quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Porres







Foi em Angra dos Reis. Eu resolvera faltar ao trabalho e passear naquela sexta-feira. Busquei a cidade próxima e aprazível. Não foi, ao fim, um passeio, apenas uma bebedeira de 24 horas. Assim que não lembro de muita coisa para contar. Apenas da chegada tenho uma lembrança completa.
Desembarquei do ônibus e busquei o botequim mais próximo. Uma gelada e um torresmo. O sol entrava festivo no bar naquela meia-manhã. Apareceram um menino e uma menina, aí pela faixa dos 10 anos. Tinham os corpos e as faces coloridos pelas muitas horas que deviam passar por aí, entre a praia e as ruas da cidade. Pediram que eu lhes pagasse um torresmo. Traziam uns tomates nas mãos e os comiam com grande prazer. Fiz-lhes a vontade e eles me retribuíram com um tomate. Logo foram embora.
Fiquei encantado com as crianças, imaginei suas vidas livres pela praia onde nasceram. Deviam ter uma linda infância.
Voltei à cerveja ao torresmo e ao livro que vinha lendo pelo caminho. Quando o sol me tocou as pernas, resolvi procurar outro botequim mais protegido do calor.
Assim foi durante todo o dia, de botequim em botequim até cair como balão apagado na areia da praia. Num ato de bom senso, havia deixado minha bolsa guardada num botequim que julguei ser de confiança. Era. Difícil foi, na manhã seguinte, juntar os pensamentos e lembrar do botequim. Mas não só lembrei como consegui deixar intacto o dinheiro do ônibus de volta.
Não sei se foi nessa ida a Angra que tomei o gosto, mas se existe algo que adoro é estar num lugar que não conheço e me deixar ficar num botequim. Acho que se fosse para o Peru eu nem subiria pra Machu Pichu. Ficaria no pé do morro tomando umas e ouvindo uns farrapos de conversas dos gringos de bermudas e chapéus. Não tenho vocação para Indiana Jones, estou mais para Henry Chinaski.
Outro porre de que me lembro com saudade foi em Buenos Aires.
Naquela cidade existe uma linha de ônibus que é uma instituição, uma coisa mítica que os porteños veneram. É o 60. Na verdade, não é só uma linha, mas várias com os mais distintos percursos. Porém todos levam o número 60. Ótimo para confundir bêbados e turistas.
Um dia, voltando para casa depois de terrível carraspana, tomei o 60 errado. Por sorte nem tão errado. Era um que passava pela Avenida Libertador que fica uns oitocentos metros distantes da Avenida Maipu, esta sim, próxima de minha casa e servida  por outro 60.  Por sorte estava acordado quando percebi que o caminho seguido pelo ônibus era outro e não o que eu estava acostumado. Reconheci algum sinal de proximidade e baixei. Mas caminhar a distancia que me poria  em casa era impossível. Me deixei cair sobre um lindo e recém cortado gramado e ali dormi até que um sol de primavera me despertou antes que viesse algum impertinente porteiro ou algum cana. Logo descobri quem era e o que estava fazendo na grama alheia. Daí, caminhei até o lar, leve como um passarinho, com uma sensação boa de liberdade.
O que acho engraçado é que tem gente que se vangloria de nunca ter ficado de porre ou mesmo de nunca beber. Me parece coisa de mariquinhas. Eu acho que todo homem deve encher a cara de vez em quando. E não precisa ficar esperando amigos nem ocasiões. Um homem tem de tomar solitárias bebedeiras. Eu tomei várias.
Mas houve um porre que tomei acompanhado de uma multidão. Foi, é claro, num carnaval. Dos cinco dias que brinquei naquele ano eu só lembro de um episódio.
Eu andava pela Rio Branco contente como menino em loja de doce, parando em cada batucada, seguindo cada bloco de sujos, paquerando todas as maravilhas que passavam. Em certo momento parei numa batucada das boas. Muitos percursionistas, as vozes harmonizando tudo, cantando uns sambas de enredo de outros carnavais. Havia lindas mulheres e eu parei por ali. Fiquei brincando, cantando e paquerando as beldades, especialmente uma menina que tinha aquele olhar que só a África produz e uma brejeirice que só o Brasil sabe lapidar. Ela se aproximou e brincamos juntos. Seus quadris iam e vinham e a menina dizia no pé, exímia na dança de minha terra. A convidei para uma cerveja e nos apartamos um pouco para uns beijos. Foi aí que ela, aproximando os lábios de meu ouvido me fez o maior elogio que já recebi. Disse ela quase cantando:_ Você merecia ser crioulo.




Um comentário:

  1. E voce, bebado como peru em vespera de natal, respondeu: e voce merece um par de oculos... Eu SOU crioulo !

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