quarta-feira, 16 de maio de 2012

Pouca TV pra tanta igreja







Quando começaram os debates sobre a implantação da TV digital no Brasil, pude acompanhar as audiências públicas promovidas pela Câmara dos Deputados. De pouco me valeu. A terminologia usada por todos que falaram foi muito técnica. Ainda assim pude assimilar alguns conceitos e informações.
Soube, por exemplo, que a tecnologia digital possibilitará que uma emissora que hoje opera um canal, possa operar mais 3 ou 4 na mesma freqüência. (Não sei se o termo correto é esse) A falta de mais informação sobre o tema deriva do fato de que são os meios de comunicação os principais interessados, não lhes convindo democratizar a discussão. Como existe um monopólio das comunicações no Brasil, com poucas famílias dominando TVs, emissoras de rádio, jornais e sítios informativos na internet, o assunto é alheio à quase toda a população.
A outorga de concessões para operar rádios e TVs no país é tratada, mesmo pelos que dominam a matéria, como uma caixa preta. Segundo entendi, ninguém entende os critérios usados para se entregar a esse ou àquele interessado, o direito de explorar as comunicações de massa no Brasil. E quem já acompanhou as sessões do legislativo quando são votadas as concessões ou suas renovações, sabe da ligeireza com que é tratado o assunto. Em poucos minutos, Suas Excelências decidem pela aprovação de dezenas de pedidos sem que haja nenhuma discussão. 
Das audiências públicas que assisti fiquei com a impressão de que a única coisa boa que poderá vir da nova tecnologia, além da imagem sem chuviscos, é o aumento do número de canais. Mas se eu fico contente com isso, imagine os pastores evangélicos! Sim, pois já está faltando espaço nas TVs de aluguel para sua rapinagem. Há pouco tempo, Waldemiro conseguiu tirar de Malafaia um horário de grande audiência na RedeTV, o que fez o inimigo dos gays ter chiliques em seu programa matinal dos sábados.
Mas não só os tubarões da tele fé estão na disputa por faixas de programação. Novas seitas surgem como cogumelos depois da chuva e há pouco mais de um mês entrou na briga pela audiência, e seu dízimo, uma nova denominação pentecostal: a “Igreja da fé renovada em Cristo”. Seu líder, o Bispo Roberto de tal, é um homem de quase dois metros de altura que faz voz doce e sorri com ternura infantil enquanto pede sua doação, seu dízimo, sua oferta. No carnê de sua “igreja” está escrito: “o ano da colheita” ao lado de espigas de trigo. Terá sido traído pelo subconsciente quem o desenhou? Não sei. O que fica claro é que o “Bispo” Roberto está colhendo seus milhões através do programa que vai ao ar na RedeTV as duas da tarde e duas da manhã.
Roberto ainda é tosco, sem as “sutilezas” de um R.R Soares ou de um Malafaia. Em seu programa, os únicos versículos bíblicos citados são os que tratam de dar, doar, ofertar. Outros sofrem livre interpretação do “bispo”. Palavras como: semear, colher, plantar, servem como provas da necessidade, da obrigatoriedade do ofertório. O dinheiro que ele pede, roga, implora aos fiéis telespectadores é para custear o programa de TV que tem como finalidade pedir, rogar, implorar por dinheiro para manter no ar o programa para que ele possa pedir, rogar, implorar por dinheiro para não tirar do ar o programa que...
Como disse, Roberto ainda parece cru no ofício de arrebanhar fortunas. Sem embargo não podemos lhe negar certa inovação no gênero. Por exemplo: Seu programa é o único que conheço que tem um puxadinho. Sim. Num quartinho, separados por uma cortina do espaço principal do estúdio, estão alguns pastores da Igreja da fé renovada em Cristo. Roberto dá a deixa para sua participação dizendo:_Não é pastor fulano? _Sim bispo Roberto, responde um homem pequeno, gorducho e sempre suado, cujo pescoço é pouco para colarinho e gravata. E enquanto fala das coisas do céu e da terra (mais terra do que céu), outros membros da seita, postados em torno de algo que parece representar a arca da aliança (ou será o baú da felicidade?) tendo as mãos com as palmas voltadas para cima, apertam firmemente os olhos fechados e movem os lábios em oração. De repente o homem desprovido de pescoço, num arrebatamento, começa a falar em línguas. No auge de seus alabaias é interrompido por Roberto que bota ordem no pagode e recomeça sua arenga arrecadadora. Acontece o mesmo todo dia.
Outra inovação da Igreja da fé renovada em Cristo, são as telefonistas que estão no estúdio como se fossem atendentes de telemarketing. Uniformizadas, elas recebem as ofertas que estarão sendo encaminhadas para o bolso do “Bispo”.
 Enquanto ensina como depositar as ofertas e pagar o carnê através da rede bancária, Roberto ameaça abrir 100 “igrejas” em um só estado da federação.
Ele, que é carioca, fez carreira em São Paulo e já pregou em Angola. Deus, que manja de economia, crescimento do emprego e bolsa família, mandou que Roberto voltasse ao Brasil para a colheita. Isso ele disse encarando a câmera com a qual contracena como um repórter policial do Datena. Muitas vezes durante o programa, pede close up e desafia os telespectadores para que olhem no seu rosto e digam se ele tem cara de quem os está enganando. Numa dessas, não agüentou e riu com alguma gracinha que lhe sopraram pelo ponto eletrônico. Você acha que é muita desfaçatez? Pois tem pior.
Tem a Igreja Templária. Não sei em que dia e canal o programa dos templários vai ao ar. Creio que foi num fim de semana que vi a encenação. Quando liguei a TV, o programa já ia pela metade e o pastor de almas estava no auge de sua “pregação”, exigia as ofertas e doações sob pena de seu programa não poder mais ser exibido. Não me lembro se os templários são adeptos dos carnês. Têm sim, muitos papeizinhos. Num deles, após oferta, o crente escreve um pedido que segundo o homenzinho que comanda o programa, deve ser algo próximo do impossível para os terrenos esforços. Dava exemplos:_ “Uma casa ou um carro que você quer vender”. E eu pensando que os classificados do Estadão resolviam essas coisas. Que nada.
O homenzinho, do qual não guardei o nome, não faz seu programa em pé como Roberto ou Waldemiro. Prefere estar sentado atrás de uma mesa onde repousam os papeizinhos. E também trás inovações. Em outro papel em forma de questionário, o crente responde a 23 perguntas e tem o direito de fazer mais 3, que o reverendo repassará à Deus e enviará a resposta pelo correio ou meio eletrônico.
Ao contrário de outros pastores, bispos, missionários e profetas, o homenzinho da “Templária” não pede, choramingando, sua oferta, seu dízimo. Ele exige. Olha para a câmera, iracundo, e exige que os fiéis financiem seu programa de televisão. Sua tática de obtenção de recursos se espelha nos programas de televendas. Quando você pensa que acabou a ladainha, a coisa volta ao início e os papeizinhos são novamente exibidos e explicados como nas propagandas daqueles aparelhos milagrosos de ginástica.
Mas a maior inovação do homenzinho da “Templária” está na sua maneira de abrir novos templos. Ele pede aos fiéis que aluguem espaços em suas cidades para que ele monte novas sedes e promete mandar mobiliário e pastor além do dinheiro do aluguel. Se Waldemiro e Marcelo Rossi estão devendo IPTU em São Paulo, imagine o que vai sobrar para o crente que puser seu nome no aluguel desses locais para a “Templária”!
O fato é que quando tomamos conhecimento de gente como o “Bispo” Roberto e o homenzinho templário, eles já estão na televisão cujos espaços são vendidos por centenas de milhares de reais. Dependendo do horário, milhões. A nova tecnologia digital, possibilitando um maior número de canais, talvez faça cair o preço da locação e  novas seitas tenham acesso ao bolso dos crentes. Pois disso se trata.
Os horários, comprados a peso de ouro pelas seitas, já não visam pregar o evangelho nem salvar almas da condenação eterna. O domínio dos meios de comunicação é apenas uma parte dos negócios multimilionários que incluem mega templos, jornais, rádios, gravadoras e venda de quinquilharias que está transformando os donos de seitas em poderosas figuras políticas intocáveis pelas leis.
Na inauguração, dia 1º de janeiro último, do imenso templo que Waldemiro fez construir em Guarulhos, estavam presentes o Prefeito da cidade e o Governador Alkimin com família e tudo. O Governador que, segundo dizem, é membro da Opus Dei, orava fervorosamente na casa grande de Waldemiro. Pouco tempo após o evento de inauguração, que reuniu mais de 450 mil fiéis e engarrafou a Dutra, o prefeito, antecipando-se à medida judicial que seria tomada, cassou a licença de funcionamento do templo por não contar com as autorizações do corpo de bombeiros relativas à segurança. Ainda assim, Waldemiro promoveu lá, uma vigília de fiéis desrespeitando a ordem da prefeitura.
Em ano eleitoral, quem vai peitar o homem que está desbancando a Universal em número de templos e seguidores? Waldemiro tem mais tempo na TV que todos os partidos juntos terão no horário eleitoral gratuito. Vai encarar?







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