalista. Ainda que tenha ficado muito espantado com suas críticas à decisão do Supremo de extinguir a exigência de diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista, vejo nele um sujeito ético e disposto a ouvir. Em seu programa “Observatório da Imprensa” da Rede Brasil, ele faz isso, escuta seus convidados. Diferentemente de seus colegas entrevistadores de televisão, Dines  sabe que o que interessa numa entrevista é o entrevistado e sua visão dos assuntos abordados. Além do mais ele faz algo que a imprensa odeia: critica a imprensa. Mostra seus equívocos e falhas. Não creio que deva ser muito querido entre seus pares. Para Juca Kfouri é, e o “Turco” não poupou elogios e afagos ao octogenário jornalista.
No momento em que comecei a assistir o programa o tema era a transmissão de lutas de MMA (Mixed Martial Arts) pela televisão aberta e a não aceitação das emissoras em adequar programação e horário de exibição. Tanto entrevistado como entrevistador são inimigos das lutas e nem as vêm como esporte, talvez por isso, não saibam que elas já são exibidas, na tv aberta, em horário bastante avançado não cabendo a crítica de que, por ser violento, o esporte não é adequado para ser visto por crianças.
Um pequeno defeito de Dines é o exagero e ele prognosticou que em breve, mantendo-se as emissoras impermeáveis ao controle da sociedade na questão dos horários, teremos filmes pornográficos na tv aberta e em qualquer horário.Mas todo o discurso era derivado da ojeriza que Juca e Dines sentem pelas lutas de MMA
Como homem mais ligado ao futebol, Juca fez uma ligação entre as torcidas organizadas e os lutadores. Da maneira como falou, alguém poderia entender que a violência das organizadas começou com as transmissões das lutas. Nada mais falso. Violência de torcidas é algo muito mais antigo. A tv aberta só muito recentemente passou a transmitir os eventos de MMA e mesmo as tvs por assinatura o fazem de uns 10 ou 12 anos para cá. Se levarmos em conta que o número de assinantes dessas tvs não passava de 3 milhões em todo o país quando as lutas começaram a ser exibidas, e o preço dos pacotes nos quais elas estão inseridas é proibitivo para a maior parte dos assinantes, veremos que a ligação entre a violência das organizadas e seu incentivo pelas competições de MMA é totalmente falsa.
Quando o assunto caiu no problema exclusivo da violência das torcidas, Dines, citando Juca, fez uma apologia ao clube. Disse que a idéia do clubismo é muito salutar e que entre seus companheiros de Rede Brasil, muitos mandam seus filhos para a escolinha de futebol do Vasco. Talvez por não ser muito afeito às coisas do esporte, Dines desconheça que essas escolinhas não produzem jogadores profissionais, estes vêm das peneiras, que no Vasco, por exemplo, é terceirizada e há pouco mais de dois meses um menino de nome Wendel, de 14 anos, morreu enquanto treinava buscando um lugar de atleta no clube. Wendel não tomara café da manhã naquele dia nem jantara no dia anterior. Assim mesmo foi a campo buscar o sonho de ser jogador profissional no futuro.
O clube, que na visão de Dines, é o ponto a que deveríamos voltar para neutralizar a violência das torcidas organizadas, nem sequer fornece um sanduíche aos meninos que buscam seus campos para sonhar. Os que são escolhidos entre centenas e mais tarde se tornarão profissionais, serão os que proporcionarão ao clube recursos,  seja através da cessão de seus contratos para clubes estrangeiros, seja através de contratos publicitários que as entidades esportivas só conseguem se têm talentos que chamem a atenção do público consumidor.
Com os cofres cheios, os clubes poderão oferecer aos seus sócios os campos bem tratados para os filhos dos amigos de Dines fingirem que são jogadores de divisão de base. Também virão do dinheiro aferido a custa do talento dos meninos como Wendel, as toucas dos praticantes de water pólo, as bolinhas para os tenistas, as piscinas dos nadadores.
Cada vez é menor o número de associados a clubes esportivos e isso se dá por uma razão muito simples; as pessoas que podem pagar as cotas de adesão e as mensalidades, já vivem em lugares onde são oferecidos os serviços que antes só eram encontrados nos clubes ou nas mansões dos milionários. Todo condomínio de classe média tem sua piscina, quadra de tênis, salão de festas, sauna e o espaço mulher. Qualquer condomínio de subúrbio tem seu espaço mulher. Para manter a estrutura concebida em outros tempos e adequá-la às comodidades de hoje, os clubes precisam cada vez mais de meninos como Wendel, que lhes tragam recursos.
Desde sua concepção pelos ingleses, os clubes são espaços de exclusão. Neles só entra quem tem poder aquisitivo igual ou maior que seus fundadores. Assim que vemos um clube como o Flamengo sendo dirigido por gente cujos antepassados são nomes de ruas e mesmo o mais popular de todos, o Coríntians, só abriga uma ínfima parte dos adeptos de seu time de futebol. Daí as torcidas organizadas. Elas são o clube dos que não podem pertencer ao clube. Em suas sedes rola o churrasco, a batucada, a confraternização dos que se sentem unidos pela paixão “clubística”.É uma senzala  das muitas senzalas que nossa sociedade teima em perpetuar. Afastada da casa grande mas absolutamente indispensável à sua existência. É nos violentos elementos que compõem as organizadas que as oposições políticas dos clubes vão buscar seus capatazes e arruaceiros. A situação, para angariar sua simpatia, lhes dá ingressos e fretamento de ônibus. São eles que perseguem jogadores, invadem centros de treinamento, pixam os muros da sede e se matam nas ruas para que alguém tenha o poder de mandar num clube no qual eles só entram pela porta dos fundos ou pulando os muros.
Ao contrário do que pensam Dines e Juca, o que fomenta a violência das torcidas organizadas não é a transmissão das lutas de MMA pela televisão e sim o próprio clube e sua estrutura de castas.


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