quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Valores







Gostaria de falar sobre duas coisas rápidas, um feijão com arroz básico. Vou tentar temperar direitinho.
Primeiro: Eu nunca entendi qual a função dos conto infantis tradicionais. Se for só para entreter e atemorizar as crianças, vá lá, acho que cumprem bem sua missão. Mas me parece que contos infantis deveriam trazer algo mais, algum ensinamento, talvez uma lição.
Claro que de muitos contos, conheço apenas traduções de traduções, versões de versões. Chapeuzinho Vermelho se salva mais ou menos; tenta ensinar obediência. Eu digo tenta, pois quando criança, esse ensinamento não me comoveu muito. O que me impressionava na história, eram pessoas inteiras saindo da barriga do lobo.
 E os outros contos, o que tentam ensinar? Será que João e Maria quer ensinar a  crianças abandonadas, sobrevivência na selva? E João e o pé de feijão? Deseja esse conto? Instruir pivetes na arte de roubar gigantes?
Uma vez li algo sobre o significado dessas estórias infantis. Creio que foi num livro do Eric Fromm, mas posso estar misturando as estações. O texto que li, abordava o tema pelo ângulo do significado oculto. Assim que Chapeuzinho Vermelho falaria sobre a menstruação, a menina está virando mulher, daí a cor do chapeuzinho. Não lembro o que se dizia sobre o Lobo Mal, mas dá para imaginar. Quanto à Vovó...
Segundo: Nossa sociedade, como qualquer outra, tem seus valores. Alguns deles, dividimos com outros povos, outros cultivamos sós e a mistura de tudo que temos como nossa maneira de ser nos faz um povo diferente de outros povos.
Um desses valores, eu diria que é a afetividade. Somos beijoqueiros e abraçadores. Nunca tememos demonstrar nosso afeto, nosso carinho mesmo que o objeto desse afeto, desse carinho, seja um desconhecido. Já nos apresentamos aos beijos. Aos dois, aos três, muito estalados. Se estamos entre os nossos essa afetividade se alastra ainda mais, muito mais.
Imagino que isso venha de nossa mistura racial e os outros povos que se formaram da mesma maneira, compartilhem conosco essa maneira de ser. Carinhosa, afetiva e fraterna.
Mas muito nos diferimos dos estadunidenses. Isso fica patente quando assistimos um filme americano. Ninguém nessas fitas se abraça se não tiver um motivo muito grande para isso. Quando o fazem, e não são namorados, a cena é melosa e falsa. Moças e rapazes apertam as mãos quando são apresentados. Se forem descolados, nem isso. Nessas apresentações e despedidas sempre parece que alguém acabou de vender um seguro ou um carro usado para o outro. Nas comédias estilo “city com” esse tema aparece muito e os que são um pouco mais carinhosos são tratados como chatos irrecuperáveis e são evitados.
Agora deixa eu pôr uma farinha nesse arroz com feijão.
Todavia aquelas estórias infantis tradicionais continuam sendo lidas e contadas por pais e avós em suas mais diversas versões. Existe hoje uma tendência às modificações politicamente corretas para não ofender madrastas, anões, feios, velhos, bruxos e principalmente animais. Mesmo assim elas continuam fazendo parte do imaginário infantil.  Mas, sem dúvida, o desenho animado tem hoje muito mais audiência que aqueles contos, estórias e fábulas que atravessaram gerações. Há muito tempo é assim. Acontece que nos dias de hoje com a TV por assinatura e seus canais especializados nesse tipo de diversão infantil 24 horas por dia, a coisa ficou dura pra carochinha.
O mundo infantil de hoje está povoado por personagens made in usa. Ou seja, produzidos com os valores made in usa. Na terra de Marlboro não há lugar para afagos ou afetos. O carinho é raro. Salta-se da grossura para a pieguice mais melosa. Outro dia mesmo eu assistia o Bob Esponja ser esculachado por ter uma marca de baton que sua avó havia lhe deixado no rosto. Todos riam dele, lhe diziam queridinho da vovó. Ao Gunball lhe passou algo pior quando foi obrigado a beijar sua avó Jojô e seus lábios tocaram os da velhinha; ele ficou traumatizado e seu irmão teve que ser muito inventivo para salva-lo da catatonia de que foi acometido.
Lá, na terra dos bravos matadores de índios, o carinho, o afeto, o afago, são mal vistos. Já quando começam a freqüentar a escola, os garotos rechaçam qualquer demonstração de afeto materno.
Eu acho que isso vem da formação religiosa puritana que sempre viu no amor entre as pessoas um empecilho à adoração de Deus. E nossos pequenos vão mamando esse tipo de concepção da pior maneira possível: a maneira engraçada.
Agora, quer um ovo frito? Pois bem.
Muito se tem falado do espaço que poderá ser aberto para a produção de conteúdo nacional na TV por assinatura. Eu espero que possamos ver mais de nós mesmos na televisão que tão caro pagamos. Acontece que não se pode obrigar esses produtores a adotar nem nossa linguagem nem nossos valores.
Outro dia, meu neto e eu assistíamos um episódio de Gui e Estopa, produção nacional de desenho animado, e lá estavam todos os estereótipos americanos que se encontram nas séries animadas daquele país. Os personagens estavam todos envolvidos com um encontro amoroso no melhor estilo “date”. Um dos personagens principais e uma outra personagem seriam apresentados e supostamente namorariam depois. Porém o cachorrinho, ou sei lá o que é aquele personagem, cometia as gafes que faz fracassar o encontro amoroso americano: ele sai do banheiro com um pedaço de papel higiênico preso no sapato, tem algo de comida preso aos dentes e bigode de groselha. Isso, por lá, é inaceitável numa “date”. Sabemos disso, pelas séries de TV para adolescentes e desenhos animados para crianças produzidos naquele pais.
Esse desenho, como já disse, é brasileiro e seu público alvo são crianças que não devem passar dos 7 anos. Pelo visto, seus produtores já estão prontos para o futuro, para o fim da afetividade.

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