Foi em Angra dos Reis. Eu
resolvera faltar ao trabalho e passear naquela sexta-feira. Busquei a cidade
próxima e aprazível. Não foi, ao fim, um passeio, apenas uma bebedeira de 24
horas. Assim que não lembro de muita coisa para contar. Apenas da chegada tenho
uma lembrança completa.
Desembarquei do ônibus e busquei
o botequim mais próximo. Uma gelada e um torresmo. O sol entrava festivo no bar
naquela meia-manhã. Apareceram um menino e uma menina, aí pela faixa dos 10
anos. Tinham os corpos e as faces coloridos pelas muitas horas que deviam
passar por aí, entre a praia e as ruas da cidade. Pediram que eu lhes pagasse
um torresmo. Traziam uns tomates nas mãos e os comiam com grande prazer.
Fiz-lhes a vontade e eles me retribuíram com um tomate. Logo foram embora.
Fiquei encantado com as
crianças, imaginei suas vidas livres pela praia onde nasceram. Deviam ter uma
linda infância.
Voltei à cerveja ao torresmo e
ao livro que vinha lendo pelo caminho. Quando o sol me tocou as pernas, resolvi
procurar outro botequim mais protegido do calor.
Assim foi durante todo o dia, de
botequim em botequim até cair como balão apagado na areia da praia. Num ato de
bom senso, havia deixado minha bolsa guardada num botequim que julguei ser de
confiança. Era. Difícil foi, na manhã seguinte, juntar os pensamentos e lembrar
do botequim. Mas não só lembrei como consegui deixar intacto o dinheiro do
ônibus de volta.
Não sei se foi nessa ida a Angra
que tomei o gosto, mas se existe algo que adoro é estar num lugar que não
conheço e me deixar ficar num botequim. Acho que se fosse para o Peru eu nem
subiria pra Machu Pichu. Ficaria no pé do morro tomando umas e ouvindo uns
farrapos de conversas dos gringos de bermudas e chapéus. Não tenho vocação para
Indiana Jones, estou mais para Henry Chinaski.
Outro porre de que me lembro com
saudade foi em Buenos
Aires.
Naquela cidade existe uma linha
de ônibus que é uma instituição, uma coisa mítica que os porteños veneram. É o
60. Na verdade, não é só uma linha, mas várias com os mais distintos percursos.
Porém todos levam o número 60. Ótimo para confundir bêbados e turistas.
Um dia, voltando para casa
depois de terrível carraspana, tomei o 60 errado. Por sorte nem tão errado. Era
um que passava pela Avenida Libertador que fica uns oitocentos metros distantes
da Avenida Maipu, esta sim, próxima de minha casa e servida por outro 60.
Por sorte estava acordado quando percebi que o caminho seguido pelo ônibus
era outro e não o que eu estava acostumado. Reconheci algum sinal de
proximidade e baixei. Mas caminhar a distancia que me poria em casa era impossível. Me deixei cair sobre
um lindo e recém cortado gramado e ali dormi até que um sol de primavera me
despertou antes que viesse algum impertinente porteiro ou algum cana. Logo
descobri quem era e o que estava fazendo na grama alheia. Daí, caminhei até o
lar, leve como um passarinho, com uma sensação boa de liberdade.
O que acho engraçado é que tem
gente que se vangloria de nunca ter ficado de porre ou mesmo de nunca beber. Me
parece coisa de mariquinhas. Eu acho que todo homem deve encher a cara de vez em quando. E não precisa
ficar esperando amigos nem ocasiões. Um homem tem de tomar solitárias
bebedeiras. Eu tomei várias.
Mas houve um porre que tomei
acompanhado de uma multidão. Foi, é claro, num carnaval. Dos cinco dias que
brinquei naquele ano eu só lembro de um episódio.
Eu andava pela Rio Branco
contente como menino em loja de doce, parando em cada batucada, seguindo cada
bloco de sujos, paquerando todas as maravilhas que passavam. Em certo momento
parei numa batucada das boas. Muitos percursionistas, as vozes harmonizando
tudo, cantando uns sambas de enredo de outros carnavais. Havia lindas mulheres
e eu parei por ali. Fiquei brincando, cantando e paquerando as beldades, especialmente
uma menina que tinha aquele olhar que só a África produz e uma brejeirice que
só o Brasil sabe lapidar. Ela se aproximou e brincamos juntos. Seus quadris iam
e vinham e a menina dizia no pé, exímia na dança de minha terra. A convidei
para uma cerveja e nos apartamos um pouco para uns beijos. Foi aí que ela, aproximando
os lábios de meu ouvido me fez o maior elogio que já recebi. Disse ela quase
cantando:_ Você merecia ser crioulo.