quinta-feira, 26 de abril de 2012

O Brasil e o mundo







Quando eu era jovem e freqüentava botequins, havia um dito que me incomodava. Bastava que dois paroquianos estivessem conversando sobre qualquer assunto que chegava alguém e dizia:_”Esse é o mal do brasileiro”. Um engarrafamento, um juiz ladrão, falta d’água, corrupção. Tudo era “o mal do brasileiro”. Em pouco tempo me dei conta que o mal do brasileiro era falar do mal do brasileiro.
Hoje o dito é outro e para qualquer fato acontecido o comentário nas redes sociais é:_”Só no Brasil mesmo”. Isso serve também para qualquer coisa. Só que não existe nada que só aconteça no Brasil ou que sempre aqui está a pior das crises, a pior das soluções ou o pior dos mundos. A própria internet que serve para vituperar contra o país está repleta de informações que mostram que o que temos de pior não é propriedade única do Brasil. Mesmo em matéria de políticos corruptos e incompetentes, não estamos sós.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o grau de corrupção é enorme e muitas vezes, para que empresas possam faturar milhões em negócios no exterior, o governo não titubeia em enviar seus jovens para morrer pelos lucros. O “lobby” é institucionalizado e regulamentado e juntando-se a forma de financiamento privado das campanhas eleitorais, o que poderia ser visto como abuso do poder econômico em outros países, lá é o próprio cerne da atividade política. Como eles dão outro nome à corrupção eleitoral, isto é suficiente para cegar quem prefere vê-los como exemplo democrático. Para os americanófilos tupiniquins, Carlinhos Cachoeira, "só no Brasil mesmo". Mas diante de Dicc Cheney, nosso contraventor é garoto de recados.
Na Europa muito civilizada basta uma crise como a atual para destampar toda espécie de mazelas. Em todos os países afetados a solução foi espremer os mais pobres. Cortes nos gastos sociais foram a tônica das medidas tomadas em Portugal, Espanha, Itália. E da Grécia nem se fale. Longe do que imaginam nossos compatriotas que odeiam ser nossos compatriotas, as populações desses países não se revoltaram e foram para as ruas derrubar governos. Ao contrário, o que se viu na Península Ibérica foi a entrega do poder, através do voto livre e soberano, à direita neo-liberal, principal estimuladora das políticas que levaram esses países à bancarrota. Claro que o discurso dos governos empossados durante o maremoto da crise, é culpar o estado de bem estar social, praticado pelos governos anteriores, por todos os problemas. O desemprego só aumenta enquanto as políticas preconizadas pelo FMI, Banco Central Europeu e países centrais (Alemanha e França), são postas em prática.
Em Portugal o próprio Primeiro Ministro aconselha a emigração como solução para escapar ao desemprego enquanto despede milhares de professores que, diferentemente daqui, não têm estabilidade. Todo atendimento médico na rede pública de saúde implica num desembolso, do qual só estão isentos aqueles cuja renda sequer dá para comer.
Uma nova onda de emigrantes portugueses chega à França onde a extrema direita acumulou votos na eleição presidencial com um discurso xenófobo que faz lembrar outros tempos. Marine Le Pen teve uma votação superior a de seu pai anos atrás. Como não houve uma grande fragmentação dos votos ela não conseguiu ir para o segundo turno mas seu discurso simplório, racista e xenófobo comoveu milhões de franceses.
Enquanto isso, a Suíça mostra que é mesmo democrática pois se anos atrás sua população se posicionava pelo direito de seus bancos se apropriarem dos bens judeus que os alemães lá depositaram durante a 2ª Guerra Mundial, hoje, em plebiscito, aprova a proibição de construção de novas mesquitas no país
Tanto na Península Ibérica quanto na França, o posicionamento do eleitorado não é suficiente para convencer os anti-brasileiros do Brasil que no velho continente vota-se como uma manada de despolitizados, com a mão no bolso e a cabeça em quimeras. As manifestações que os jovens daqueles países promovem e que atendem pelo nome genérico de “ocupem alguma coisa”, aqui causam um frenesi tamanho que nos faz imaginar estar diante da revolução social. Mas esses indignados nem sequer vão às urnas.
Na Espanha, a mais recente medida de austeridade do governo veta o acesso às pessoas indocumentadas ao sistema “universal” de saúde. Com isso dizem que economizarão alguns milhões de euros. Tal medida tem muito mais de xenofobia que de economia mas agrada aos jornalistas da televisão pública espanhola que a defendem com ímpetos nacionalistas. Nacionalismo de capa e espada que também lhes serviu para criticar a estatização da YPF na Argentina. A imprensa espanhola tratou o caso como um assunto de estado e de uma hora para outra todos se tornaram especialistas em Argentina e em petróleo. Só esqueceram de dizer que a Repsol, que detinha 51% do capital da petrolífera argentina que Cristina Kirchner fez voltar às mãos dos argentinos, nada tem a ver com o estado espanhol e está longe de ser um grande pagador de impostos naquele país pois suas sedes estão espalhadas por paraísos fiscais ao redor do mundo.
A preocupação com os pequenos investidores da petrolífera aparece como único recurso retórico para comover a população espanhola de que esta foi expropriada de algum bem. Na verdade a preocupação da imprensa e do governo neo-liberal da Espanha é com os grandes acionistas que contam com pesos pesados como a Pemex do México e até grupos brasileiros que também investem  na Petrobrás. Sem contar, é claro, com os capitalistas europeus. O engraçado é que a atitude de Cristina Fernandes de Kirchner é que foi tratada de “nacionalismo de hojalata” e sombrios prognósticos foram feitos sobre a Argentina.
Como em 82 quando Gualtieri, com a invasão e retomada das Malvinas, forneceu a Margareth Tatcher um alívio das críticas que vinha sofrendo pelo fraco desempenho econômico de seu governo, Rajoy tenta tirar proveito da nacionalização da YPF. Seus ministros fazem declarações indignadas e bombásticas mas, diferentemente da Dama de Ferro, não cogita enviar sua armada para punir a audácia argentina.
Não estou dizendo que vivemos numa ilha de paz no meio de um mundo em crise.. Não. Esse discurso era da ditadura. O que digo é que temos sabido lidar com nossos problemas e se não achamos todas as soluções e muitas vezes caminhamos quilômetros para trás como é o caso do Código Florestal, podemos muitas vezes ter orgulho do que tem produzido nossa sociedade. O julgamento pelo Supremo da ADPF sobre as cotas raciais na UnB foi um desses momentos.


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