Quando começaram os debates
sobre a implantação da TV digital no Brasil, pude acompanhar as audiências públicas
promovidas pela Câmara dos Deputados. De pouco me valeu. A terminologia usada
por todos que falaram foi muito técnica. Ainda assim pude assimilar alguns
conceitos e informações.
Soube, por exemplo, que a
tecnologia digital possibilitará que uma emissora que hoje opera um canal,
possa operar mais 3 ou 4 na mesma freqüência. (Não sei se o termo correto é
esse) A falta de mais informação sobre o tema deriva do fato de que são os meios de
comunicação os principais interessados, não lhes convindo democratizar a
discussão. Como existe um monopólio das comunicações no Brasil, com poucas
famílias dominando TVs, emissoras de rádio, jornais e sítios informativos na
internet, o assunto é alheio à quase toda a população.
A outorga de concessões para
operar rádios e TVs no país é tratada, mesmo pelos que dominam a matéria, como
uma caixa preta. Segundo entendi, ninguém entende os critérios usados para se
entregar a esse ou àquele interessado, o direito de explorar as comunicações de
massa no Brasil. E quem já acompanhou as sessões do legislativo quando são
votadas as concessões ou suas renovações, sabe da ligeireza com que é tratado o
assunto. Em poucos minutos, Suas Excelências decidem pela aprovação de dezenas de pedidos sem que
haja nenhuma discussão.
Das audiências públicas que
assisti fiquei com a impressão de que a única coisa boa que poderá vir da nova
tecnologia, além da imagem sem chuviscos, é o aumento do número de canais. Mas
se eu fico contente com isso, imagine os pastores evangélicos! Sim, pois já
está faltando espaço nas TVs de aluguel para sua rapinagem. Há pouco tempo, Waldemiro conseguiu tirar de Malafaia um horário de grande audiência na RedeTV, o que fez o inimigo dos gays ter chiliques em seu programa matinal dos sábados.
Mas não só os tubarões da tele
fé estão na disputa por faixas de programação. Novas seitas surgem como
cogumelos depois da chuva e há pouco mais de um mês entrou na briga pela
audiência, e seu dízimo, uma nova denominação pentecostal: a “Igreja da fé
renovada em Cristo”. Seu líder, o Bispo Roberto de tal, é um homem de quase dois
metros de altura que faz voz doce e sorri com ternura infantil enquanto pede
sua doação, seu dízimo, sua oferta. No carnê de sua “igreja” está escrito: “o
ano da colheita” ao lado de espigas de trigo. Terá sido traído pelo
subconsciente quem o desenhou? Não sei. O que fica claro é que o “Bispo”
Roberto está colhendo seus milhões através do programa que vai ao ar na RedeTV
as duas da tarde e duas da manhã.
Roberto ainda é tosco, sem as “sutilezas”
de um R.R Soares ou de um Malafaia. Em seu programa, os únicos versículos
bíblicos citados são os que tratam de dar, doar, ofertar. Outros sofrem livre
interpretação do “bispo”. Palavras como: semear, colher, plantar, servem como
provas da necessidade, da obrigatoriedade do ofertório. O dinheiro que ele
pede, roga, implora aos fiéis telespectadores é para custear o programa de TV que
tem como finalidade pedir, rogar, implorar por dinheiro para manter no ar o
programa para que ele possa pedir, rogar, implorar por dinheiro para não tirar
do ar o programa que...
Como disse, Roberto ainda parece
cru no ofício de arrebanhar fortunas. Sem embargo não podemos lhe negar certa
inovação no gênero. Por exemplo: Seu programa é o único que conheço que tem um
puxadinho. Sim. Num quartinho, separados por uma cortina do espaço principal do
estúdio, estão alguns pastores da Igreja da fé renovada em Cristo. Roberto dá
a deixa para sua participação dizendo:_Não é pastor fulano? _Sim bispo Roberto,
responde um homem pequeno, gorducho e sempre suado, cujo pescoço é pouco para
colarinho e gravata. E enquanto fala das coisas do céu e da terra (mais terra
do que céu), outros membros da seita, postados em torno de algo que parece representar a
arca da aliança (ou será o baú da felicidade?) tendo as mãos com as palmas
voltadas para cima, apertam firmemente os olhos fechados e movem os lábios em oração. De repente o
homem desprovido de pescoço, num arrebatamento, começa a falar em línguas. No auge de
seus alabaias é interrompido por Roberto que bota ordem no pagode e recomeça
sua arenga arrecadadora. Acontece o mesmo todo dia.
Outra inovação da Igreja da fé
renovada em Cristo, são as telefonistas que estão no estúdio como se fossem
atendentes de telemarketing. Uniformizadas, elas recebem as ofertas que estarão
sendo encaminhadas para o bolso do “Bispo”.
Enquanto ensina como depositar as ofertas e
pagar o carnê através da rede bancária, Roberto ameaça abrir 100 “igrejas” em
um só estado da federação.
Ele, que é carioca, fez carreira
em São Paulo
e já pregou em Angola.
Deus , que manja de economia, crescimento do emprego e bolsa
família, mandou que Roberto voltasse ao Brasil para a colheita. Isso ele disse
encarando a câmera com a qual contracena como um repórter policial do Datena.
Muitas vezes durante o programa, pede close up e desafia os telespectadores
para que olhem no seu rosto e digam se ele tem cara de quem os está enganando.
Numa dessas, não agüentou e riu com alguma gracinha que lhe sopraram pelo ponto
eletrônico. Você acha que é muita desfaçatez? Pois tem pior.
Tem a Igreja Templária. Não sei
em que dia e canal o programa dos templários vai ao ar. Creio que foi num fim de
semana que vi a encenação. Quando liguei a TV, o programa já ia pela metade e o pastor de
almas estava no auge de sua “pregação”, exigia as ofertas e doações sob pena de
seu programa não poder mais ser exibido. Não me lembro se os templários são
adeptos dos carnês. Têm sim, muitos papeizinhos. Num deles, após oferta, o crente
escreve um pedido que segundo o homenzinho que comanda o programa, deve ser
algo próximo do impossível para os terrenos esforços. Dava exemplos:_ “Uma casa
ou um carro que você quer vender”. E eu pensando que os classificados do
Estadão resolviam essas coisas. Que nada.
O homenzinho, do qual não
guardei o nome, não faz seu programa em pé como Roberto ou Waldemiro. Prefere
estar sentado atrás de uma mesa onde repousam os papeizinhos. E também trás inovações.
Em outro papel em forma de questionário, o crente responde a 23 perguntas e tem
o direito de fazer mais 3, que o reverendo repassará à Deus e enviará a resposta
pelo correio ou meio eletrônico.
Ao contrário de outros pastores,
bispos, missionários e profetas, o homenzinho da “Templária” não pede, choramingando,
sua oferta, seu dízimo. Ele exige. Olha para a câmera, iracundo, e exige que os
fiéis financiem seu programa de televisão. Sua tática de obtenção de recursos
se espelha nos programas de televendas. Quando você pensa que acabou a
ladainha, a coisa volta ao início e os papeizinhos são novamente exibidos e
explicados como nas propagandas daqueles aparelhos milagrosos de ginástica.
Mas a maior inovação do
homenzinho da “Templária” está na sua maneira de abrir novos templos. Ele pede
aos fiéis que aluguem espaços em suas cidades para que ele monte novas sedes e
promete mandar mobiliário e pastor além do dinheiro do aluguel. Se Waldemiro e
Marcelo Rossi estão devendo IPTU em São Paulo , imagine o que vai sobrar para o crente
que puser seu nome no aluguel desses locais para a “Templária”!
O fato é que quando tomamos
conhecimento de gente como o “Bispo” Roberto e o homenzinho templário, eles já
estão na televisão cujos espaços são vendidos por centenas de milhares de
reais. Dependendo do horário, milhões. A nova tecnologia digital,
possibilitando um maior número de canais, talvez faça cair o preço da locação e
novas seitas tenham acesso ao bolso dos
crentes. Pois disso se trata.
Os horários, comprados a peso de
ouro pelas seitas, já não visam pregar o evangelho nem salvar almas da condenação
eterna. O domínio dos meios de comunicação é apenas uma parte dos negócios
multimilionários que incluem mega templos, jornais, rádios, gravadoras e venda
de quinquilharias que está transformando os donos de seitas em poderosas
figuras políticas intocáveis pelas leis.
Na inauguração, dia 1º de
janeiro último, do imenso templo que Waldemiro fez construir em Guarulhos,
estavam presentes o Prefeito da cidade e o Governador Alkimin com família e
tudo. O Governador que, segundo dizem, é membro da Opus Dei, orava
fervorosamente na casa grande de Waldemiro. Pouco tempo após o evento de
inauguração, que reuniu mais de 450 mil fiéis e engarrafou a Dutra, o prefeito,
antecipando-se à medida judicial que seria tomada, cassou a licença de funcionamento
do templo por não contar com as autorizações do corpo de bombeiros relativas à
segurança. Ainda assim, Waldemiro promoveu lá, uma vigília de fiéis desrespeitando
a ordem da prefeitura.
Em ano eleitoral, quem vai
peitar o homem que está desbancando a Universal em número de templos e
seguidores? Waldemiro tem mais tempo na TV que todos os partidos juntos terão no horário eleitoral gratuito. Vai encarar?
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