sábado, 14 de abril de 2012

O estrangeiro







Quando eu era menino se escutava muito a palavra “estrangeiro” não apenas para designar alguém de outro país mas em frases como:_”Fulano foi morar no estrangeiro”. Ou:_ “Sicrano voltou do estrangeiro” Era comum. Creio que o Gigante Piaimã do Macunaíma estava no “estrangeiro” quando o Herói de Nossa Gente o buscou em São Paulo. Ou estaria na Europa? Não estou seguro e não tenho em mãos a obra de Mário de Andrade para tirar a dúvida. Mas acho que sim. O Gigante Piaimã estava no estrangeiro.
Não vou mentir dizendo que a palavra, empregada em tão amplo sentido, me trouxesse à mente cúpulas e minaretes; desertos e montes nevados. Não. A palavra “estrangeiro” era apenas uma das muitas que não me diziam respeito. Eu gostava de palavras como diagnóstico e melancia, astronauta e submarino. Só mais tarde a palavra “estrangeiro” antecedida por um substantivo passou a me incomodar. Expressões como “capital estrangeiro” ou “potências estrangeiras”, tinham, para os da minha geração, uma conotação pejorativa da qual ainda não me despeguei.
Nunca tive problemas com o cidadão estrangeiro, a pessoa estrangeira. Tanto que me casei com uma argentina. Por outro lado nunca tive complexo de cachorro vira-latas como alguns brasileiros. Diga-se de passagem que este sentimento é mais latente entre os nossos concidadãos das classes média e abastada. Nosso povo pobre, que nada tem de xenófobo, adora o Brasil.
Hoje ninguém diz “estrangeiro” para se referir a alguma localidade fora do território nacional. Pelo contrário. Nossas classes média e rica quando se referem aos seus passeios extra territoriais citam lugares com uma especificidade de dar nojo. Já nem falam de Nova York, referem-se a um bairro daquela cidade, às vezes, uma rua e se você botar cara de “onde é que fica isso”, será tratado como o maior dos ignorantes.
No futebol não poderia ser diferente. Nas transmissões esportivas, fala-se de Birminghan ou Sevilha como se estivessem falando de Mesquita ou Vaz Lobo. Alem disso, torcer por time estrangeiro está na moda. Narradores, comentaristas e os telespectadores que assistem futebol passando correios eletrônicos para os narradores e comentaristas, revelam uma louca paixão pelo Aston Villa, pelo Newcastle, pelo Barcelona, pelo Ájax. Declaram-se fanáticos por times que conheceram pela televisão e aprenderam a história pela internet. Pra dizer a verdade, nem todos aprenderam a história pois se dizem torcedores de equipes cujas torcidas são notadamente fascistas e anti-estrangeiros. Jamais poderiam sentar-se na arquibancada com os adeptos da Lazio, por exemplo, mas se dizem “tifosi” da equipe romana. Claro que se conseguissem se infiltrar não se acanhariam em entoar os cantos racistas e xenófobos que aqueles torcedores tanto gostam.
Mas há pessoas de quem se espera mais coerência e capacidade de raciocínio. O Juca Kfouri seria uma dessas pessoas Corintiano assumido, o Turco não se deixava levar pelo deslumbramento de seus colegas de profissão, especialmente os mais jovens, por estrangeirices. Professava sua fé pelo time de Parque São Jorge e não menosprezava nossos talentos.
Outro dia porém, enquanto brincava com o controle remoto da televisão, parei na TV Câmara e vi que o Juca dava uma entrevista para o programa “Comitê de imprensa”. Assisti só uns minutos mas o suficiente para quase abjurar de minha crença no bom senso. Dizia Juca Kfouri que numa conversa com um ex-lateral da seleção alemã, este lhe dissera, falando do futebol brasileiro, que nós havíamos perdido o rumo. Ora, se eu quisesse escutar de alguém um diagnóstico sobre nosso futebol, jamais perguntaria a um ex-lateral alemão. Se por acaso um ex-lateral alemão viesse fazer comentários sobre o futebol brasileiro, eu lhe perguntaria o que ele fazia da vida alem de acompanhar diuturnamente nossas peladas. Mas o Turco tratava a opinião do ex-lateral alemão como algo digno de ser comentado. Já escutei de outros gringos opiniões sobre o futebol brasileiro e identifiquei claramente em que se baseavam essas opiniões: preconceitos e crenças. Não há fato que destrua preconceitos e crenças. Mas se o Juca cometia esta falta grave de dar ouvidos a quem nem de longe conhece nossa realidade futebolística e não é capaz de citar 5 nomes de times daqui, o pior ainda estava por vir.
Emendando um tema no outro dizia Juca Kfouri que via com bons olhos a contratação de um técnico estrangeiro para nossa seleção. Disse assim: estrangeiro. Não especificou nacionalidade. Não sei se tinha em mente italianos, mexicanos ou guatemaltecos. Disse apenas estrangeiro. Entenda-se, qualquer um que não seja brasileiro. Me lembrei dos meus tempos de menino. “Fulano viajou pro estrangeiro”. Só que fez menos sentido. Se alguém me dissesse:_ “Nossa seleção de ginástica olímpica vai muito mal, precisamos contratar um técnico romeno”. Isso faria sentido. Aquele país tem enorme tradição no esporte e hoje deve haver um monte de técnicos desempregados por lá. Ou, para citar um fato acontecido. Nossa seleção de basquete ia mal pra burro e foi contratado um técnico argentino responsável pelos melhores resultados obtidos pela seleção de seu país. Fez todo o sentido. O cara já mostrou serviço e a seleção brasileira vai à olimpíada depois de muito tempo.
Mas no futebol? Onde encontrar um técnico? Nenhum país tem tantos títulos como nós. O critério da tradição não funciona. Nenhum país tem tantos técnicos em seu território. O critério da quantidade não existe. Se fôssemos ingleses vá lá, afinal os quatro maiores times do país são dirigidos por estrangeiros. Nada mais natural que sua seleção seja dirigida pelo Capello, que apesar do vexame no mundial passado, não fez tão feio quanto Steve McLaren, o último inglês que dirigiu a seleção inglesa e sequer levou o time a Eurocopa.
Talvez Juca Kfouri tenha se esquecido que das 19 copas havidas, chegamos entre os 4 melhores por 10 vezes e sempre com técnicos brasileiros. Dos 5 técnicos campeões, somente Parreira fazia-se de inovador e teórico. Feola dormia, Aymoré Moreira era um típico treinador à moda antiga, Zagalo não tinha muita experiência, Scolari nunca foi nenhum estrategista e ainda assim ganhamos com todos eles. Mesmo o time de Parreira, que foi dos piores a representar nosso futebol em mundiais, fez campanha invicta. E olha que dos jogadores daquele time somente Romário e talvez Leonardo, jogariam nas outras seleções campeãs. Ganhamos todas as copas contando com o talento individual dentro de um esquema simples de jogo, sem inovações de conceitos nem novidades táticas. Na técnica.
 Quando Cláudio Coutinho inventou seu over laping e seu ponto futuro também poderíamos ter ido à final não fosse a compra e venda de peruanos. E olha que ele escalava o zagueiro Edinho de lateral deixando o lateral Rodrigues Neto no banco e durante a copa barrou Reinaldo e Zico para atender as ordens do Presidente da CBD, Almirante Heleno Nunes, que preferia Dinamite e Jorge Mendonça. Ficamos em terceiro.
Se para cá tivesse vindo o Rinus Michels, poderia ter sido melhor? Não sei, mas acho que não. O que a maioria desses técnicos europeus fazem é substituir o talento individual, escasso acima do Equador, pelo jogo de conjunto. Algumas vezes conseguem resultados surpreendentes fazendo um jogo que se baseia no conjunto e na eficiência de jogadas exaustivamente ensaiadas. Mas quando técnicos europeus realizam trabalhos fora da Europa os resultados nem sempre são bons. Veja o caso de Camarões. A seleção africana encantou a todos em 90 mas era criticada por não jogar um futebol sério. Mesmo no Brasil, os camaroneses eram tratados assim. Os dirigentes esportivos daquele país resolveram contratar um técnico alemão e nas últimas copas Camarões fez apenas figuração e nem sequer na Copa Africana de Nações é mais protagonista. Esqueceu seu futebol alegre, negro e tratou de jogar futebol de branco, sério, sem graça. Por outro lado um holandês fez bonito com a Coréia do Sul. Claro que Guss Hidding teve a ajuda de apitos amigos e pegou uma seleção sem nenhuma história no esporte o que facilita a implantação de conceitos, sejam quais forem.
Parece que por aqui ainda não sabem que para os europeus em geral, tudo que se passa abaixo da linha do Equador é digno de reproche e reclama reformas.Eles ainda são os difusores da cultura e da civilização. No meio futebolístico essa noção de superioridade é mais radical. Deve ser duro para um alemão engolir que a seleção brasileira tendo disputado o mesmo número de finais que a seleção de seu país, tenha ganho 5 e eles somente 3. A única explicação para o fato é que os alemães tremem quando têm de decidir. Agora, vai dizer isso pra eles.
Alem de dizer que no Brasil não há bons técnicos, a imprensa esportiva nacional já firmou convicção que os jogadores brasileiros não entendem de tática. Como quase todos os técnicos brasileiros são ex-jogadores estaria então explicado o motivo de nossos fracassos.
. O jogador brasileiro conhece tática mas toma decisões em campo. Não se submete aos ditames dos treinadores em tempo integral como faz um alemão ou um italiano ou um inglês. O Tostão conta que em 70 os jogadores se revezavam para conversar com o Gerson. O Canhota só falava de futebol e esquemas táticos durante toda a longa estadia da seleção em terras mexicanas. O pessoal o escutava por turnos.
Como se chegou à conclusão que só os jogadores “estrangeiros” entendem de táticas de jogo, outro dia no programa Redação Sportv, o simpático apresentador perguntou ao Loco Abreu, que era o convidado do programa:_ Você não acha Abreu, que no Brasil quase não se fala de tática diferentemente dos europeus e principalmente dos argentinos? Na pergunta estava embutido o preconceito quanto à capacidade intelectual de nossos craques. Abreu, que é malandro, mudou o rumo da prosa e respondeu que sim, que a imprensa não discutia isso e só fazia jornalismo de confusão. E complementou:_ Eu não tenho nada contra a Globo mas tem uns caras do Globo Esporte que eu não falo mais com eles. Abreu também disse que a basta um jogador falar 4,3,2,1, para que saia publicado que ele está divergindo do esquema do técnico. Portanto, não fala mais no assunto, declarou.
Antes, no mesmo programa, foi exibida uma reportagem com Anselmo Ramon, o atacante do Cruzeiro que fez 2 gols no último clássico mineiro. Antes mesmo de sair de campo o jogador foi questionado pelo gol que perdera. O Loco se assombrou:_Como pode ser que só vejam o lado negativo. E os dois gols que ele fez?
Pois é Abreu, o futebol brasileiro tem disso. Se temos, nos jogadores e técnicos nosso ponto forte, a imprensa esportiva, salvo raras exceções, e os dirigentes, salvo raríssimas exceções, são nossas debilidades. Ainda assim já ganhamos 5 Mundiais.




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