terça-feira, 29 de maio de 2012

Independência







Meu tio Alberto era americano. Não que tenha nascido em Dallas ou Chicago nem em qualquer outra parte dos Estados Unidos. Era americano porque torcia pelo América. O América Mineiro. Na verdade nasceu em Pedra Azul, no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas. Tampouco nós o chamávamos de tio Alberto, em bom mineirês, dizíamos “Ti Beto”.
Sempre que me lembro dele o vejo como torcedor do América. E também recordo dois episódios futebolísticos como centro de nossa curta e esparsa relação. Assisti com ele, em sua casa no Padre Eutáquio, um jogo Atlético e Portuguesa em 1970. Recordo, ainda hoje, detalhes daquele jogo. E o principal; ganhamos. Outra vitória do Galo que vimos juntos foi bem mais importante: a final do primeiro Campeonato Brasileiro em 71. Dessa vez foi em minha casa, na Barroca. Ele, que não era muito de visitas, apareceu por lá minutos antes da decisão histórica e lembro de ter ficado feliz por ter companhia masculina para afrontar a viril angústia daquela final jogada no Maracanã contra o Botafogo, time cheio de craques. Quando morreu, eu andava pelos 18 anos e não tivemos tempo de fazer uma amizade de adultos mas o tipo de família daqueles tempos nos tornava, de alguma maneira, próximos.
Com o passar dos anos ficou quase impossível ouvir falar do América e não me lembrar de Ti Beto. Assim tem sido nas últimas semanas com a re-inauguração do Estádio Independência que agora será administrado por uma empresa paulista em parceria com Atlético, América e o governo de Minas. Mas, propriedade do América que colocou seu escudo no gramado atrás das balizas e pintou suas arquibancadas de verde. O Galo vai utilizar o estádio durante o tempo que durar a reforma do Mineirão.
           A reabertura do estádio parece ter trazido sorte para os times mineiros. No jogo inaugural o América venceu o Argentinos Juniors por  2 X 1. Estreando em casa, no Campeonato Brasileiro da segunda divisão, o Coelho também saiu vitorioso, 4 X 0 no CRB. E no último domingo o Atlético venceu o Corinthians por 1 X 0.
A antiga praça esportiva foi totalmente demolida, já não restando nada, além dos vestiários, que lembre o palco da vitória dos EE.UU sobre a Inglaterra na Copa de 50, uma das maiores zebras de todos os mundiais. Mas ficou o que me parece ser o mais importante: o nome.
Na verdade seu nome oficial, enquanto foi propriedade do 7 de Setembro era Estádio Raimundo Sampaio, mas ficou conhecido por Independência.
O nome do estádio me agrada pois desde que foi construído o Mineirão, em 1965, todo e qualquer estádio de futebol inaugurado no Brasil, passou a ser alcunhado por alguma coisa terminada em ão. Exceção feita ao Beira Rio, ao Morumbi e ao Serra Dourada. Temos Mangueirão, Frasqueirão, Pinheirão, Barradão, Vivaldão e até o estádio que tem o nome mais poético entre todos os estádios do mundo, o Rei Pelé, eu já ouvi ser chamado de Pelezão. Dos ãos eu só perdôo o próprio Mineirão, por ter sido nomeado assim, espontaneamente, em tom de brincadeira e o Mundão do Arruda por não ser um aumentativo forçado nem copiado.
Você me dirá que os apelidos têm a ver com o fato dos nomes oficiais dos estádios serem fruto dessa mania de homenagear gente detestável ou desconhecida dos freqüentadores de jogos de futebol. Geralmente políticos. Você tem razão. Quem quer se lembrar de Epitácio Cafeteira? Ou Clóvis Bezerra? Ou Eduardo José Farah? Mas não se poderia esquecer essa gente com outros apelidos que não fossem Cafeteirão, Bezerrão ou Prudentão? Aonde foi parar nosso espírito lírico, nossa verve poética, nossa sacra sacanagem?
Isso vai escrito, você me dirá, com pelo menos 40 anos de atraso. E mais uma vez você tem razão. Toda a razão, pois foi na época da ditadura que mais se construiu estádios e mais se cultuou a idiotice. Pensando bem, Castelão, Almeidão e Albertão combinam com o sambão-joia de Benito de Paula e os jurados do Flávio Cavalcanti. Tudo fruto do mesmo pau, da mesma época. Infelizmente a moda do ão não desapareceu junto com as calças boca de sino e o DOI-CODI, assim que o belíssimo estádio construído para os Jogos Pan-americanos do Rio, acabou ganhando o horrível apodo de Engenhão. Por que não Campo do Botafogo, ou Estádio Suburbano? Eu até admitiria Estádio Sogrão ou Estádio Múmia da Central, em nome da avacalhação, mas Engenhão é de lascar. E logo no Rio que estava livre desses nomes por seus estádios terem sido construídos antes do Mineirão. E também por ser o carioca muito criativo e sacana para apelidar, seja lá o que for, sem cair em imitações toscas. Mas se a criatividade andou faltando no Rio, ela passou longe do interior paulista.
Após adquirir o Mogi Mirim Esporte Clube, Rivaldo resolveu homenagear o pai dando ao estádio do time, seu nome. O progenitor do campeão do mundo chama-se Romildo Vitor Gomes Ferreira e o estádio ficou sendo Romildão. Pelo menos para mim, Romildão é pior que Baetão ou Nogueirão e faz concorrência ao Brunão de Santo André e ao Suzanão.
O Independência trás de volta, junto com sua história, um belo nome para um estádio de futebol. Infelizmente nem toda alegria é completa e o estádio já vem sendo chamado de Arena Independência.
Pois é, agora, após qualquer mão de tinta que se dá num estádio, ele é rebatizado como “arena qualquer coisa". Não sei o que difere um estádio de uma arena. Mas a explicação do gosto pelo termo me parece óbvia: é a mania de imitar-se tudo que é feito ou dito no estrangeiro. Se existe o Bayern Arena então é lógico que tenha de existir a Arena Barueri ou a Arena Guanabara em Araruama. Mas tem pior.
Em Chapecó, oeste de Santa Catarina, a Chapecoense mandava seus jogos no Estádio Índio Condá. Sempre gostei do nome, incomum nessas terras que preferem homenagear patronímicos gringos. Mas a atual diretoria, após a mão de tinta e a troca  de uns chuveiros nos vestiários, rebatizou o estádio como Arena Condá. Tiraram o “Indio”, termo demasiado étnico, e adotaram “arena”, mais moderno e internacional na visão de seus provincianos diretores. O provincianismo a que me refiro não é geográfico e sim mental.
Mesmo antes de ser erguido, o estádio do Corinthians já foi batizado informalmente de Itaquerão. O nome medonho será adotado pelos torcedores em substituição ao oficial que terá, após o “arena”, a marca de quem pague mais por ostentar seu logotipo ao lado do emblema mosqueteiro. Teremos então a “Arena Coca-Cola” ou “Arena Casas Bahia” Vão perder, em nome do faturamento, a oportunidade de homenagear Sócrates, um de seus maiores ídolos e símbolo do momento mais importante do clube, a democracia corinthiana. Seria justo e belo que o novo estádio fosse chamado de Sócrates Brasileiro e aí sim, o apelido seria natural e veríamos a abertura da Copa no Magrão.


Nenhum comentário:

Postar um comentário