terça-feira, 29 de maio de 2012

Independência







Meu tio Alberto era americano. Não que tenha nascido em Dallas ou Chicago nem em qualquer outra parte dos Estados Unidos. Era americano porque torcia pelo América. O América Mineiro. Na verdade nasceu em Pedra Azul, no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas. Tampouco nós o chamávamos de tio Alberto, em bom mineirês, dizíamos “Ti Beto”.
Sempre que me lembro dele o vejo como torcedor do América. E também recordo dois episódios futebolísticos como centro de nossa curta e esparsa relação. Assisti com ele, em sua casa no Padre Eutáquio, um jogo Atlético e Portuguesa em 1970. Recordo, ainda hoje, detalhes daquele jogo. E o principal; ganhamos. Outra vitória do Galo que vimos juntos foi bem mais importante: a final do primeiro Campeonato Brasileiro em 71. Dessa vez foi em minha casa, na Barroca. Ele, que não era muito de visitas, apareceu por lá minutos antes da decisão histórica e lembro de ter ficado feliz por ter companhia masculina para afrontar a viril angústia daquela final jogada no Maracanã contra o Botafogo, time cheio de craques. Quando morreu, eu andava pelos 18 anos e não tivemos tempo de fazer uma amizade de adultos mas o tipo de família daqueles tempos nos tornava, de alguma maneira, próximos.
Com o passar dos anos ficou quase impossível ouvir falar do América e não me lembrar de Ti Beto. Assim tem sido nas últimas semanas com a re-inauguração do Estádio Independência que agora será administrado por uma empresa paulista em parceria com Atlético, América e o governo de Minas. Mas, propriedade do América que colocou seu escudo no gramado atrás das balizas e pintou suas arquibancadas de verde. O Galo vai utilizar o estádio durante o tempo que durar a reforma do Mineirão.
           A reabertura do estádio parece ter trazido sorte para os times mineiros. No jogo inaugural o América venceu o Argentinos Juniors por  2 X 1. Estreando em casa, no Campeonato Brasileiro da segunda divisão, o Coelho também saiu vitorioso, 4 X 0 no CRB. E no último domingo o Atlético venceu o Corinthians por 1 X 0.
A antiga praça esportiva foi totalmente demolida, já não restando nada, além dos vestiários, que lembre o palco da vitória dos EE.UU sobre a Inglaterra na Copa de 50, uma das maiores zebras de todos os mundiais. Mas ficou o que me parece ser o mais importante: o nome.
Na verdade seu nome oficial, enquanto foi propriedade do 7 de Setembro era Estádio Raimundo Sampaio, mas ficou conhecido por Independência.
O nome do estádio me agrada pois desde que foi construído o Mineirão, em 1965, todo e qualquer estádio de futebol inaugurado no Brasil, passou a ser alcunhado por alguma coisa terminada em ão. Exceção feita ao Beira Rio, ao Morumbi e ao Serra Dourada. Temos Mangueirão, Frasqueirão, Pinheirão, Barradão, Vivaldão e até o estádio que tem o nome mais poético entre todos os estádios do mundo, o Rei Pelé, eu já ouvi ser chamado de Pelezão. Dos ãos eu só perdôo o próprio Mineirão, por ter sido nomeado assim, espontaneamente, em tom de brincadeira e o Mundão do Arruda por não ser um aumentativo forçado nem copiado.
Você me dirá que os apelidos têm a ver com o fato dos nomes oficiais dos estádios serem fruto dessa mania de homenagear gente detestável ou desconhecida dos freqüentadores de jogos de futebol. Geralmente políticos. Você tem razão. Quem quer se lembrar de Epitácio Cafeteira? Ou Clóvis Bezerra? Ou Eduardo José Farah? Mas não se poderia esquecer essa gente com outros apelidos que não fossem Cafeteirão, Bezerrão ou Prudentão? Aonde foi parar nosso espírito lírico, nossa verve poética, nossa sacra sacanagem?
Isso vai escrito, você me dirá, com pelo menos 40 anos de atraso. E mais uma vez você tem razão. Toda a razão, pois foi na época da ditadura que mais se construiu estádios e mais se cultuou a idiotice. Pensando bem, Castelão, Almeidão e Albertão combinam com o sambão-joia de Benito de Paula e os jurados do Flávio Cavalcanti. Tudo fruto do mesmo pau, da mesma época. Infelizmente a moda do ão não desapareceu junto com as calças boca de sino e o DOI-CODI, assim que o belíssimo estádio construído para os Jogos Pan-americanos do Rio, acabou ganhando o horrível apodo de Engenhão. Por que não Campo do Botafogo, ou Estádio Suburbano? Eu até admitiria Estádio Sogrão ou Estádio Múmia da Central, em nome da avacalhação, mas Engenhão é de lascar. E logo no Rio que estava livre desses nomes por seus estádios terem sido construídos antes do Mineirão. E também por ser o carioca muito criativo e sacana para apelidar, seja lá o que for, sem cair em imitações toscas. Mas se a criatividade andou faltando no Rio, ela passou longe do interior paulista.
Após adquirir o Mogi Mirim Esporte Clube, Rivaldo resolveu homenagear o pai dando ao estádio do time, seu nome. O progenitor do campeão do mundo chama-se Romildo Vitor Gomes Ferreira e o estádio ficou sendo Romildão. Pelo menos para mim, Romildão é pior que Baetão ou Nogueirão e faz concorrência ao Brunão de Santo André e ao Suzanão.
O Independência trás de volta, junto com sua história, um belo nome para um estádio de futebol. Infelizmente nem toda alegria é completa e o estádio já vem sendo chamado de Arena Independência.
Pois é, agora, após qualquer mão de tinta que se dá num estádio, ele é rebatizado como “arena qualquer coisa". Não sei o que difere um estádio de uma arena. Mas a explicação do gosto pelo termo me parece óbvia: é a mania de imitar-se tudo que é feito ou dito no estrangeiro. Se existe o Bayern Arena então é lógico que tenha de existir a Arena Barueri ou a Arena Guanabara em Araruama. Mas tem pior.
Em Chapecó, oeste de Santa Catarina, a Chapecoense mandava seus jogos no Estádio Índio Condá. Sempre gostei do nome, incomum nessas terras que preferem homenagear patronímicos gringos. Mas a atual diretoria, após a mão de tinta e a troca  de uns chuveiros nos vestiários, rebatizou o estádio como Arena Condá. Tiraram o “Indio”, termo demasiado étnico, e adotaram “arena”, mais moderno e internacional na visão de seus provincianos diretores. O provincianismo a que me refiro não é geográfico e sim mental.
Mesmo antes de ser erguido, o estádio do Corinthians já foi batizado informalmente de Itaquerão. O nome medonho será adotado pelos torcedores em substituição ao oficial que terá, após o “arena”, a marca de quem pague mais por ostentar seu logotipo ao lado do emblema mosqueteiro. Teremos então a “Arena Coca-Cola” ou “Arena Casas Bahia” Vão perder, em nome do faturamento, a oportunidade de homenagear Sócrates, um de seus maiores ídolos e símbolo do momento mais importante do clube, a democracia corinthiana. Seria justo e belo que o novo estádio fosse chamado de Sócrates Brasileiro e aí sim, o apelido seria natural e veríamos a abertura da Copa no Magrão.


quarta-feira, 23 de maio de 2012

Música? Pra que?







Domingo passado no Engenhão, o Botafogo venceu o São Paulo por um expressivo 4 X 2. Herrera, que saiu do banco, foi autor de 3 dos 4 gols alvinegros. Os repórteres da Globo se aproximaram do jogador tão logo trilou o apito final: _”Herrera já tem música na cabeça pra pedir? O goleador respondeu interrogando:_Música? Pra quê? O jornalista, que por um momento ficou atônito com o desconhecimento do jogador de seus direitos, explicou:_Você marcou três gols, tem direito a pedir música no Fantástico. Meio constrangido, Herrera ainda balbuciou uma negativa. O repórter insistiu: _Nem em castelhano?  Non, non., respondeu o argentino. Surpreendido, Cléber Machado, que estava na cabine do estádio, querendo consertar a situação e ao mesmo tempo passar um pito no artilheiro, comentou que a torcida cantava o hino do clube. A crítica velada pelo comportamento rebelde de Herrera pôde ser sentida apenas no tom de voz do narrador pois, embora tente, Cléber não é bom de ironias e sarcasmos.
Herrera não é, nem de longe, um extrovertido. Enquanto respondia aos repórteres olhava para o chão e movia-se como um tímido profissional.  Negar-se a participar da tola brincadeira, custou-lhe, mas ainda assim, negou-se.
Caso aceitasse estaria deixando explícito que assiste o programa que turva com sua cretinice as noites de domingo. Deixaria claro que conhece as regras da emissora que mescla o espetáculo esportivo com o show de horrores. Estaria sendo o garoto propaganda da babaquice. Poderia, se fosse um debochado, ter pedido uma sinfonia de Mahler ou o tema de abertura do Chaves mas ele não é, nem de longe, um debochado.
 Herrera pode estar certo que a vingança será saramalígna, como diria Bento Carneiro, o vampiro brasileiro do Chico Anísio. Os repórteres, narradores e outros profissionais da TV dos Marinho, sentem-se como aquele outro personagem do Chico, o Bozó, que dizia para impressionar:_Ó, trabalho na Globo, ó. E mostrava o crachá. Ao não reconhecer o crachá, o emblema, o logotipo, o salvo-conduto desses profissionais, o goleador argentino expõem-se à sua ira que virá, como é praxe entre os pulhas e os covardes, em forma de chacota. E os que se fazem de sérios começarão a descobrir deficiências técnicas, disciplinares e de corte de cabelo no camisa 9 do Botafogo.
 Fico imaginando o que devem pensar os pragmáticos sobre esse tema tão pouco relevante para eles. Sou capaz de apostar que alguém deve ter dito:_Por que não pediu logo “El dia que me quieras” e pronto. Por que afrontar, com uma recusa, os poderes do rei? O que ele ganha com isso?
 Bem, eu diria que ganha dignidade e que alguém tem de dizer ao rei que sua roupa é cafoníssima. Que, em troca de comentários elogiosos, o jogador de futebol não deve fazer sempre o papel de bobo da corte. Bastam as dancinhas e corações. Que os outros (jornalistas esportivos, redes de televisão, emissoras de rádio etc) é que lucram com seu talento e não o contrário.
Há pouco tempo, o bom lateral esquerdo Cortês que então jogava no mesmo Botafogo de Herrera, após realizar uma grande partida pela Seleção Brasileira, foi convidado a participar de um programa esportivo da Globo. Seu entrevistador, Alex Escobar, fez-lhe vários e merecidos elogios. Na despedida, Cortês declarou sua felicidade pelo momento que vivia:_Quarta-feira com a seleção e hoje aqui com o Escobar. Cortês fora previamente convencido que, no mundo da bola, o crítico é mais importante que o artista e estava grato por se lembrarem dele. Sentia-se prestigiado pelo homem da telinha.
Até entendo que o temor de serem avacalhados por comentaristas e palpiteiros leve os jogadores menos sagazes à subserviência. A verdadeira campanha de achincalhe que Renato Maurício Prado promoveu contra Obina e, depois que o bahiano foi embora, transferiu para Deivid, foi de dar medo. Entre risotas, o comentarista que mais ri das próprias piadas, pôs no imaginário do torcedor que ambos os jogadores eram grandes engodos, e quem os contratasse faria papel de tolo. Nossos dirigentes, que demitem treinadores por que as organizadas fazem campanha nas redes sociais, são presas fáceis desse tipo de comentário que pode fechar portas para um atleta.
Acontece que nem sequer a subserviência à poderosa Globo garante imunidade contra as maldades irresponsáveis de jornalistas-capacho que a emissora tem em sua folha de pagamento. O elogio tem de ser mendigado diariamente já que a crítica isenta é tão rara quanto à inteligência na crônica esportiva. Uma negativa de entrevista pode resultar numa avalanche de avaliações negativas sobre as condições técnicas e físicas do boleiro.
Mesmo os fatos não são suficientes para aplacar a crítica corrosiva. Quando Renato Maurício Prado mais se empenhava em achincalhar Deivid, que andava perdendo gols, o flamenguista era, entre os atacantes dos times cariocas, o que mais havia balançado as redes até aquele momento do Campeonato Brasileiro do ano passado.
Não me surpreenderá se a partir de agora os analistas da Globo comecem a ver defeitos indesculpáveis no futebol de Herrera. Talvez ressuscitem seu apelido argentino de “casi gol”, esquecido devido à eficiência que tem mostrado o atacante.
  Torço para que Herrera meta mais três no próximo jogo do Botafogo que a Globo transmitir. Se isso acontecer, o que farão os repórteres de campo? Vão insistir com a estória da musiquinha pro Fantástico? Vão fingir que nada aconteceu? Herrera terá sido convencido pelos dirigentes pragmáticos e idiotas a participar da celebração da imbecilidade? Já veremos.

P.S - O título dessa postagem eu copiei do blog Futebol em debate do meu amigo Marcus Penchel.




segunda-feira, 21 de maio de 2012

Uma CPI só de mentiras







Que os políticos mentem, é fato notório. Não só no Brasil, como pensam alguns brasileiros. Os políticos mentem em todos os quadrantes, em todas as línguas, com todos os sotaques. Há os que mentem sempre e outros que se adaptam ao mundo das mentiras. Mentem para chegar à verdade, mentem para perpetuar-se no poder. Mentem.
Quando acossados por uma investigação, vão além; mentem, choram e falam dos filhos. Isso todos sabemos e portanto já estávamos preparados para um festival de falsidades que viria no curso da CPI do Cachoeira.
O que, pelo menos eu, não esperava é que nessa comissão de inquérito todos mentissem. Não apenas seu réu único, Carlinhos Cachoeira, mas também os que investigam, os que atacam, os que defendem, os que comandam e os que obedecem.
Mesmo antes de ser convocada a CPI, Demóstenes subiu à tribuna do Senado e mentiu negando Cachoeira mais que Pedro a Cristo. No Conselho de ética segue mentindo e certamente mentirá quando depuser na comissão. É sua estratégia de defesa, comprovadamente eficaz em outros casos da mesma ordem. Não lhe cabe outra, qualquer verdade que pronuncie o levará às barras dos tribunais. Do jeito que está levando, virá a cassação e nada mais. Daqui alguns anos, poderá, como Collor e Alceni Guerra, bater no peito e mostrar atestado de inocência. Muitos dos que hoje o acusam, estarão em situação semelhante a que ele se encontra hoje. Assim como outros, que ele acusou no passado recente, são agora seus juizes
Já no primeiro dia da CPI, quando se debatia sobre os requerimentos a serem votados, a mentira mais deslavada tomou conta da comissão. Os convocados para depor foram pinçados com o claro intuito de sacrificar o menor número possível de figurões, de poupar-lhes o vexame público de desmentir o que disseram quando foram gravados em animadas conversas pelo telefone e, depois dos vazamentos, ouvidos por milhões de brasileiros no horário nobre da TV.
Aqui  também está outra mentira. De acordo com o interesse de cada meio de comunicação os vazamentos foram filtrados antes de serem mostrados aos telespectadores e leitores. Na Globo pouco se falou de Policarpo e suas mais de 200 ligações para Cachoeira. Em editorial, o jornal dos Marinho afirmou que Civita não é Murdock como “Carta Capital” publicou em notícia de capa. A revista de Mino Carta é quase que a única publicação a defender a convocação de Policarpo Júnior para depor na CPI. Comparando o dono da Editora Abril com o magnata dos tablóides ingleses, tenta mostrar que tipo de jornalismo está sendo feito entre nós.
Em outra publicação do ítalo-jornalista, a Carta Maior, está num texto sobre a última reunião da CPI, que a polêmica sobre a convocação de Policarpo Júnior para depor está aberta, “com a oposição querendo blindar a grande mídia e o governo insistindo que a CPI investigue todos os envolvidos”. A afirmação é de Najla Passos que assina a matéria.
Ainda que vejamos o relator da comissão de inquérito, que é do PT, rejeitar qualquer tentativa de convocar-se Cavendish ou quebrar o sigilo bancário e fiscal da Delta fora do centro-oeste, a jornalista afirma que o governo quer investigar todos os envolvidos. Esta talvez seja a grande novidade dessa CPI, a imprensa está mentindo mais que os políticos. Quase não há espaço para que os profissionais da farsa atuem.
Em outro episódio, quando foi feito um “puxadinho” para que os parlamentares pudessem ter acesso a documentos que estão sob segredo de justiça, Eliane Catanhede, em comentário para a Globo News, falou que estavam escondendo as informações, como se o segredo de justiça fosse determinado pela comissão, como se aquele fato fosse algo anormal numa investigação. Embora Catanhede nem de longe possa ser levada a sério como jornalista, me recuso a crer que ela possa ser tão burra. O segredo de justiça é instrumento legal que existe em qualquer lugar onde vigore o estado de direito. Sua finalidade não é esconder os fatos da população, mas evitar que as investigações sejam prejudicadas. Claro que todos aqueles que cometem crimes de colarinho branco, usam desse e outros artifícios para esconderem-se do julgamento público. A cheirosa jornalista não desconhece os ritos processuais, está apenas a serviço dos interesses da grande imprensa para quem presta serviço.
As "famiglias" da informação tratam de blindar Policarpo Júnior falando em cerceamento à liberdade de imprensa, enquanto quem o acusa e quer vê-lo depondo, é Fernando Collor de Merda, o filho de Geppeto. O engraçado é que “Carta maior” comentando as intervenções de Collor na CPI e sua tentativa de aprovar um requerimento para que Policarpo deponha, cita-o como se tratasse de alguém que preste. Sem aspas nem restrições. Mas tem pior.
Na última sexta-feira um cinegrafista do SBT virou sua lente para o celular do Deputado Vaccarezza  do PT que trocava mensagens de texto com o governador Sérgio Cabral Filho, amigo íntimo de Cavendish. No texto, diz Vaccarezza:_ “A relação com o PMDB vai azedar na CPI. Mas não se preocupe, você é nosso e nós somos teu (sic). Flagrado, Vaccarezza não desmentiu, disse apenas que era uma troca de mensagens entre amigos. Nem precisava dizer. A assessoria do Governador não havia comentado o episódio até o momento em que escrevo. Melhor assim, pois vindo do Palácio Guanabara, qualquer comentário serviria apenas para aumentar o rol das mentiras. É de praxe. Por sua vez, Vaccarezza soltou nota negando que haja blindagem de quem quer que seja e que Cabral está acima de qualquer suspeita pois não foi citado nas conversas de Cachoeira.
Dessa vez “Carta maior” preferiu a omissão e em sua página o assunto não existe. Nem a filmagem do SBT nem a nota do Deputado O sítio informativo assim entra de vez no clima da CPI para a qual não existem as imagens de Sérgio Cabral Filho em Paris ao lado de Cavendish comemorando o aniversário da mulher, não existem os contratos milionários do Governo do Estado do Rio com a Delta, não existem as gravações dos telefonemas de Cachoeira para Perillo e deste para o contraventor, não existem as mais de 200 citações do nome do Governador de Goiás nas conversas mantidas entre Carlinhos Cachoeira e seus asseclas, não existe nada suspeito nos contratos das empresas de Cachoeira com o Governo do Distrito Federal. Como nada disso existe, a convocação dos governadores para depor não se faz necessária. Segundo informa “Carta maior”, a convocação foi “sobrestada” e será tema para a próxima reunião administrativa. O eufemismo chega a ser cômico.
A diferença entre a imprensa de direita e a outra, que se diz de esquerda, é que a primeira sacrifica logo alguns bois pras piranhas para evitar perdas maiores entre seus sócios, enquanto “Carta maior” e outros sítios informativos alinhados com o governo tentam salvar as aparências e não dizem claramente que políticos de todos os partidões comeram na mão de Cachoeira.
É quase certo que uma investigação que tivesse como alvo a Delta e não só o contraventor goiano, acabaria chegando em algum ministério, e não só dos que foram loteados, mas, possivelmente, alguma pasta administrada pelo PT. É o que espera a imprensa golpista e a oposição sem discurso. Mas se aquela ainda nutre esperança de fazer o enorme escândalo roçar a figura da Presidenta Dilma, a oposição de direita já se divide de acordo com interesses inconfessáveis. Na última quinta-feira, isso ficou claro quando os deputados Francisquini e Carlos Sampaio apoiaram as decisões do presidente da CPI, Senador Vital do Rego, que insiste em não quebrar o sigilo fiscal da Delta em todo país e deixar para depois uma possível convocação de governadores, os senadores Álvaro Dias e Cássio Cunha Lima votaram contra. A discórdia entre os tucanos surpreendeu até gente da base aliada.
A divisão da oposição não tem como base nenhuma questão ética. Trata-se apenas de senso de oportunidade; uns achando que é melhor ir devagar e com cautela enquanto outros ainda tentem se cacifar melhor para o acordão que, pelo andar da carruagem, parece inevitável.



  


sábado, 19 de maio de 2012

Simpatia é quase amor.







Uma das poucas pretensões que cultivo na vida está a de ser um brasileiro típico.  Isso porque me identifico com todos os defeitos e qualidades de nosso povo. Quais? Não saberia dizer. Na verdade não sei distinguir o que é uma coisa ou outra. Por exemplo: a simpatia. Não o fato de sermos simpáticos aos outros povos ou não. Refiro-me ao sentimento. Sentir simpatia é um atributo do brasileiro. Seria este atributo bom ou mau? Defeito ou qualidade? Não sei. Ademais que dele se desdobra a antipatia e a empatia.
A simpatia e seu reverso podem ser fatores de distorção da razão quando, baseados exclusivamente nelas, fazemos o julgamento de pessoas e fatos. Mesmo a vertente que nos soa, como brasileiros, inequivocamente boa, a empatia, tem seu lado obscuro quando com nossos muitos defeitos nos colocamos no lugar de outros defeituosos, perdoando-lhes muitas vezes atos que seriam imperdoáveis para quem tem o espírito mais puro ou maior quilate de raciocínio.
Mas o que vou fazer? Sou levado por simpatias. Uma fisionomia agradável, uma voz bem modulada, uns olhos derramados, me levam a sentir uma proximidade com a pessoa que possui esses dons naturais ou cultivados. Acho que mesmo com a mulher amada com quem depois caminhamos todos os caminhos, a simpatia veio antes do afeto, da paixão, do desejo.
Acontece que nem sempre, ou quase nunca, podemos pôr a prova nossas emoções primeiras. No nosso mundo de imagens alimentamos sentimentos por quem jamais conhecemos ou conheceremos. Vemos as pessoas na televisão, escutamos seus pensamentos expostos de improviso em entrevistas, colhemos seu sorriso de alegria ou seu esgar de desprezo detrás de uma tela e fazemos julgamentos. No meu caso, por simpatias.
Tenho certeza que perco mais do que ganho usando de critério tão pueril, mas como disse, sou um brasileiro típico que acredita nos instintos mais que no estudo da personalidade e que tem por dístico a frase:_”Esse, nunca me enganou”
O engraçado é que em política esse modo de julgar por simpatias tem-se mostrado eficaz, pelo menos, para mim. Contrariando as entranhas, já tentei suportar José Dirceu, Marta e Eduardo Suplicy, Lupi e outros, e só desisti quando os fatos confirmaram as antipatias.
Mas tem o Gurgel. Desde que assumiu a Procuradoria Geral da República, o tenho visto nas sessões do Supremo. Sua gorducha figura, sua voz pausada, seus pareceres claros, fizeram com que eu simpatizasse com ele. Não digo que o convidaria para umas cervejas, Gurgel não parece ser homem que pare para uma gelada, mas certamente o cumprimentaria no elevador.
Agora aparece o caso da Operação Vegas e sinto que meu critério de julgar por simpatias está enferrujando. O que se diz sobre o comportamento do Procurador, é grave. Acusam-no de sentar-se sobre o trabalho feito pela Polícia Federal e não fazer, como é de sua competência, as devidas denúncias, junto ao Supremo, do envolvimento de políticos citados nas investigações. Sua esposa, a subprocuradora Cláudia Sampaio, agindo sob seu comando, teria também arquivado processos referentes à Operação Vegas, segundo ela, por pedido da própria Polícia Federal. A PF desmente, em nota, tal pedido. Gurgel, que recusou convite para depor na CPI, vai agora prestar informações por escrito.
Como simpatia é quase amor, tento defender o Procurador e Senhora junto à corte dos meus botões. Segundo noticiou o “Congresso em foco”, o casal teria arquivado 30 processos contra políticos nos últimos 4 anos. O número não me assusta, afinal 7,5 processos por ano não é lá grande coisa. Existem muitas denúncias que redundam em processos que tem óbvia motivação política. Basta lembrar o caso do simpático senador Capiberibe que acumulou processos movidos por seus adversários no Amapá quando governava aquele estado. Muitos desses processos, que correram no Tribunal de Justiça do Amapá, eram totalmente ridículos e foram parar nos arquivos com justa razão. Além do mais, nossa classe política adora usar dos meios legais como forma de vingança pessoal e para paralisar medidas, muitas vezes saneadoras, de seus adversários no poder. O Procurador fala em revide dos mensaleiros que serão julgados esse ano e que tentam desacreditá-lo.  Ainda assim o casal Gurgel precisa se explicar.
Do outro lado da moeda está o Senador Fernando Collor de Merda por quem nutro a mais pura das antipatias desde antes de sua posse como presidente.
Na última reunião da CPI, Collor bateu-se pela convocação do jornalista Policarpo Júnior para prestar depoimento na comissão. Teve verdadeiros chiliques de menino mimado por não ter seu requerimento acolhido pela mesa. Claro que sua  fantasia de caçador de marajás já não é tão vistosa como antes. O tempo fez-lhe estragos e pelos buracos que as traças deixaram, vê-se a vingança, insidiosa e urgente. Em sua mente infantil, Collor crê que a imprensa foi culpada pela sua renúncia, não seus malfeitos. Agora quer vingar-se. Quanto ao mérito do requerimento, ainda que me retorçam as tripas ao admiti-lo, Collor tem razão. Policarpo através de sua revista, possibilitou que a quadrilha de Cachoeira pudesse eliminar a concorrência e instalar em postos chaves gente de sua confiança. Os furos de reportagem obtidos por “Veja” durante o período em que teve Carlinhos Cachoeira como fonte, nada mais são que a estória da ascensão do contraventor.
Contrapondo-se a Collor, a Senadora Kátia Abreu viu no requerimento uma tentativa de cerceamento da liberdade de imprensa. A antipática porta voz do latifúndio disse que o jornalista deve buscar a informação nem que seja no inferno. Como se vê o critério de ética jornalística da Senadora precisa de reparos.
Também merece reparos o sítio informativo Carta Maior que ao referir-se a Kátia Abreu chamou-a de “musa da bancada ruralista”. Ora, sei que não posso falar em nome dos proprietários das capitanias hereditárias, mas tenho certeza que eles devem pensar que uma cabritinha jeitosa ou uma bezerrinha simpática é mais musa ruralista que a Senadora do Tocantins.
      

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Pouca TV pra tanta igreja







Quando começaram os debates sobre a implantação da TV digital no Brasil, pude acompanhar as audiências públicas promovidas pela Câmara dos Deputados. De pouco me valeu. A terminologia usada por todos que falaram foi muito técnica. Ainda assim pude assimilar alguns conceitos e informações.
Soube, por exemplo, que a tecnologia digital possibilitará que uma emissora que hoje opera um canal, possa operar mais 3 ou 4 na mesma freqüência. (Não sei se o termo correto é esse) A falta de mais informação sobre o tema deriva do fato de que são os meios de comunicação os principais interessados, não lhes convindo democratizar a discussão. Como existe um monopólio das comunicações no Brasil, com poucas famílias dominando TVs, emissoras de rádio, jornais e sítios informativos na internet, o assunto é alheio à quase toda a população.
A outorga de concessões para operar rádios e TVs no país é tratada, mesmo pelos que dominam a matéria, como uma caixa preta. Segundo entendi, ninguém entende os critérios usados para se entregar a esse ou àquele interessado, o direito de explorar as comunicações de massa no Brasil. E quem já acompanhou as sessões do legislativo quando são votadas as concessões ou suas renovações, sabe da ligeireza com que é tratado o assunto. Em poucos minutos, Suas Excelências decidem pela aprovação de dezenas de pedidos sem que haja nenhuma discussão. 
Das audiências públicas que assisti fiquei com a impressão de que a única coisa boa que poderá vir da nova tecnologia, além da imagem sem chuviscos, é o aumento do número de canais. Mas se eu fico contente com isso, imagine os pastores evangélicos! Sim, pois já está faltando espaço nas TVs de aluguel para sua rapinagem. Há pouco tempo, Waldemiro conseguiu tirar de Malafaia um horário de grande audiência na RedeTV, o que fez o inimigo dos gays ter chiliques em seu programa matinal dos sábados.
Mas não só os tubarões da tele fé estão na disputa por faixas de programação. Novas seitas surgem como cogumelos depois da chuva e há pouco mais de um mês entrou na briga pela audiência, e seu dízimo, uma nova denominação pentecostal: a “Igreja da fé renovada em Cristo”. Seu líder, o Bispo Roberto de tal, é um homem de quase dois metros de altura que faz voz doce e sorri com ternura infantil enquanto pede sua doação, seu dízimo, sua oferta. No carnê de sua “igreja” está escrito: “o ano da colheita” ao lado de espigas de trigo. Terá sido traído pelo subconsciente quem o desenhou? Não sei. O que fica claro é que o “Bispo” Roberto está colhendo seus milhões através do programa que vai ao ar na RedeTV as duas da tarde e duas da manhã.
Roberto ainda é tosco, sem as “sutilezas” de um R.R Soares ou de um Malafaia. Em seu programa, os únicos versículos bíblicos citados são os que tratam de dar, doar, ofertar. Outros sofrem livre interpretação do “bispo”. Palavras como: semear, colher, plantar, servem como provas da necessidade, da obrigatoriedade do ofertório. O dinheiro que ele pede, roga, implora aos fiéis telespectadores é para custear o programa de TV que tem como finalidade pedir, rogar, implorar por dinheiro para manter no ar o programa para que ele possa pedir, rogar, implorar por dinheiro para não tirar do ar o programa que...
Como disse, Roberto ainda parece cru no ofício de arrebanhar fortunas. Sem embargo não podemos lhe negar certa inovação no gênero. Por exemplo: Seu programa é o único que conheço que tem um puxadinho. Sim. Num quartinho, separados por uma cortina do espaço principal do estúdio, estão alguns pastores da Igreja da fé renovada em Cristo. Roberto dá a deixa para sua participação dizendo:_Não é pastor fulano? _Sim bispo Roberto, responde um homem pequeno, gorducho e sempre suado, cujo pescoço é pouco para colarinho e gravata. E enquanto fala das coisas do céu e da terra (mais terra do que céu), outros membros da seita, postados em torno de algo que parece representar a arca da aliança (ou será o baú da felicidade?) tendo as mãos com as palmas voltadas para cima, apertam firmemente os olhos fechados e movem os lábios em oração. De repente o homem desprovido de pescoço, num arrebatamento, começa a falar em línguas. No auge de seus alabaias é interrompido por Roberto que bota ordem no pagode e recomeça sua arenga arrecadadora. Acontece o mesmo todo dia.
Outra inovação da Igreja da fé renovada em Cristo, são as telefonistas que estão no estúdio como se fossem atendentes de telemarketing. Uniformizadas, elas recebem as ofertas que estarão sendo encaminhadas para o bolso do “Bispo”.
 Enquanto ensina como depositar as ofertas e pagar o carnê através da rede bancária, Roberto ameaça abrir 100 “igrejas” em um só estado da federação.
Ele, que é carioca, fez carreira em São Paulo e já pregou em Angola. Deus, que manja de economia, crescimento do emprego e bolsa família, mandou que Roberto voltasse ao Brasil para a colheita. Isso ele disse encarando a câmera com a qual contracena como um repórter policial do Datena. Muitas vezes durante o programa, pede close up e desafia os telespectadores para que olhem no seu rosto e digam se ele tem cara de quem os está enganando. Numa dessas, não agüentou e riu com alguma gracinha que lhe sopraram pelo ponto eletrônico. Você acha que é muita desfaçatez? Pois tem pior.
Tem a Igreja Templária. Não sei em que dia e canal o programa dos templários vai ao ar. Creio que foi num fim de semana que vi a encenação. Quando liguei a TV, o programa já ia pela metade e o pastor de almas estava no auge de sua “pregação”, exigia as ofertas e doações sob pena de seu programa não poder mais ser exibido. Não me lembro se os templários são adeptos dos carnês. Têm sim, muitos papeizinhos. Num deles, após oferta, o crente escreve um pedido que segundo o homenzinho que comanda o programa, deve ser algo próximo do impossível para os terrenos esforços. Dava exemplos:_ “Uma casa ou um carro que você quer vender”. E eu pensando que os classificados do Estadão resolviam essas coisas. Que nada.
O homenzinho, do qual não guardei o nome, não faz seu programa em pé como Roberto ou Waldemiro. Prefere estar sentado atrás de uma mesa onde repousam os papeizinhos. E também trás inovações. Em outro papel em forma de questionário, o crente responde a 23 perguntas e tem o direito de fazer mais 3, que o reverendo repassará à Deus e enviará a resposta pelo correio ou meio eletrônico.
Ao contrário de outros pastores, bispos, missionários e profetas, o homenzinho da “Templária” não pede, choramingando, sua oferta, seu dízimo. Ele exige. Olha para a câmera, iracundo, e exige que os fiéis financiem seu programa de televisão. Sua tática de obtenção de recursos se espelha nos programas de televendas. Quando você pensa que acabou a ladainha, a coisa volta ao início e os papeizinhos são novamente exibidos e explicados como nas propagandas daqueles aparelhos milagrosos de ginástica.
Mas a maior inovação do homenzinho da “Templária” está na sua maneira de abrir novos templos. Ele pede aos fiéis que aluguem espaços em suas cidades para que ele monte novas sedes e promete mandar mobiliário e pastor além do dinheiro do aluguel. Se Waldemiro e Marcelo Rossi estão devendo IPTU em São Paulo, imagine o que vai sobrar para o crente que puser seu nome no aluguel desses locais para a “Templária”!
O fato é que quando tomamos conhecimento de gente como o “Bispo” Roberto e o homenzinho templário, eles já estão na televisão cujos espaços são vendidos por centenas de milhares de reais. Dependendo do horário, milhões. A nova tecnologia digital, possibilitando um maior número de canais, talvez faça cair o preço da locação e  novas seitas tenham acesso ao bolso dos crentes. Pois disso se trata.
Os horários, comprados a peso de ouro pelas seitas, já não visam pregar o evangelho nem salvar almas da condenação eterna. O domínio dos meios de comunicação é apenas uma parte dos negócios multimilionários que incluem mega templos, jornais, rádios, gravadoras e venda de quinquilharias que está transformando os donos de seitas em poderosas figuras políticas intocáveis pelas leis.
Na inauguração, dia 1º de janeiro último, do imenso templo que Waldemiro fez construir em Guarulhos, estavam presentes o Prefeito da cidade e o Governador Alkimin com família e tudo. O Governador que, segundo dizem, é membro da Opus Dei, orava fervorosamente na casa grande de Waldemiro. Pouco tempo após o evento de inauguração, que reuniu mais de 450 mil fiéis e engarrafou a Dutra, o prefeito, antecipando-se à medida judicial que seria tomada, cassou a licença de funcionamento do templo por não contar com as autorizações do corpo de bombeiros relativas à segurança. Ainda assim, Waldemiro promoveu lá, uma vigília de fiéis desrespeitando a ordem da prefeitura.
Em ano eleitoral, quem vai peitar o homem que está desbancando a Universal em número de templos e seguidores? Waldemiro tem mais tempo na TV que todos os partidos juntos terão no horário eleitoral gratuito. Vai encarar?







segunda-feira, 14 de maio de 2012

Nava







Era uma época em que uma linha telefônica podia custar a metade de um apartamento. E era preciso declarar no imposto de renda a posse de um número. A imensa maioria da população não tinha telefone e usava os orelhões que se espalhavam pelas ruas das grandes cidades. Os cartões magnéticos ainda não existiam e as fichas telefônicas eram vendidas em bancas de jornais e pelos camelôs. Celulares nem nos filmes de ficção científica. Pra longe, mandava-se carta, pra perto, recado.
Foi num dia quente desses tempos remotos, que eu recebi de minha tia, com quem morava, um recado de minha mãe dizendo que queria falar comigo e que a procurasse no seu trabalho no dia seguinte. Eu vivia a pouco tempo no Rio e minha ocupação era ir à praia, fumar maconha e paquerar, portanto aquela necessidade de ter de fazer algo antes de pisar na areia me chateava. Alem do mais o que queria a velha? Alguma reprimenda, na certa.
No dia seguinte tomei o ônibus para ir a Ipanema pensando no grande drama de ter de baixar antes em Copacabana para saber o que queria D. Neusa. No meio do caminho o dia deu em nublado, como diria o poeta, e eu nunca gostei de praia com nuvens. Sigo assim. Só vou à praia com promessa de sol constante e de rachar mamona.
Desci próximo à Paula Freitas onde minha mãe estava exercendo seu ofício de costureira a domicílio. O apartamento onde trabalhava era de um dos Magalhães Pinto, creio que Eduardo Magalhães Pinto. Desde Belo Horizonte minha mãe trabalhava para eles e agora, que nos mudáramos para o Rio, ela fazia os consertos de cortinas ou algo assim nesse apartamento que a rica família mantinha na cidade. Entrei pela entrada de serviço como competia, não só por ser filho de serviçal como por estar de sunga e sandálias de dedo. Nesse tempo eu só levava à praia minha esbelta pessoa. O dinheiro da passagem era amarrado no cordão da sunga e as moedas ficavam também no calção. A chave de casa eu levava atada ao pescoço como medalhinha de santo. A camiseta, pendurada no ombro,era só para fazer figuração. Toquei a campainha e minha mãe veio abrir-me a porta. Na verdade ela não queria nada de especial e nem sequer perguntou se eu já arranjara algum emprego. Era só para ver-me a cara.
No apartamento estava só minha mãe, os banqueiros estavam em Minas e a arrumadeira saíra. Com a cara de pau característica dos muito jovens, resolvi inspecionar o local. A cozinha e demais dependências de serviço eram maiores do que qualquer lugar onde eu havia morado. Fui adentrando pela copa e salas repletas de móveis. Em cada uma delas, poltronas, divãs e sofás suficientes para mobiliar todos os inúmeros apartamentos conjugados em que eu já vivera. E uma biblioteca. Como as dos filmes. Uma enorme escrivaninha com várias gavetas de diversos tamanhos. Lâmpadas, luminárias e abajures. Altíssimas poltronas de couro e uma parede repleta de livros do teto ao chão. As lombadas dizendo títulos e nomes em dourado. Se a memória já não confundiu esta com outras bibliotecas que vi, havia de tudo ali. Obras completas, coleções, poetas, romancistas, ensaístas, cartografia, história. Maravilhas para anos de leitura.
Sobre a escrivaninha, um volume em encadernação original da editora. Tomei o livro, li a orelha e soube que se tratava de obra de memórias e que o autor era meu conterrâneo. Estava no Rio não fazia nem um mês mas minha mineirice já andava saudosa das montanhas alterosas e da conversa de minha gente, assim que resolvi levar o livro emprestado por umas horas sob os protestos de minha mãe. Mas mãe a gente enrola.
Chegando à praia fiz um travesseiro de areia que cobri com a camiseta e depois de olhar umas bundas comecei a ler. Era o segundo volume das memórias de Pedro Nava: “Balão cativo”. Durante horas estive preso à leitura do que depois eu saberia ser uma das mais brilhantes obras de memorialística em língua portuguesa. Nesse volume Nava narra, entre outras coisas, seu internato no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro. Essa passagem pelo educandário carioca e a descrição de suas primeiras impressões do Rio, dos anos 10, é o que mais lembro desse primeiro encontro com o escritor.
Como naquele dia as horas passaram muito rapidamente e o céu prometia uma daquelas chuvaradas de fim de tarde, resolvi ir embora. Passei por Copacabana e devolvi o livro ao lugar de onde o havia retirado. Deve ter ficado um pouquinho de areia no meio das páginas. Nada de mais. Somente anos depois pude retomar a leitura graças a um dos maiores inventos da humanidade: a biblioteca pública.
          Apesar de ter lançado seu primeiro volume de memórias em 72, foi em 76 que tomei contato com Pedro Nava. Em 78 “Baú de ossos” já estava na 5ª edição, “Balão cativo” na 3ª e “Chão de ferro na 2ª. Nesse ano foi lançado “Beira mar” que foi seguido de “Galo-das-trevas” de 81 e “O círio perfeito” de 83.
 Além dos elogios unânimes da crítica, Pedro Nava, com suas memórias, também colecionou desafetos. Alguns familiares não gostaram da maneira como foram retratados seus antepassados e médicos se molestaram pelas opiniões que Nava tinha sobre a profissão que exerceu com brilhantismo. Num dos volumes das memórias ele advoga que médicos deveriam pertencer às classes médias da população. Não compactuava com o mercantilismo da medicina.
Já estava “íntimo” do autor quando um dia, voltando da casa de um amigo que vivia na Glória , parei no “Amarelinho” para um chopinho. Como o dinheiro só dava para um único chope, não busquei mesa e fui direto ao balcão. Lá estava Pedro Nava tomando o que parecia ser um uísque. Não resisti e disse-lhe:_ Boa noite Dr.Pedro. Ele sorriu com os olhos e acenou levemente a cabeça. Entendi que aquele sorriso significava:_Olha, eu fui simpático com você mas não me encha o saco. Não enchi. Juro. Apenas demorei um pouco mais em beber o chope. _Quem sabe se ele não puxava uma conversa? Não puxou.
Hoje, tenho em meu poder apenas o quinto e o sexto volumes da obra magistral e na lembrança as horas de puro prazer que tive enquanto a lia.
Quando morreu Pedro Nava eu estava na Argentina. Na volta, soube da triste notícia. Tive, acima de tudo, um sentimento de frustração por não poder mais acompanhar, através de seus relatos, sua trajetória pela vida, longa e rica. Depois fui morar na Lapa e tinha minha barraca de camelô em frente ao relógio da Glória. Toda vez que o olhava, me lembrava da foto que adorna a contracapa de “Galo das trevas”, o quinto volume de suas memórias, na edição da “José Olímpio”.
Outro dia, vi a chamada de um programa sobre literatura que passa na TV pública e entre as obras que seriam comentadas, estavam as memórias de Pedro Nava. Pelas capas, vi que se tratava de nova edição e me veio a certeza que estes volumes terão uma edição para cada geração que certamente irá se maravilhar não só com a beleza do texto, mas com a profunda carga humana neles contida. Ademais de mestre na língua portuguesa, Nava é um cultor da verdade, histórica e íntima. 
Da obra de Nava disse Raquel de Queirós que “é livro para mexer com a alma, o coração e a inteligência, com as vísceras nobres do peito e as circunvoluções da cabeça”.Portanto, se você ainda não leu Pedro Nava, aproveite a nova edição para conhecer o que há de melhor na memorialística em língua portuguesa.
Não posso terminar sem citar uns versos que Olavo Drummond dedicou a Nava num poema intitulado “Canção a Pedro Nava” que abre o “Galo-das-trevas” e começa dizendo:

                            Pedro Nava
                            Doutor Pedro
                            Dos tempos bons das Gerais
                            Pedrinho de Juiz de Fora
                            Por que somente agora
                            Franqueaste os teus bornais?



E termina:


                                     Obrigado, Pedro Nava,
                                     Em nome de tudo mais
                                     Das virgens belorizontinas
                                     Das Deusas belorizontais!...

                            


domingo, 13 de maio de 2012

Placar






Minha mãe trabalhava fora. Às vezes deixava comida pronta para que esquentássemos na hora do almoço, outras vezes deixava dinheiro para que comprássemos nossas refeições. Era como dava. Alguns dias não era nem uma coisa nem outra.
Uma vez por semana eu deixava de usar a grana para comer e comprava a revista esportiva Placar. Aos 13 anos eu havia assistido a maior seleção que o mundo viu jogar ser Campeã do Mundo no México. Assim que o ano de 71 me encontrou vivendo uma dessas paixões que só são possíveis nessa idade. Como se isso fora pouco, em dezembro daquele ano, meu time sagrou-se o Primeiro Campeão Brasileiro da história.
Durante uns 3 ou 4 anos fui leitor assíduo da publicação que era a única especializada naquela época. Todavia lembro de fotos, matérias e manchetes como se houvesse folheado ontem a revista. Uma dessas matérias que me emocionou muito tinha por título:_”Tirem a última gaze” e contava a história de um goleiro que após um choque com o adversário perdera parcialmente a visão. Outra matéria que mexeu comigo por contar um fato ocorrido naqueles dias, era sobre o valente atacante Roberto do Botafogo e da Seleção campeã de 70. Roberto rompera o tendão de Aquiles e seu futuro no futebol era incerto. Não lembro do título da matéria mas sim de um requadro no canto da página cujo cabeçalho soava como um mau augúrio para o camisa 9 alvinegro:_”Calvert nunca mais”. Em poucos parágrafos citava o caso do jogador que tivera lesão igual à de Roberto e não mais pudera exercer sua profissão.
A revista também publicou várias séries de reportagens das quais duas ficaram marcadas em minha memória. A primeira era sobre grandes times da história. Um dos relatos contava a tragédia que vitimou os jogadores do Torino quando o avião que os transportava caiu matando toda a equipe. A outra, que li com o coração na boca, falava do Dínamo de Kiev que durante a 2º Grande Guerra enfrentara o time das tropas alemãs que ocupavam a Ucrânia e pagaram com a vida pela ousadia de derrotá-los. Anos depois li a mesma história num texto de Eduardo Galeano que, se não me engano, foi publicado no Pasquim e confesso que preferi o relato da revista ao tom demasiado derramado do escritor uruguaio. Mas o mais decepcionante dessa narrativa de valentia e resistência é que talvez o episódio nunca tenha acontecido.
Já finda a guerra fria, assisti uma reportagem que afirmava que tudo não passara de invenção da máquina de propaganda de Stalin. E para tingir com tons ainda mais dramáticos, o autor da matéria dizia que os jogadores daquele time tiveram de sumir nas imensidões da União Soviética e nunca mais puderam jogar futebol para não desmentir a história heróica.
Esta versão é verossímil pois já não havia o inimigo comunista para ser fustigado pela imprensa ocidental, porém, contra todas as evidências, prefiro a história dos valentes operários ucranianos mortos num barranco, ainda de uniformes.
Outra série que ainda me lembro bem, foi uma extensa entrevista com Almir que saiu em capítulos. O Pernambuquinho abriu o verbo e falou do acontecido na final do Campeonato Carioca de 66 quando jogava pelo Flamengo e promoveu o maior quebra pau para melar a conquista do Bangu, no melhor estilo argentino. Contou por que desprezou a Seleção. Disse das ameaças que fazia a outros jogadores antes mesmo de começarem as partidas e citou nomes dos que afinavam. Mas o que mais me chamou a atenção foram os casos de doping por ele relatados. No Santos, segundo ele, rolava solto. Antes dos jogos o massagista distribuía umas laranjas que já vinham batizadas, todos sabiam, ia na onda quem queria.  Que me lembre, ele só livrou a cara de Pelé. Ainda segundo Almir, no jogo decisivo, do Mundial Interclubes contra o Milan, ele jogou doidão. 
Poucos meses depois que essa entrevista saiu na revista, Almir morreu assassinado na Galeria Alasca, em Copacabana.
No Jornal do Brasil, João Saldanha, que admirava Almir e o tinha como um valente, escreveu no dia seguinte à morte do Pernambuquinho, belíssimo artigo que terminava dizendo que Almir morrera como vivera; lutando. Confesso que as histórias de Almir por ele contadas na entrevista à Placar e outras que dele contavam, nunca fizeram com que eu o admirasse. História de valentia para mim é a do Dínamo de Kiev seja ela verdadeira ou não.
Alguns jogadores dessa época eu devo ter visto jogar uma ou duas vezes ou talvez só tenha lido sobre seus feitos na Placar e colecionado suas fotos que ocupavam as páginas centrais da revista. Não havia tanto futebol na televisão. Ainda assim, tenho vivas recordações de seus gols e passes.
Lembro do grande Enéas que brilhou na Lusa e do pequeno Givanildo, mandando no meio campo do Santa Cruz. Baiaco com a 10 do Bahia. Lola o brilhante atacante do Galo que, no ano de nossa maior conquista, havia marcado 6 gols nos 4 primeiros jogos do campeonato mas quebrou a perna, só voltando a atuar no jogo do título contra o Botafogo. Alberi do ABC de Natal. Jairo, o grande goleiro do Coritiba que foi o primeiro goleiro negro a vestir a camisa da Seleção, depois de Barbosa, passados mais de vinte anos. São muitos.
Dos que ainda são lembrados por terem jogado nos times de maior prestígio, só vou citar Ademir da Guia. No pôster que Placar publicou com os ganhadores da Bola de Prata de 71, estava ele, posando para a típica foto de time; os defensores em pé e os atacantes acocorados na frente. Todos estão com suas roupas de passeio à moda dos 70.
O Divino foi um dos maiores jogadores de futebol que vi jogar e certamente o mais elegante. Já naqueles tempos, os idiotas da objetividade diziam que ele era lento. Lento era o raciocínio de muitos críticos.
Lembro-me de um jogo em que odiei Ademir. Foi em São Paulo. O Atlético enfrentava o Palmeiras pelo Campeonato Brasileiro de 72. Jogo parelho até que os esmeraldinos fizeram seu gol. Daí em diante ninguém mais jogou. Só Ademir. Tomou conta da bola, do jogo. Desfilou sua enorme categoria. Fez o que quis.
Ademir, que não fora chamado para integrar a Seleção de 70, vestiu a amarelinha em apenas um tempo contra a Polônia na disputa pelo terceiro lugar da Copa de 74. Foi substituído no começo do segundo tempo por Mirandinha. Um desperdício de talento.
Tudo que lembro daquela que foi uma das épocas de ouro do futebol brasileiro, tem um pouco da Revista Placar que eu comprava mesmo tendo que sacrificar o almoço. Hoje com todos os recursos tecnológicos e dezenas de jogos passando ao vivo pela tv, a existência de uma revista semanal de futebol ficou inviável e Placar publica agora uma edição mensal. Nunca mais a li, prefiro ficar com a emoção das tardes de terça-feira de minha adolescência. Assim como nunca mais vou sentir a emoção de entrar pela primeira vez no Maracanã, creio que tampouco vou ler sobre futebol com a mesma paixão com que lia Placar de barriga vazia.

sábado, 12 de maio de 2012

Isaac Bashevis Singer






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Li uma vez no Pasquim, uma matéria falando de traduções. O texto, bem humorado e melhor escrito, citava um dito italiano:_Traduttore, traditore e discorria sobre as traduções mal feitas e os equívocos provocados pelo descuido dos que exercem essa faina. Mal lembro dos exemplos mencionados, mas o jogo de palavras, sonoro e categórico, ficou-me no íntimo.
Talvez pelo despeito de ler apenas o português e o castelhano, a cada obra traduzida que me cai nas mãos, eu fico tentando adivinhar as qualidades do tradutor que, pelo geral, não conheço.
Li “Os trabalhadores do mar” de Vitor Hugo, numa tradução de Machado de Assis, o que para mim representava uma chancela, mas quando li “Os miseráveis”, o nome de Carlos dos Santos não me parecia tão confiável e só depois de envolver-me com as vicissitudes de Jean Valjean é que pude me livrar da tola desconfiança. Era o dito gracioso que metia sua verruma nos meus prazeres.
Ainda hoje carrego muito do aforismo italiano e poesia estrangeira não leio de maneira nenhuma pois me parece que traduzir poesia é algo impossível. Seria como traduzir suspiros ou bocejos. Sei que erro, e os exemplos de boas traduções poéticas estão aí para merecer elogios de quem conhece outros idiomas e pode julgar.
Muita coisa, deixei de ler à espera de poder fazê-lo no único outro idioma que conheço alem do pátrio. Assim que sou virgem em Cervantes. Outras vezes rejeitei obras fundamentais da literatura russa por encontrá-las traduzidas do inglês e se não fosse o instinto e o hábito de ler orelhas e contracapas, eu não teria conhecido Kenzaburo Oê que, assim como Mishima, só é encontrado em traduções de traduções. As informações sobre Oê e sua obra me fez romper com meus preconceitos e pude assim apreciar a beleza de sua narrativa. É estranho que com tantos japoneses e seus descendentes vivendo no Brasil, os grandes nomes da literatura nipônica não sejam traduzidos diretamente para o português.
Com Isaac Bashevis Singer foi tudo diferente. Do que conheço de sua obra, li quase tudo em castelhano. O engraçado é que ele escrevia em yiddish embora vivesse há décadas nos Estados Unidos e publicasse naquele país. Participava pessoalmente da tradução para o inglês mas só escrevia no dialeto de sua gente. Uma vez lhe perguntaram o motivo disso, e ele respondeu que poderia aparecer algum fantasma  judeu da Europa e perguntar:_ O que há de novo pra ler?
Já nos primeiros contos de Singer que li, fiquei maravilhado com sua escrita. Passei aos romances e novelas e quando já sentia saudades de seus relatos veio cair em minhas mãos um pequeno livro de contos editado pela Editotial Bruguera  de Barcelona.
Dezesseis contos compõem o volume entre eles Yentl, que foi levado ao cinema por Barbra Streisand, em forma de musical, e ficou devendo. O título do volume era: “Una boda em Brownsville”. Constatei pelo índice que esse também era o título de um dos contos. Na ficha do livro, logo acima do nome dos tradutores estava o título original:”Short Friday”. Voltando ao índice me dei conta que esse era o nome do último conto, traduzido para “Viernes breve” A edição em castelhano havia substituído um conto pelo outro para nomear o volume. Me indignei, e desta vez foi com o editor que ousara corrigir o autor ou  seu editor original, pondo em evidência outro conto que não o escolhido originalmente. Era o que faltava. Depois dos tradutores, os editores querendo trair o autor.
Na obra de Singer a ação transcorre tendo por pano de fundo as aldeias judias da Polônia, as cidades daquele país ou os Estados Unidos. Muitos de seus contos, novelas e romances tem forte tom autobiográfico. Não é o caso do conto em questão que tem como protagonista um rico doutor judeu de Nova Iorque que vai cumprir um compromisso social comparecendo a uma boda em Brownsville. Não vai com satisfação mas por ser proeminente personagem daquela coletividade.
Nas poucas páginas do conto, Singer nos dá a falsa impressão de que tudo não passa de mais um dia na vida daquele homem que, no seu carro, percorre a cidade que nunca dorme em direção a um de seus recantos. De repente estacamos. Relemos o parágrafo anterior. Verificamos se não saltamos alguma página. Não. Mas afinal o que se passou? O que acontece é que estamos mergulhados no mundo de Singer. Ou, pelo menos, em uma de suas facetas.  
Singer, na verdade é um escritor e, mais que isso, um homem, de vários mundos. Nele convivem o filho de rabino e o cético. O menino da aldeia polonesa e o homem da metrópole americana. A descrença no ser humano e a misericórdia de quem lê almas. Quando descreve a vida de perseguições na pátria emprestada ou o universo dos judeus americanos, já tão distantes de seus valores, Singer fala de nós, do mais profundo de nós. Faz o que tem de fazer todo aquele que é um verdadeiro escritor: nos comove.
Uma boda em Brownsville é um conto, sob todos os aspectos, antológico. Finda sua leitura, sabemos que estamos diante do grande escritor. Longe de nos dar uma visão ampla do universo de Singer, a pequena narrativa revela as qualidades do autor que é capaz de nos ludibriar até levar-nos à revelação. E esta não vem através do que está escrito, mas do que já sabíamos antes.
A intromissão de seu editor espanhol fica mais que justificada. O conto merece estar em relevo ainda que em meio a outras pérolas do escritor.
Por meu turno, meto mais uma vez a viola no saco. Prometo aos meus botões que vou parar de dar palpites no lavor de tradutores e editores e ler primeiro para criticar depois.


terça-feira, 8 de maio de 2012

Palavras, nada mais que palavras







 As palavras mudam com o tempo. Ganham outros significados, perdem sua sedução ou são pronunciadas a cada dez segundos. Termos que até ontem ignorávamos, hoje escutamos em cada esquina. Outros, que usávamos com freqüência, somem sem deixar rastros. Com as gírias, neologismos e outros modismos isso é comum.
Lembro de um fato acontecido no começo dos 70. Eu ainda não tinha idade para mexer no seletor de canais da televisão e em minha casa se via o programa do Flávio Cavalcanti.
Se você é coroa deve se lembrar como era o programa. Se não, deixe que eu explique:_Era uma espécie de bazar onde havia de tudo. Na mesma noite de domingo podia estar presente o maestro Isaac Karabtchevsky e um cara que fazia embaixadinhas com um limão. Diante da orquestra do Maestro Cipó, delegados de polícia faziam campanhas anti-drogas e logo após vinha um concurso de beleza masculina. Discos eram quebrados no palco pelo apresentador antes do quadro de calouros. Havia gincanas, propaganda da ditadura, números circenses e, é claro, um júri. Nessa época, todos os programas de auditório tinham um júri.
Foi nesse programa que um dia apareceu Aurélio Buarque de Holanda para lançar seu dicionário. No meio do palco, em pé, Flávio Cavalcanti  entrevistou-o e os jurados fizeram perguntas. A novidade do léxico do tio do Chico é que introduzia gírias e expressões populares até então ignoradas nesse tipo de obra. Acho que só por isso mestre Aurélio estava ali, dividindo o palco com a equipe de salvamento marítimo do corpo de bombeiros e os cães amestrados do Circo Tihany.
Questionado sobre o valor das gírias e seu aspecto efêmero, o intelectual ponderou que muitas dessas palavras tinham mesmo o destino de desaparecer mas outras haviam de ficar e incorporar-se à língua culta. Entre essas últimas citou a palavra “desbunde” e o verbo “desbundar” que dela deriva. Falou de sua expressividade, da abrangência e poder de síntese neles contidos. Hoje sabemos que Aurélio se equivocou rotundamente. Ninguém mais usa o termo que só é encontrado nas pornochanchadas produzidas na época e em seu dicionário, até mesmo na versão eletrônica.
Ao longo do tempo, palavras que foram largamente usadas deixaram de sê-lo. Umas porque perderam seu poder de designar coisas ou pensamentos, outras simplesmente pelo cansaço, que seu uso massivo e repetitivo, provocou. 
Na década passada certos termos foram tão usados e de forma tão insistente que sumiram como por encanto do vocabulário dos brasileiros. Hoje, nem pra piada servem. Você sabe a que me refiro. Mas os anos 2000 deixaram marcas na comunicação que parecem irremovíveis. A principal delas é o uso de palavras, termos, frases inteiras no idioma inglês. Sei que isso não é tão recente e que alguns de nossos compatriotas sempre se sentiram confortáveis e superiores quando podiam enxertar no seu discurso alguma besteira naquela língua. Só que agora está demais. Já não são apenas os surfistas com seu falso inglês de praia, nem os que, após uns meses de intercâmbio, ao voltarem, fingiam ter-se esquecido do idioma de Camões e Dicró. Não. Hoje os comunicadores sociais são seus maiores cultores. O fenômeno se dá mais na televisão que nos outros meios ainda que jornais e revistas em seus cadernos de economia, cultura e informática dêem sua contribuição para a abolição do português brasileiro.
Nas tvs, quando não há texto escrito a coisa piora. Não que os textos estejam isentos dos anglicismos, mas no improviso os caras abusam. Ainda a pouco estava vendo um programa esportivo e o apresentador, um gorducho bobão metido a engraçado, logo após dizer um termo em português, corrigiu-se imediatamente mandando uma expressão idiomática tirada do vocabulário jornalístico americano.
Infelizmente professores e outros “sábios” também aderiram e está ficando difícil seguir uma explanação sobre qualquer assunto sem dominar o inglês. Mesmo que a fala se dê num telejornal popular, entrevistados e palpiteiros metem a língua entre os dentes, para não decepcionar na pronúncia, e soltam mais uma palavrinha em inglês para iluminar a escuridão de seu pensamento. Não importa sobre o que se fale; filosofia, música popular, política. Para nada serve nosso idioma. Todos recorrerem às expressões americanas e as pronunciam com um sotaque tal, que fica difícil reconhecê-las quando as encontramos escritas.
O Marquês de Pombal já sabia que palavra é poder e enquanto enterrava os mortos do terremoto de Lisboa e expulsava jesuítas de nossas terras, ainda arrumou um tempinho para tornar obrigatório o ensino do português no Brasil acabando assim com o nheengatu que, até então, era o que se falava mais por aqui.
Alguns anos atrás o Deputado Aldo Rebelo do PC do B, apresentou uma proposta de lei para regulamentar o uso do idioma português do Brasil e coibir os estrangeirismos. A proposta se embasava em outras leis como o código de defesa do consumidor que obriga que as informações dadas a quem adquire um produto ou serviço estejam no nosso idioma. O deputado citava, por exemplo, os anúncios de lançamentos imobiliários publicados nos jornais. Neles, nenhum dos cômodos do imóvel recebe uma designação em português brasileiro. Esses imóveis, geralmente, estão em condomínios com nomes italianos e em suas áreas comuns nenhum de seus moradores corre o risco de esbarrar com uma tabuleta indicando o local do parque, do campo de futebol ou do cabeleireiro. Tudo está redigido no idioma oficial do novo rico. Como não se pode exigir que ninguém fale direito, a proposta do Deputado estava dirigida à publicidade, principal agente de divulgação de bobagens.
Aldo Rebelo foi ridicularizado e até ofendido pelos que não abrem mão de trocar expressões de uso cotidiano e largamente usadas no idioma nacional por outras em inglês. Houve mesmo quem por ser do antigo partidão, inimigo do PC do B, defendesse que o termo “entrega em domicílio” devia ser substituída por outro em idioma estrangeiro por tratar-se de serviço diferente. Atacada por todos os lados e com os mais ridículos argumentos, a proposta não prosperou e creio que nem chegou às comissões da Câmara. Foi o mesmo que pregar no deserto. Nesse caso, o deserto das idéias e do bom senso
O assunto morreu enquanto crescia o uso de expressões americanas trazidas pela popularização da informática que, ademais de ter seu próprio glossário, agrega dezenas de palavras no idioma de seus deuses: Bill Gates, Steve Jobs e Zuckerberg. Como os grandes grupos de comunicação, maiores difusores do besteirol linguìstico, estão em guerra contra qualquer tentativa de regulamentação de suas atividades, se alguém tentasse reeditar a proposta de Rebelo seria logo acusado de censor e sua opinião tachada de nacionalismo anacrônico ou algo que o valha.
Eu alimento a esperança que esse falar híbrido vá caindo em desuso tal qual as gírias de minha juventude ou que as gerações vindouras saibam trata-lo com a ironia devida. Assim como são tratadas as calças boca de sino e as sandálias de sola de pneu do tempo do desbunde.
É isso aí, bicho.









quinta-feira, 3 de maio de 2012

Começa a CPI do Cachoeira







Desde a CPI do PC, que culminou com a renúncia de Fernando Collor de Merda, tenho acompanhado os trabalhos dessas comissões que, ao contrário do que pensam muitos, têm servido para desmascarar grande número de corruptos e desmontar esquemas de corrupção. Infelizmente, depois de punidos, muitos dos artistas voltam à cena pelo voto popular sem repor aos cofres públicos o fruto da rapinagem. É o caso do ex-presidente Collor.
Se já não bastasse vê-lo presidindo os trabalhos da Comissão de Relações Exteriores do Senado, durante os próximos meses teremos que suportar sua figura de galã de novela mexicana na CPI do Cachoeira. E pior que escutar sua voz de dublador da Herbert Richers será constatar que ele estará afinadíssimo com o PT. Quem diria?
Já nesse primeiro dia, quando foi apresentado o plano de trabalho do relator, me veio a certeza de que a verdade será a primeira condenada no processo.
O Presidente da comissão, Senador Vital do Rego, deu uma amostra de como conduzirá os trabalhos: com autoritarismo de coronel do nordeste e arrogância de herdeiro. Ao fim do dia, a votação dos requerimentos por ele encaminhada, mereceu do Deputado Protógenes o comentário que não se tratava de corrida de fórmula um, tamanha a pressa com que a conduzia. De nada adiantou o protesto do ex-delegado e o Presidente encerrou rapidamente a sessão citando, é claro, Deus.
O relator, Deputado Odair Cunha, também já tomou posições que podem ser um indício de seu proceder durante as investigações. Em seu plano de trabalho consta a quebra de sigilo bancário, telefônico e fiscal de Carlinhos Cachoeira mas não inclui na medida o CNPJ das empresas do contraventor, apenas seu CPF. Disse o relator que não descarta tomar tal medida no decorrer dos trabalhos. Mas por que não agora? Tampouco será convocado para depor, Fernando Cavendish mas apenas os diretores da Delta responsáveis pelo setor centro-oeste da empresa. Quanto a isso, Vital do Rego disse que a comissão vai se ater às investigações já feitas pela Polícia Federal e ao parecer da Procuradoria Geral da República e que a comissão não será pautada por notícias de jornal.
Ora, depois de vazados os relatórios e gravações dos grampos telefônicos feitos pela polícia, muita coisa veio à público como, por exemplo, as fotos e vídeos que o Deputado Garotinho postou em seu blog mostrando a íntima relação de Sérgio Cabral Filho e o dono da construtora Delta. O fato do Governado do Rio ter desembolsado mais de um bilhão em favor da construtora parece não preocupar Vital e Cunha e deverá ser tratado apenas como notícia de jornal.
Pelo lado oposicionista, Onix Lorenzoni fez o que sabe: disse bobagens em tom de briga. Quando o Presidente colocou em votação um requerimento de sua autoria e apenas citou seu nome sem esperar pelo voto, o deputado protestou, com gauchesco rompante, que não votara. Vital do Rego falou algo sobre ser um matuto da Paraíba fazendo clara alusão ao fato do gaúcho fanfarrão não saber o óbvio: como autor do requerimento seu voto era conhecido. Pego na bobagem o estridente representante do Rio Grande do Sul tentou disfarçar fazendo uma gracinha. Não colou.
Collor faz questão da convocação do Procurador Geral da República para dar explicações sobre o inquérito da Operação Las Vegas que por longo tempo dormitou nas gavetas da Procuradoria. Com o ex-presidente, fez coro o Deputado Vaccarezza.  Sobre o convite feito a Gurgel para depor, Álvaro Dias afirmou no plenário da comissão que o Procurador Geral da República estaria proibido por lei de prestar depoimento na CPI. A visão de Gurgel é outra pois ele apenas declinou do convite alegando que poderia ficar impedido de participar do processo caso depusesse sobre o tema. Disse que ainda iria estudar melhor o assunto. Collor, o caçador de corruptos e prevaricadores, quer algo mais que convites, quer convocação.
Por falar em Álvaro Dias, Sua Excelência tem-me chamado a atenção. Embora continue usando seu tom declamatório e freses de efeito, não tenho visto no Senador paranaense os arroubos de outros tempos. Parece-me contido, suas palavras não têm a verve acusatória de sempre. Calmaria de vulcão? Rabo preso? Sei lá. O Senador anda diferente de uns dias pra cá.
Entre os depoimentos já agendados pelo relator, não constam, ainda, nomes que poderiam trazer surpresas. Nenhuma secretária ou motorista, vigia ou ex-mulher. Por enquanto, só gente que sabe dar nó em pingo d’água. Talvez Dadá, sargentão e araponga, seja o elo mais frágil na corrente de impostores e salafrários e pode, se apertado, contar algo que ainda não conste no inquérito da Polícia Federal.
Ao contrário da CPI dos Correios que foi detonada a partir de uma única fita de vídeo fruto de arapongagem, a atual já começa tendo à sua disposição farto material colhido segundo todas as regras legais. Se naquela, a oposição estava assanhada e contundente, na CPI do Cachoeira o temor de ter grandes figuras políticas envolvidas no escândalo, é compartido com os governistas. Se a oposição sai perdendo com Demóstenes, fica cada vez mais claro que algum ministério deverá ser citado ao longo das investigações. A Delta, com gigantescos contratos com o Governo Federal, é o braço econômico do esquema e através dela é que deverão ser alcançados os nomes até aqui intocados ou, pelo menos, não mencionados no que foi vazado e veiculado pela imprensa.
O que as duas CPIs têm em comum é o fato de envolver políticos poderosos e nacionalmente conhecidos. Nada de anões do baixo clero ou prefeitos interioranos. Há pelo menos 3 governadores envolvidos. O caso de Sérgio Cabral Filho, amigo assumido de Cavendish, apenas difere dos de Perillo e Agnelo por estar recebendo blindagem especial como ficou claro na não convocação para depor, imediatamente, do dono da Delta. Mas Garotinho, o paladino do norte fluminense, promete não dar trégua.
Esse primeiro momento da comissão é de estudos, a corda ainda não começou a ser esticada. Trata-se agora de posicionar-se para estar em melhor situação na hora de negociar o acordo que livre os pesos pesados dos partidões.