sábado, 12 de maio de 2012

Isaac Bashevis Singer






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Li uma vez no Pasquim, uma matéria falando de traduções. O texto, bem humorado e melhor escrito, citava um dito italiano:_Traduttore, traditore e discorria sobre as traduções mal feitas e os equívocos provocados pelo descuido dos que exercem essa faina. Mal lembro dos exemplos mencionados, mas o jogo de palavras, sonoro e categórico, ficou-me no íntimo.
Talvez pelo despeito de ler apenas o português e o castelhano, a cada obra traduzida que me cai nas mãos, eu fico tentando adivinhar as qualidades do tradutor que, pelo geral, não conheço.
Li “Os trabalhadores do mar” de Vitor Hugo, numa tradução de Machado de Assis, o que para mim representava uma chancela, mas quando li “Os miseráveis”, o nome de Carlos dos Santos não me parecia tão confiável e só depois de envolver-me com as vicissitudes de Jean Valjean é que pude me livrar da tola desconfiança. Era o dito gracioso que metia sua verruma nos meus prazeres.
Ainda hoje carrego muito do aforismo italiano e poesia estrangeira não leio de maneira nenhuma pois me parece que traduzir poesia é algo impossível. Seria como traduzir suspiros ou bocejos. Sei que erro, e os exemplos de boas traduções poéticas estão aí para merecer elogios de quem conhece outros idiomas e pode julgar.
Muita coisa, deixei de ler à espera de poder fazê-lo no único outro idioma que conheço alem do pátrio. Assim que sou virgem em Cervantes. Outras vezes rejeitei obras fundamentais da literatura russa por encontrá-las traduzidas do inglês e se não fosse o instinto e o hábito de ler orelhas e contracapas, eu não teria conhecido Kenzaburo Oê que, assim como Mishima, só é encontrado em traduções de traduções. As informações sobre Oê e sua obra me fez romper com meus preconceitos e pude assim apreciar a beleza de sua narrativa. É estranho que com tantos japoneses e seus descendentes vivendo no Brasil, os grandes nomes da literatura nipônica não sejam traduzidos diretamente para o português.
Com Isaac Bashevis Singer foi tudo diferente. Do que conheço de sua obra, li quase tudo em castelhano. O engraçado é que ele escrevia em yiddish embora vivesse há décadas nos Estados Unidos e publicasse naquele país. Participava pessoalmente da tradução para o inglês mas só escrevia no dialeto de sua gente. Uma vez lhe perguntaram o motivo disso, e ele respondeu que poderia aparecer algum fantasma  judeu da Europa e perguntar:_ O que há de novo pra ler?
Já nos primeiros contos de Singer que li, fiquei maravilhado com sua escrita. Passei aos romances e novelas e quando já sentia saudades de seus relatos veio cair em minhas mãos um pequeno livro de contos editado pela Editotial Bruguera  de Barcelona.
Dezesseis contos compõem o volume entre eles Yentl, que foi levado ao cinema por Barbra Streisand, em forma de musical, e ficou devendo. O título do volume era: “Una boda em Brownsville”. Constatei pelo índice que esse também era o título de um dos contos. Na ficha do livro, logo acima do nome dos tradutores estava o título original:”Short Friday”. Voltando ao índice me dei conta que esse era o nome do último conto, traduzido para “Viernes breve” A edição em castelhano havia substituído um conto pelo outro para nomear o volume. Me indignei, e desta vez foi com o editor que ousara corrigir o autor ou  seu editor original, pondo em evidência outro conto que não o escolhido originalmente. Era o que faltava. Depois dos tradutores, os editores querendo trair o autor.
Na obra de Singer a ação transcorre tendo por pano de fundo as aldeias judias da Polônia, as cidades daquele país ou os Estados Unidos. Muitos de seus contos, novelas e romances tem forte tom autobiográfico. Não é o caso do conto em questão que tem como protagonista um rico doutor judeu de Nova Iorque que vai cumprir um compromisso social comparecendo a uma boda em Brownsville. Não vai com satisfação mas por ser proeminente personagem daquela coletividade.
Nas poucas páginas do conto, Singer nos dá a falsa impressão de que tudo não passa de mais um dia na vida daquele homem que, no seu carro, percorre a cidade que nunca dorme em direção a um de seus recantos. De repente estacamos. Relemos o parágrafo anterior. Verificamos se não saltamos alguma página. Não. Mas afinal o que se passou? O que acontece é que estamos mergulhados no mundo de Singer. Ou, pelo menos, em uma de suas facetas.  
Singer, na verdade é um escritor e, mais que isso, um homem, de vários mundos. Nele convivem o filho de rabino e o cético. O menino da aldeia polonesa e o homem da metrópole americana. A descrença no ser humano e a misericórdia de quem lê almas. Quando descreve a vida de perseguições na pátria emprestada ou o universo dos judeus americanos, já tão distantes de seus valores, Singer fala de nós, do mais profundo de nós. Faz o que tem de fazer todo aquele que é um verdadeiro escritor: nos comove.
Uma boda em Brownsville é um conto, sob todos os aspectos, antológico. Finda sua leitura, sabemos que estamos diante do grande escritor. Longe de nos dar uma visão ampla do universo de Singer, a pequena narrativa revela as qualidades do autor que é capaz de nos ludibriar até levar-nos à revelação. E esta não vem através do que está escrito, mas do que já sabíamos antes.
A intromissão de seu editor espanhol fica mais que justificada. O conto merece estar em relevo ainda que em meio a outras pérolas do escritor.
Por meu turno, meto mais uma vez a viola no saco. Prometo aos meus botões que vou parar de dar palpites no lavor de tradutores e editores e ler primeiro para criticar depois.


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