No dia 14 do mês passado, o
Ministro Ayres Britto foi eleito Presidente do Supremo Tribunal Federal,
ficando como vice o Ministro Joaquim Barbosa. Em ambas as votações o placar foi
de 10 x 1, Ayres Britto, em sua eleição, votou em Joaquim Barbosa e
este, por sua vez, votou em Lewandovski. Cumpriu-se o rito com a elegância de
sempre. A se lamentar, duas coisas: O Ministro Ayres Britto estará à cabeça
daquela colenda corte apenas por alguns meses pois completará 70 anos e será
compulsoriamente aposentado. A outra coisa lamentável é que teremos o Ministro
Dias Toffoli por muitos anos ainda.
Toffoli me faz lembrar o Shigeaki
Ueki que foi Ministro das Minas e Energia e Presidente da Petrobrás durante a
ditadura. Ueki caiu de pára-quedas na
direção da estatal petrolífera assim como Toffoli no Supremo. Na sua juventude
o japonesinho do Geisel, como a Salomé do Chico Anísio o chamava, fez concurso
para a Petrobrás mas não foi aprovado. Seguiu sua vida e, sabe-se lá por que,
um belo dia virou presidente da empresa. Com o jovem Ministro da mais alta
corte deu-se o mesmo.
Dias Toffoli por duas vezes fez
os exames para se tornar juiz e também foi reprovado. Como ele, há muitos. A
magistratura brasileira carece de quadros não por falta de concursos públicos
mas por inaptidão dos concursandos que não atingem a pontuação mínima para
aprovação. No entanto, não nos faltam advogados, ainda que a prova da Ordem dos
Advogados frustre a pretensão de alguns. Não frustrou as pretensões de Toffoli
que se tornou advogado e advogou. No Amapá, seu escritório atuou junto ao
Procurador-Geral do Estado e acumulou processos por licitação ilegal de
serviços advocatícios. Foi condenado a devolver aos cofres públicos cerca de 20
mil reais. O processo foi arquivado em segunda instância mas outro, da mesma
natureza, ainda tramita em grau de recurso. Também teve seu nome citado no caso
do mensalão do DEM, sexualmente citado.
Toffoli foi assessor parlamentar
da liderança do PT na Câmara, advogado do partido nas campanhas presidenciais
de Lula em três eleições, 98, 2002 e 2006, teve uma passagem pela Casa Civil
durante o reinado de José Dirceu e a convite de Lula assumiu a Advocacia Geral
da União.
Tão valiosos préstimos foram recompensados com
a indicação presidencial para ocupar uma cadeira no STF. Ao ser sabatinado no
Senado, um parlamentar da oposição questionou seu anêmico currículo. Ademais de
seus fracassados intentos de tornar-se juiz, Toffoli tampouco possui obra
jurídica publicada nem mestrado ou doutorado. A isso ele respondeu que sempre
se dedicou à advocacia como mister, por ver na profissão a mais nobre
incumbência. Como ninguém quer constranger ninguém nessas sabatinas, o senador
não lhe perguntou qual o motivo então das tentativas de tornar-se juiz. Não
houve constrangimento nem para o postulante nem para o Presidente, que o
indicara.
Assim que mesmo não tendo
exercido a magistratura um único dia de sua vida, Toffoli foi alçado ao STF e
hoje seu voto decide questões de repercussão geral que incidem sobre a vida de
todos os brasileiros.
Não é sua inaptidão para as
letras e concursos que faz de Toffoli um mau juiz. Me parece que lhe falta
agudeza de raciocínio e conhecimento jurídico. Por duas vezes seus pares o
admoestaram por não ter entendido um voto proferido do qual divergiu. Para não
dizerem que ele não havia entendido, disseram que não prestara atenção ou algo
do gênero. Sua atuação na corte suprema tem sido marcada também pelo
conservadorismo e pelo tecnicismo jurídico para o qual não parece ter muito
jeito.
Na última quinta-feira tivemos
uma amostra do lavor de Sua Excelência. Julgava-se um pedido de abertura de
processo contra o deputado João Lira do PSD de Alagoas, por submeter
trabalhadores de sua empresa agrícola a trabalho escravo. O Ministro Marco
Aurélio Mello, relator do caso, não admitia em seu voto que se tratara de crime
de trabalho escravo e sim de simples infração às leis trabalhistas. Fundamentou
seu voto com a tecnicidade que lhe é peculiar e tratou de fazer troça da peça
acusatória. Destacou entre as 46 violações de que é acusado o deputado mais
rico do país, umas 5 ou 6 que poderiam soar ridículas se fossem a base do
processo. Não são. No achincalhe, foi seguido por Gilmar Mendes, que sem ter a
mesma verve do magistrado carioca, citou Madre Teresa e uma amiga do Rotary
tentando fazer uma ligação que resultou esdrúxula.
Também negando a abertura do
processo, votou Celso de Melo. Mais uma vez dando mostras de sua grande cultura
jurídica e histórica, o Ministro atacou com duras palavras o trabalho escravo e
os que fazem uso dele. Eu já aprendi que quando vota o Ministro Celso de Melo
deve-se esperar pelo menos meia hora para se saber onde Sua Excelência quer
chegar. Nesse caso não foi preciso esperar tanto pois as duras palavras que
proferiu tinham um jeito de “não é por aí que eu vou” e ao final do voto o
Ministro disse que não via um liame entre os crimes de que é acusado o deputado
e sua participação nos mesmos. Ora, o deputado é diretor presidente da empresa
agrícola escravocrata e se não há liame entre os feitos descritos nos autos e
sua pessoa, então mais nenhum empresário poderá ser responsabilizado por atos
ilegais de suas empresas.
A Ministra Rosa Weber abriu a
divergência alegando que nessa fase embrionária do processo não era necessário
o acúmulo de provas, bastando indícios do ato ilegal para sua admissão. Foi um
voto que deixa em aberto qualquer prognóstico sobre a postura da Ministra no
julgamento do fato.
Acompanhando a divergência, o
Ministro Fux falou com contundência contra as práticas da empresa do deputado.
Após seu voto, tomou a palavra o Ministro Toffoli que fez pequeno discurso
sobre sua visão do direito que resvalou entre a pieguice e a cafonice pura e
simples. Foi aparteado várias vezes pelo Ministro Fux, pois ficara claro que
Toffoli não havia entendido o arrazoado de seu voto.
Mesmo para um leigo, é fácil
compreender que a visão de Toffoli do direito, já não tem mais cabida.
Parece-me uma postura totalmente divorciada do interesse público e voltada para
dentro. O direito pelo direito. Algo típico do aluno esforçado, do bacharel
estudioso mas desprovido de argúcia na interpretação das leis. Do advogado
pouco afeito à tribuna. Enfim, um tipo de direito que não deixa marcas na
sociedade, distante do direito funcional preconizado pelos juristas modernos.
No julgamento de que falo, o
tema em si já deveria pôr em evidência a necessidade dessa funcionalidade do
direito. Tratava-se de restituir a dignidade de pessoas que foram submetidas à
degradação, à condição de rês. Sem embargo, os Ministros Gilmar Mendes e Marco
Aurélio preferiram fazer chacota das portarias do Ministério do Trabalho. O
culto Ministro Celso de Melo não viu liame entre o dono de uma empresa e as
ilegalidades por ela cometidas. Mesmo o Ministro Peluso, que votou pela
abertura do processo, de antemão já se posicionou quanto à tipificação do
delito. Também para ele, assim como para o Ministro Marco Aurélio, tudo não
passa de simples infração às leis do trabalho. Pela abertura do processo contra
João Lira, votaram Ayres Britto, Lewandovski e Carmem Lúcia alem de Fux e Peluso.
Quanto à Toffoli, bem, depois de
seu patético discurso introdutório, Sua Excelência nos brindou com um voto
tecnicista e obscuro. Parecia tratar-se do julgamento de algo abstrato e não da
submissão de seres humanos à condição análoga à escravidão. Acompanhou o
relator negando a admissibilidade da ação proposta.
Por mais 26 anos teremos o
Ministro Toffoli ocupando uma das cadeiras do Supremo Tribunal Federal. Muitos
temas de relevância estarão sujeitos à sua consideração durante mais de duas
décadas e meia. Um voto certo para o conservadorismo. Só nos resta esperar que,
com a aposentadoria do Ministro Ayres Britto, a Presidenta Dilma indique alguém
mais afinado com o ideário original de seu partido que o Ministro Toffoli. Pelo
menos no que tange ao decoro, pois já na posse o Ministro foi agraciado com uma
festa que teria custado mais de 40 mil reais, saídos da Caixa Econômica Federal.
Ele diz não ter culpa no fato e que a festinha fora organizada por outrem. Já
empossado, Toffoli provocou novo constrangimento à Corte ao viajar para a ilha
de Capri, com hotel pago, para assistir a cerimônia de casamento de famoso
advogado. O mínimo que se espera é que
ele se abstenha de participar de julgamentos em que alguma das partes seja
patrocinada pelo pródigo bacharel.
Caso a Presidenta peça minha
opinião sobre a sucessão de Ayres Britto, eu sugerirei o nome de Eliana Calmon.
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