Leonel Brizola, para definir
Aureliano Chaves, usou uma expressão que, para mim, era perfeita. Brizola o
chamou de conservador lúcido. O ex-governador de Minas tinha mesmo esse perfil.
Embora tenha sido um forte apoiador da ditadura, Aureliano não se assemelhava
aos políticos oportunistas que, como depois vimos, podiam tanto sustentar o
governo de fato daqueles tempos como o PT de agora. Pefelista de primeira hora,
foi candidato do partido nas eleições presidenciais de 89. Disputou o voto
conservador com muitos adversários e foi derrotado no pleito que depositou
Fernando Collor de Merda na presidência.
Havia me esquecido da robusta
figura de Aureliano, mas a expressão que o estadista gaúcho usou para descrever
sua postura política, ficou-me na mente esperando para ser aplicada em alguém. Há alguns anos
pensei ter descoberto o homem que vestiria bem o figurino de conservador
lúcido: Demóstenes Torres.
Diferentemente de seus colegas
de partido, o Senador goiano não abusava dos gestos histriônicos nem dos adjetivos
grandiloqüentes tão comuns entre os que, na oposição, não sabem o que fazer ou
falar por falta de costume. Os pefelistas estavam, desde a ditadura, albergados
no poder e o papel de oposicionista ainda não estava decorado quando Lula
assumiu o poder. Sem o melódico trololó de Agripino Maia ou a pose de herdeiro
de ACM Neto, Demóstenes parecia exercitar o direito de opor-se com dignidade e
firmeza.
Acostumada com os farsantes da
política, minha geração ainda se recorda de Collor com sua pinta de galã de
novela mexicana descendo a rampa do Palácio do Planalto tendo pelo braço a primeira dama(é duro escrever isso). Era a síntese da burla, da farsa, da
mentira. Mas era facilmente reconhecível. O andar empertigado de um empalado,
quilos de gel nos cabelos e ao seu lado aquela senhora que mesmo vestida de
Chanel parecia ter saído das Lojas Marisa. Tudo muito óbvio.
Outros farsantes, mais
discretos, trazem desde o século passado seu arsenal de enganação que lhes
garante, no mínimo, uma cadeira na câmara baixa. Fazem do mandato um balcão de
negócios e vão enriquecendo e se perpetuando como aliado de qualquer governo
que apareça. Se lhes convém, posam de oposição federal para melhor ser situação
estadual. Se algo sai fora dos planos, uma mudança de legenda concerta tudo.
Demóstenes parecia não fazer
parte dessa classe de políticos e não era. Não usou de seu cargo para vender
facilidades nem para negociar seu voto. Não. Demóstenes era um agente de
Carlinhos Cachoeira. Um preposto, um acólito, um serviçal. Recebia ordens e as
cumpria. Nas ligações telefônicas interceptadas pela polícia, escutamos
Cachoeira comandando-lhe os passos. Sugere que se aproxime da Presidenta Dilma,
que mude de partido aproveitando um convite do PMDB, que adira ao poder. O
Senador anui.
Jamais um Senador da República
fora flagrado indo tão baixo. Em outra gravação vazada pela polícia, Demóstenes
faz seu papel de leva e trás com uma subordinação canina. Embora discorde da
eficácia de um projeto de lei proposto por Cachoeira, leva-o para apreciação de
seus pares. Dá satisfação de seus menores atos, submete-os ao crivo do patrão. É
uma peça da poderosa engrenagem que o contraventor montou desde Goiás e se
estendeu por vários estados.
Na quinta-feira, Demóstenes
surpreendeu a todos comparecendo ao Conselho de Ética do Senado. Pediu pela
ordem e questionou o presidente interino pela maneira como este foi conduzido
ao cargo. Fez questão de frisar que não levantara uma questão de ordem mas
também deixou claro que se defenderia no mérito e provaria sua inocência no
mérito. Questões judiciais à parte. Para mim fica claro que já se inicia uma
chicana e que seus advogados irão questionar desde a escolha do Senador
Valadares para a presidência do Conselho até o ato de recebimento da denúncia
feita pelo Psol. Ademais Demóstenes não é homem de perder a cabeça. Isso já
ficou demonstrado na sua atuação no Senado. Mesmo nos momentos em que era mais
duro nas críticas ao governo ou nos casos em que julgava colegas e pedia sua
cassação por falta de decoro, como ocorreu no episódio de Renan Calheiros, o
goiano não saía do sério.
Após abandonar a sala para que
os membros do Conselho pudessem deliberar, Demóstenes provocou uma pequena
confusão entre fotógrafos e jornalistas, que sem o menor decoro, davam corridinhas
e pulinhos para cercar o Senador que escapulira por porta privativa de
parlamentares. Livres da incômoda presença do senador cuja honradez fora
defendida por 44 de seus pares 2 semanas atrás, o Conselho, formado por gente
escolada nas maracutaias legais, resolveu votar pela validade do ato de
Valadares, praticado ainda como presidente interino e elege-lo, formalmente,
presidente efetivo como o próprio Demóstenes aconselhara.
O resultado político do Conselho
de Ética e Decoro Parlamentar deverá ser o esperado. Demóstenes será cassado.
As contestações jurídicas das decisões do Conselho serão feitas baseadas em
firulas regimentais e terão o condão de protelar o inevitável. O que trará mais
rebuliço, será a CPI criada para investigar as relações de Cachoeira com
parlamentares e outros políticos. Fora os nomes já mencionados de Marconi
Perillo, Stepan Nercessian, Sandes Júnior, Agnelo Qurirós e outros, a CPI pode fazer
cair a máscara de outras vestais, que a exemplo do Demóstenes de um mês atrás,
andam por aí acima de quaisquer suspeitas.
Imagino que desde Mossoró,
Cachoeira deve seguir comandando seus negócios. É hora de organizar dossiês e
cobrar fidelidade de quem recebia seu cascalho da mão do contraventor.
Demóstenes, que agora é carta fora do baralho no esquema de Cachoeira, não deve
ser desprezado de todo. Não nos esqueçamos que Collor, hoje é Senador e
presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Genebaldo Correia,
anão do orçamento, foi eleito Prefeito de Santo Amaro da Purificação,. Paulo
Afonso, ex-Governador de Santa Catarina que perdeu seus direitos políticos por
8 anos depois do escândalo das letras, tão logo recuperou o direito de ser
votado foi eleito deputado federal. Cachoeira, que é empresário moderno, já
deve saber que o Senador pode ainda ser-lhe útil numa assembléia legislativa,
numa prefeitura ou, quem sabe, na câmara dos deputados passados alguns anos.
Tudo depende da fidelidade de um e outro.
Demóstenes, que tem 51 anos, não
deve deixar o cenário político para sempre e os que hoje o apedrejam podem ser vidraças
amanhã. É o que está acontecendo com relação a Renan Calheiros que foi alvo de
Demóstenes pouco tempo atrás e atualmente é membro do Conselho de Ética que o
julgará. O peemedebista num gesto de “grandeza”, alegou impedimento de foro
íntimo e não quis ser o relator do processo no Senado. Assim como ele, outros
quatro senadores também recusaram a relatoria, entre eles Romero Jucá. Sobrou
para Humberto Costa.
Demóstenes, talvez seja a farsa
mais bem urdida dos últimos tempos na política brasileira. O enredo
policialesco no qual se envolveu, sua interpretação de homem de bem, o futuro
promissor que o aguardava. Tudo provoca um interesse enorme em torno do caso. A
renúncia já não é possível e o Senador deverá sangrar publicamente nos próximos
meses. Sua aparição inesperada no Conselho de Ética, o mostrou mais magro e me
pareceu que a cada mão que lhe era estendida por colegas, ele retribuía com um
sorriso agradecido, quase súplice. Mas nota-se que está pronto para a luta e
como se diz aqui no sul “não está morto quem peleia”.
Se o julgamento político de Demóstenes
não promete surpresas, no que diz respeito ao judiciário, que o julgará por seu
envolvimento com a contravenção, as coisas podem ser, alem de morosas, bastante diferente. Ainda que o Ministro Ricardo Lewandovski tenha negado o pedido do
Senador para que as gravações feitas pela polícia não sejam usadas como prova,
a questão carece de apreciação quanto ao mérito pois os advogados do Senador
alegam que os juizes federais que determinaram as escutas, não poderiam faze-lo
pelo fato de Demóstenes ter direito a foro privilegiado e tal procedimento só
poderia ter sido autorizado pelo Supremo. A questão parece simples para mim que
sou leigo. Seria preciso saber apenas que telefone foi grampeado, se o do
contraventor ou o do Senador. Mas sei que as coisas não funcionam assim no STF. Ainda
que tenha sido o telefone de Cachoeira o alvo do grampo, já imagino o Ministro
Marco Aurélio levantando alguma questão ligada ao sigilo e à inviolabilidade de
alguma coisa. O Ministro é um inimigo declarado do grampo. Certamente será
seguido por Gilmar Mendes, Pelluso e, é claro, Toffoli. Caso as gravações dos
telefonemas sejam inutilizadas como prova, o caso contra Demóstenes perderá
toda a substância. De qualquer maneira será um longo processo e só quem viver
mais uns 10 ou 15 anos verá o desfecho.
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