A frase eu ouvi na televisão e
era atribuída a Vladimir Putin. “Quem não tem saudade da União Soviética não
tem coração e quem quer que ela volte não tem juízo”.
Tenho sempre um pé atrás com
tradutores e com jornalistas. Mas fiquei seduzido pela frase. Quero crer na
fidelidade da tradução e na atribuição da autoria. Pois, afinal, é aí que
reside sua sedução_ no seu autor, o camarada Putin. Não sabia que o ex-diretor
da KGB era um frasista. Sequer um frasista ocasional. Sempre penso nele com seu
andar de malandro ou envergando seu quimono de judoca. O Putin frasista me
surpreendeu.
E veja que há algo de poético no
dito pragmático. A frase tem o dom de agradar aos magnatas de hoje e aos velhos
comunistas de outrora. Afaga aqueles que sonharam com o socialismo e protege os
que lucraram com seu fim. Tem algo de conciliação nacional sem comprometer
fortunas nem medalhas.
Dito assim pode parecer que eu
quero insinuar que a frase foi pré-fabricada, coisa de marqueteiro para atrair
simpatias daqueles que não vêem a menor graça na nova Rússia. Para que? Putin
não precisa disso. Se elege quando quer e do jeito que quer. Elege o poste
Medvedev. Elege o Czar se lhe der na telha.
A frase me parece sincera.
Imagino Putin saudoso dos tempos em que galgava postos na KGB e tinha cabelos.
Os dias atribulados da perestroika e da glasnost. Daqueles tempos em que ele
mandava prender. (Hoje manda prender e manda soltar, se quiser)
Ouvindo a frase na voz neutra do
locutor, fiquei imaginando como soaria em russo. Que aparência teria escrita em cirílico sobre um papel pardo, a tinta ainda fresca,
pregada numa parede, apressadamente, como nos tempos pré-revolucionários. A
frase me seduz com sua verdade rude.
Ainda que a notícia não
esclareça onde, quando e pra quem a frase foi dita, ela subsiste com sua
clareza de desalento, seu tom de desconsolado sorriso, seu humor
desencorajador.
O fim da União Soviética tirou
algo da alma do mundo, mesmo que esse algo fosse feito de ilusão e voluntarismo.
O socialismo que lá se praticou sempre esteve muito longe do socialismo que se quis. Sem
embargo, a frase de Putin teve o condão de libertar a envergonhada saudade de
quem, um dia, acreditou porque sim.
Na frase do ex-agente da infame
KGB, não há a KGB, não há Stalin nem Brejnev, nem Gulags nem trabalhos
forçados. Somente a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E uma saudade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário