Quando eu era menino, havia um
produto chamado Gumex que nossas mães (sempre elas Dr. Freud, sempre elas)
usavam em nossas cabeças para apascentar redemoinhos, formar topetes e corrigir
barbeiros pouco hábeis. Enfim, domar nossas gafurinhas.
Esse produto parecia uma
mistura de gel com goma arábica e era aplicado com o pente previamente imerso
no potinho de vidro que tinha conveniente boca larga. Alguns minutos após a
aplicação, aquela geléia plebéia se transformava num duro verniz, numa laca
brilhante que deixava à mostra os sulcos feitos pelo pente. Sua serventia
estava restrita às festas, missas, passeios e outras atividades que exigiam
nossa total imobilidade. No pátio da escola, após umas correrias, os movimentos
e o suor desmanchavam a escultura capilar e ostentávamos uns penachos hirtos
como as cerdas do javali.
A primeira vez que usei Gumex o
fiz com gosto e orgulho, não só por ser um produto masculino que não estava
destinado somente às crianças, como também por ter propaganda na televisão (sim,
engraçadinho, quando eu era menino já havia televisão no Brasil) fato que
garantia sua qualidade e préstimo. Usei Gumex poucas vezes, acho que minha mãe
não gostou muito do resultado. O menino da propaganda era menos
irrequieto e sudarento do que eu.
Lembrei-me do Gumex enquanto
assistia, atônito, o depoimento de Demóstenes na Comissão de Ética do Senado. O
Senador entrou definitivamente em nossas vidas. Prova disso é que já o tratamos
pelo nome de pia sem acrescentar cargo nem sobrenome. Já não dormimos sem
notícias suas, reparamos na perda de peso que fez desaparecer suas rosadas
bochechas e folgou seu paletó.
Na comissão, Demóstenes parecia
ter recuperado a firmeza da voz, o tom belicoso do discurso. Foi capaz de
encarar seus pares e mentir. Mentiu descaradamente como só alguém que sabe
perfeitamente com quem está lidando pode mentir. Falou de Deus e da família
como já era esperado e mesmo de sua propriedade privada fez menção. São apenas
500 mil reais de patrimônio, segundo declarou. Para sua lua de mel na Europa
levou somente 4 ou 5 mil euros.
Demóstenes pinçou as falhas que
abundam na investigação que serve de base para o processo por quebra de decoro, para tentar demolir, in totum, a peça acusatória. Não
deu. Seu advogado deixou Carolina Dieckmann e sua transcendental querela por
uns tempos e vai tentar, junto ao STF, anular todo o processo judicial alegando vício de
origem na investigação no que tange a Demóstenes que, por ter foro privilegiado,
não poderia ser investigado sem a licença da Corte Suprema. E quer saber de uma
coisa? Eu acho que ele sai dessa mais inocente que o Collor, mais impoluto que
o Alceni.
Mas outra coisa é a Comissão de
Ética do Senado que o julga por quebra de decoro. Vai servir de boi de piranha.
Pelo menos é o que indica o relatório do Senador Humberto Costa. Mas você dirá
que no plenário tudo pode mudar e surpreender. Não duvido. Sei que Demóstenes
tem um voto certo para sua absolvição. Sim o dele, Fernando Collor de Merda.
O ex-presidente aproveitou a
presença de Demóstenes para o único fim que lhe interessa nessa comissão:
atacar a ridícula revista Veja. E o Senador aproveitou a deixa, a tese de
Collor lhe é favorável, fez mimos no menino mimado do clã alagoano:_Vossa
excelência definiu muito bem. _ Vossa excelência tem toda a razão. Garantiu um
voto pela sua absolvição. Demóstenes afirma ter mais de 30.
Você pensa que encontrou a relação
entre o Gumex e a Comissão de Ética no momento em que leu o nome do ex-caçador
de marajás. Certamente se lembrou de seus cabelos emplastados de uma gosma
semelhante na cerimônia de posse naquele remoto ano de 1990. Você se equivoca.
Quando penso em Collor, e
misturo minhas recordações dos tempos da inocência, vem-me à mente outro
produto para cabelos masculinos: a Brilhantina. Se você já passou dos 50 sabe a
que me refiro, caso contrário, apenas esclareço que esse outro produto se
assemelhava mais ao gel dos anos 90 e tinha o aroma de quarto de zona. Mas não
é isso.
Acontece que o mote publicitário
do Gumex era:_ DURA LEX SED LEX, NO CABELO SÓ GUMEX. Fiquei pensando no quão
dura é a lei para quem não tem dinheiro nem mandato parlamentar e o quão flexível é, para esses.
Demóstenes, ao fim de sua oitiva
no Senado, pediu que seus pares o julguem pelo que fez e não pelo que disse que
faria. Segundo ele, promessas feitas ao chefe, Carlinhos Cachoeira, não foram
cumpridas. Mas o conselho é de ética, de ética e ele é um Senador da República,
Senador da República. Também segue afirmando que não conhecia as atividade
zoológicas de Cachoeira. Fez-me lembrar Alceni Guerra quando dizia desconhecer
que empresas contratadas pelo ministério que comandava, sediadas na metrópole de Pato Branco, pertenciam a parentes seus. Ora, em Goiânia até a vendedora de
pamonha sabe que Cachoeira é bicheiro e filho de bicheiro.
Nos mesmos dias em que
assistimos o depoimento de Demóstenes e a mudez de Cachoeira, uma mulher foi
presa no interior de Minas por ter comprado de presente para a filha um
vibrador. A menina completava 14 anos e pediu o regalo. A mãe comprou. Na loja, encomendou embalagem de presente e comentou para quem era. A vendedora, que também é
professora de ensino religioso no turno matutino da mesma escola freqüentada
pela menina, denunciou a mãe ao Conselho Tutelar. Pronto, Dura lex.
À mãe não será possível pedir
que a julguem pelo que fez e não pelo que disse que faria. Não há presunção de
inocência. Foi fotografada pela operosa imprensa brasileira tendo ao fundo um
painel com o emblema da Polícia Civil de Minas Gerais. Já está condenada.
Se contasse com o advogado de
Carolina Dieckmann e Demóstenes, a mãe liberal poderia ter dito que comprara o
vibrador para uso próprio e que, por vergonha, envolvera o nome da filha. O
vibrador que a menina mostrou, orgulhosa, para as colegas da escola, seria
outro, comprado com suas economias. Fosse deputada, dona de empreiteira,
governadora ou jornalista, teria saído da delegacia usando óculos escuros,
Louis Vitton ao ombro e amparada pelo Dr. Kakaiy que prontamente entraria com
um processo contra o delegado, o estado, o comércio de sacanagem e a vendedora
puritana.
Caso ninguém a ajude, a mulher,
que foi enquadrada no artigo 224 do Código Penal que trata por estupro
presumido quando menores de 14 são expostos a situações de natureza sexual mesmo
com o consentimento do menor, será presa e cumprirá a pena. Dura lex, sed lex.
Entre nós, o aforismo latino só
se aplica aos pobres e só faz sentido na propaganda do Gumex.
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