Quando eu era menino se escutava
muito a palavra “estrangeiro” não apenas para designar alguém de outro país mas
em frases como:_”Fulano foi morar no estrangeiro”. Ou:_ “Sicrano voltou do
estrangeiro” Era comum. Creio que o Gigante Piaimã do Macunaíma estava no
“estrangeiro” quando o Herói de Nossa Gente o buscou em São Paulo. Ou
estaria na Europa? Não estou seguro e não tenho em mãos a obra de Mário de
Andrade para tirar a dúvida. Mas acho que sim. O Gigante Piaimã estava no
estrangeiro.
Não vou mentir dizendo que a
palavra, empregada em tão amplo sentido, me trouxesse à mente cúpulas e
minaretes; desertos e montes nevados. Não. A palavra “estrangeiro” era apenas
uma das muitas que não me diziam respeito. Eu gostava de palavras como
diagnóstico e melancia, astronauta e submarino. Só mais tarde a palavra
“estrangeiro” antecedida por um substantivo passou a me incomodar. Expressões
como “capital estrangeiro” ou “potências estrangeiras”, tinham, para os da
minha geração, uma conotação pejorativa da qual ainda não me despeguei.
Nunca tive problemas com o
cidadão estrangeiro, a pessoa estrangeira. Tanto que me casei com uma
argentina. Por outro lado nunca tive complexo de cachorro vira-latas como
alguns brasileiros. Diga-se de passagem que este sentimento é mais latente
entre os nossos concidadãos das classes média e abastada. Nosso povo pobre, que
nada tem de xenófobo, adora o Brasil.
Hoje ninguém diz “estrangeiro”
para se referir a alguma localidade fora do território nacional. Pelo
contrário. Nossas classes média e rica quando se referem aos seus passeios
extra territoriais citam lugares com uma especificidade de dar nojo. Já nem
falam de Nova York, referem-se a um bairro daquela cidade, às vezes, uma rua e
se você botar cara de “onde é que fica isso”, será tratado como o maior dos
ignorantes.
No futebol não poderia ser
diferente. Nas transmissões esportivas, fala-se de Birminghan ou Sevilha como
se estivessem falando de Mesquita ou Vaz Lobo. Alem disso, torcer por time
estrangeiro está na moda. Narradores, comentaristas e os telespectadores que
assistem futebol passando correios eletrônicos para os narradores e
comentaristas, revelam uma louca paixão pelo Aston Villa, pelo Newcastle, pelo
Barcelona, pelo Ájax. Declaram-se fanáticos por times que conheceram pela
televisão e aprenderam a história pela internet. Pra dizer a verdade, nem todos
aprenderam a história pois se dizem torcedores de equipes cujas torcidas são
notadamente fascistas e anti-estrangeiros. Jamais poderiam sentar-se na
arquibancada com os adeptos da Lazio, por exemplo, mas se dizem “tifosi” da
equipe romana. Claro que se conseguissem se infiltrar não se acanhariam em
entoar os cantos racistas e xenófobos que aqueles torcedores tanto gostam.
Mas há pessoas de quem se espera
mais coerência e capacidade de raciocínio. O Juca Kfouri seria uma dessas pessoas Corintiano assumido, o Turco não se deixava levar pelo deslumbramento de seus
colegas de profissão, especialmente os mais jovens, por estrangeirices.
Professava sua fé pelo time de Parque São Jorge e não menosprezava nossos
talentos.
Outro dia porém, enquanto
brincava com o controle remoto da televisão, parei na TV Câmara e vi que o Juca
dava uma entrevista para o programa “Comitê de imprensa”. Assisti só uns
minutos mas o suficiente para quase abjurar de minha crença no bom senso. Dizia
Juca Kfouri que numa conversa com um ex-lateral da seleção alemã, este lhe
dissera, falando do futebol brasileiro, que nós havíamos perdido o rumo. Ora,
se eu quisesse escutar de alguém um diagnóstico sobre nosso futebol, jamais
perguntaria a um ex-lateral alemão. Se por acaso um ex-lateral alemão viesse
fazer comentários sobre o futebol brasileiro, eu lhe perguntaria o que ele
fazia da vida alem de acompanhar diuturnamente nossas peladas. Mas o Turco
tratava a opinião do ex-lateral alemão como algo digno de ser comentado. Já
escutei de outros gringos opiniões sobre o futebol brasileiro e identifiquei
claramente em que se baseavam essas opiniões: preconceitos e crenças. Não há
fato que destrua preconceitos e crenças. Mas se o Juca cometia esta falta grave
de dar ouvidos a quem nem de longe conhece nossa realidade futebolística e não
é capaz de citar 5 nomes de times daqui, o pior ainda estava por vir.
Emendando um tema no outro dizia
Juca Kfouri que via com bons olhos a contratação de um técnico estrangeiro para
nossa seleção. Disse assim: estrangeiro. Não especificou nacionalidade. Não sei
se tinha em mente italianos, mexicanos ou guatemaltecos. Disse apenas
estrangeiro. Entenda-se, qualquer um que não seja brasileiro. Me lembrei dos
meus tempos de menino. “Fulano viajou pro estrangeiro”. Só que fez menos
sentido. Se alguém me dissesse:_ “Nossa seleção de ginástica olímpica vai muito
mal, precisamos contratar um técnico romeno”. Isso faria sentido. Aquele país
tem enorme tradição no esporte e hoje deve haver um monte de técnicos
desempregados por lá. Ou, para citar um fato acontecido. Nossa seleção de
basquete ia mal pra burro e foi contratado um técnico argentino responsável
pelos melhores resultados obtidos pela seleção de seu país. Fez todo o sentido.
O cara já mostrou serviço e a seleção brasileira vai à olimpíada depois de
muito tempo.
Mas no futebol? Onde encontrar
um técnico? Nenhum país tem tantos títulos como nós. O critério da tradição não
funciona. Nenhum país tem tantos técnicos em seu território. O critério da
quantidade não existe. Se fôssemos ingleses vá lá, afinal os quatro maiores
times do país são dirigidos por estrangeiros. Nada mais natural que sua seleção
seja dirigida pelo Capello, que apesar do vexame no mundial passado, não fez tão
feio quanto Steve McLaren, o último inglês que dirigiu a seleção inglesa e
sequer levou o time a Eurocopa.
Talvez Juca Kfouri tenha se
esquecido que das 19 copas havidas, chegamos entre os 4 melhores por 10 vezes e
sempre com técnicos brasileiros. Dos 5 técnicos campeões, somente Parreira
fazia-se de inovador e teórico. Feola dormia, Aymoré Moreira era um típico
treinador à moda antiga, Zagalo não tinha muita experiência, Scolari nunca foi
nenhum estrategista e ainda assim ganhamos com todos eles. Mesmo o time de
Parreira, que foi dos piores a representar nosso futebol em mundiais, fez
campanha invicta. E olha que dos jogadores daquele time somente Romário e
talvez Leonardo, jogariam nas outras seleções campeãs. Ganhamos todas as copas
contando com o talento individual dentro de um esquema simples de jogo, sem
inovações de conceitos nem novidades táticas. Na técnica.
Quando Cláudio Coutinho inventou seu over
laping e seu ponto futuro também poderíamos ter ido à final não fosse a compra
e venda de peruanos. E olha que ele escalava o zagueiro Edinho de lateral
deixando o lateral Rodrigues Neto no banco e durante a copa barrou Reinaldo e
Zico para atender as ordens do Presidente da CBD, Almirante Heleno Nunes, que
preferia Dinamite e Jorge Mendonça. Ficamos em terceiro.
Se para cá tivesse vindo o Rinus
Michels, poderia ter sido melhor? Não sei, mas acho que não. O que a maioria
desses técnicos europeus fazem é substituir o talento individual, escasso acima
do Equador, pelo jogo de conjunto. Algumas vezes conseguem resultados
surpreendentes fazendo um jogo que se baseia no conjunto e na eficiência de jogadas
exaustivamente ensaiadas. Mas quando técnicos europeus realizam trabalhos fora
da Europa os resultados nem sempre são bons. Veja o caso de Camarões. A seleção
africana encantou a todos em 90 mas era criticada por não jogar um futebol
sério. Mesmo no Brasil, os camaroneses eram tratados assim. Os dirigentes
esportivos daquele país resolveram contratar um técnico alemão e nas últimas
copas Camarões fez apenas figuração e nem sequer na Copa Africana de Nações é
mais protagonista. Esqueceu seu futebol alegre, negro e tratou de jogar futebol
de branco, sério, sem graça. Por outro lado um holandês fez bonito com a Coréia
do Sul. Claro que Guss Hidding teve a ajuda de apitos amigos e pegou uma
seleção sem nenhuma história no esporte o que facilita a implantação de
conceitos, sejam quais forem.
Parece que por aqui ainda não
sabem que para os europeus em geral, tudo que se passa abaixo da linha do
Equador é digno de reproche e reclama reformas.Eles ainda são os difusores da
cultura e da civilização. No meio futebolístico essa noção de superioridade é
mais radical. Deve ser duro para um alemão engolir que a seleção brasileira
tendo disputado o mesmo número de finais que a seleção de seu país, tenha ganho
5 e eles somente 3. A
única explicação para o fato é que os alemães tremem quando têm de decidir.
Agora, vai dizer isso pra eles.
Alem de dizer que no Brasil não
há bons técnicos, a imprensa esportiva nacional já firmou convicção que os
jogadores brasileiros não entendem de tática. Como quase todos os técnicos
brasileiros são ex-jogadores estaria então explicado o motivo de nossos
fracassos.
. O jogador brasileiro conhece
tática mas toma decisões em
campo. Não se submete aos ditames dos treinadores em tempo
integral como faz um alemão ou um italiano ou um inglês. O Tostão conta que em
70 os jogadores se revezavam para conversar com o Gerson. O Canhota só falava
de futebol e esquemas táticos durante toda a longa estadia da seleção em terras
mexicanas. O pessoal o escutava por turnos.
Como se chegou à conclusão que
só os jogadores “estrangeiros” entendem de táticas de jogo, outro dia no
programa Redação Sportv, o simpático apresentador perguntou ao Loco Abreu, que
era o convidado do programa:_ Você não acha Abreu, que no Brasil quase não se
fala de tática diferentemente dos europeus e principalmente dos argentinos? Na
pergunta estava embutido o preconceito quanto à capacidade intelectual de
nossos craques. Abreu, que é malandro, mudou o rumo da prosa e respondeu que
sim, que a imprensa não discutia isso e só fazia jornalismo de confusão. E
complementou:_ Eu não tenho nada contra a Globo mas tem uns caras do Globo Esporte
que eu não falo mais com eles. Abreu também disse que a basta um jogador falar
4,3,2,1, para que saia publicado que ele está divergindo do esquema do técnico. Portanto, não fala mais no assunto, declarou.
Antes, no mesmo programa, foi
exibida uma reportagem com Anselmo Ramon, o atacante do Cruzeiro que fez 2 gols
no último clássico mineiro. Antes mesmo de sair de campo o jogador foi questionado
pelo gol que perdera. O Loco se assombrou:_Como pode ser que só vejam o lado
negativo. E os dois gols que ele fez?
Pois é Abreu, o futebol
brasileiro tem disso. Se temos, nos jogadores e técnicos nosso ponto forte, a
imprensa esportiva, salvo raras exceções, e os dirigentes, salvo raríssimas
exceções, são nossas debilidades. Ainda assim já ganhamos 5 Mundiais.
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