sábado, 24 de novembro de 2012

Suplicy


                Confesso que nunca simpatizei com o Suplicy. Aquele seu jeito de maluco tarja preta, eu nunca engoli. Além do mais, ele é um rico que se tornou figura importante dentro de um partido que deveria ser dos trabalhadores. Ocupa um espaço que não lhe pertence.
                Suplicy protagonizou as cenas mais ridículas do senado nos últimos tempos. E quando fala sério, é através dos mais entediantes discursos. Adora adornar suas falas com citações de autores e títulos estrangeiros cujos nomes pronuncia com forçado acento.
                Ele já usou chapéu de Robin Hood,  chorou em plenário lendo uma carta, cantou uma música de Bob Dylan em companhia de Tiririca e aparteou, com sua voz molenga, todos os que discursaram na tribuna do Senado. Tudo isso só no último mês. O cara é um chato de galocha e suspensório.
                Mas, verdade seja dita, Suplicy é um bom senador. De seus projetos, eu conheço pouco, pois toda vez que ele começa um pronunciamento, caio em sono profundo. Sei do “renda mínima” pelo qual vem batalhando desde o governo de Fernando Henrique Cardoso e que muito influenciou nos projetos sociais do governo Lula.
                Numa outra esfera, também não pude deixar de admirar o Senador paulista. Foi no caso da morte de Celso Daniel. Enquanto o PT e a polícia faziam finca pé na tese de crime comum, mesmo que todos os dados apontassem para crime de cunho político, Suplicy , só, foi buscar informações nas ruas de Santo André com possíveis testemunhas do seqüestro. Pergunta daqui, pergunta dali e a história do Sombra caiu por terra.
                Suplicy, noutro gesto de independência, assinou o documento pela criação da CPI dos Correios contra a vontade de seu partido, que preferia empurrar os fatos para debaixo do tapete.  
                Sempre me pareceu que a independência de Suplicy era suportada pelos sargentões do PT, por ser ele um campeão de votos. Foram três eleições consecutivas. Uma cadeira certa para o Partido dos Trabalhadores no Senado da República.
                Mas algo mudou no PT de uns anos para cá. Se não bastassem as alianças espúrias que o partido fez com todos aqueles que passaram diante de sua sede oferecendo uns minutinhos no horário eleitoral gratuito ou uns votos no legislativo. Como se fora pouco o escândalo do mensalão que atingiu figurões do partido. Se não pesasse sobre os ombros de seus deputados e senadores o relatório da CPI do Cachoeira, o PT se prepara para dar mais uma mostra de pragmatismo extremo.
                Visando às eleições de 2014 para o Palácio dos Bandeirantes, o partido deve trocar a vaga para disputar o senado por apoio de aliados ao seu candidato a governador. Como nesse ano só uma cadeira de senador estará em jogo, Suplicy deverá ser sacrificado.
                Suplicy, que recebeu o Prêmio Congresso em foco deste ano como melhor senador, poderá deixar de concorrer, ficando sua vaga para Chalita ou Netinho de Paula.
                Cito esses dois nomes por tê-los vistos em matérias de jornais que comentaram a possível insensatez do PT, mas como o leque de alianças do partido é quase infinito, poderemos ter surpresas. Quem sabe o PT não resolva apoiar a candidatura ao senado de alguém saído das hostes malufistas. Ou, o próprio Doutor Maluf. Tudo é possível no toma-lá dá-cá que os petistas estão se tornando mestres.
                Por falar em Maluf, Haddad já disse que uma secretaria da prefeitura paulistana irá para o PP por obra e graça dos minutinhos de TV que o partido proporcionou a ele no último pleito. Mais uma vez, o malufismo poderá contribuir para o engrandecimento de São Paulo.
                Mas voltando ao Suplicy.
                Logo depois que encerrou seu dueto com Tiririca, na entrega do Prêmio Congresso em foco, o Senador deixou claro para os jornalistas que o entrevistaram, que iria pedir prévias para a escolha dos nomes de candidatos às eleições de 2014 pelo PT. Chegou a sugerir que as prévias fossem abertas a candidatos de outros partidos aliados, tal qual aconteceu na França recentemente. A idéia é meio amalucada como o próprio Senador Suplicy, mas ele está confiante no seu taco.





quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Racismo e abolicionismo



                Após uma temporada de boas leituras, estou lendo agora dois livros muito ruins. Ou melhor, dois livros que não estão me agradando. Dito assim fica melhor. Afinal quem disse que sou crítico literário para afirmar que tal ou qual obra é boa ou ruim?
                Um dos livros se chama Enigma para atores. Seu autor, Patrick Quentin. Trata-se de um romance de suspense.  Comecei a lê-lo por dois motivos: primeiro porque é de papel, portátil, e eu precisava de algo para ler no corredor do posto de saúde enquanto aguardava  consultas. Segundo porque é de uma coleção criada por Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares.  Deixei-me levar. Sei que Borges é um admirador confesso do gênero suspense. Confiei no seu critério. Mas como disse o poeta: cu e gosto, cada um tem um.
                 Se o livro não me agrada, por que continuo lendo? Você certamente perguntará. Acontece que para mim é muito difícil abandonar livros pela metade. Não que eu me iluda pensando que algo que comece pessimamente vá terminar bem. Não. É apenas uma fraqueza de meu caráter. Nunca fui bom de abandonos. Nem de livros, nem de mulheres. Assim que vou lendo a insulsa trama já sabendo, mesmo antes de chegar à metade do volume, quem é o culpado.
                O outro livro que me tem refém de seu previsível desfecho é “A carne” de Júlio Ribeiro.
                O autor é um dos representantes do naturalismo no Brasil. Até bem pouco tempo, o único escritor desta corrente literária que eu havia lido, era Aluísio Azevedo e lendo agora a obra de Júlio Ribeiro, me dou conta do motivo de minha ignorância. Simplesmente o autor e sua obra não passaram pelo filtro do tempo. Já Aluísio Azevedo, perpetuou-se em seguidas reedições de seus livros e o mais popular deles, “O cortiço”, ganhou versão cinematográfica. Por isso Azevedo chegara a mim e Júlio Ribeiro, não.
                “A carne” está dedicado a Émile Zola, que o autor chama de príncipe do Naturalismo. A dedicatória, que na versão impressa está em francês, é de uma subserviência cultural sem limites. Cafona e piegas.  
                Embora o autor faça grande alarde da influência que o escritor francês teve sobre sua concepção literária, a personagem principal de “A carne” pouco tem de naturalista. É, antes, uma típica heroína do romantismo, do pior do romantismo. Exceto por uma coisa: o tesão.
                A moça, que aos 22 anos é cabaçudíssima, já nos primeiros capítulos está tecendo fantasias sexuais, até com uma estatueta de bronze. (Não do jeito que você está pensando, degenerada amiga).
                Isto se passa na fazenda onde ela se hospedou depois da morte do pai. Ela, que vivia apenas para as artes e as ciências, agora se descobre tesuda e só. Aqui o autor nos diz o que para a heroína era sentir desejos carnais; “cair de repente, como os arcanjos de Milton, do alto do céu no lodo da terra, sentir-se ferida pelo aguilhão da CARNE, espolinhar-se nas concupiscências do cio, como uma negra boçal, como uma cabra, como um animal qualquer... era a suprema humilhação”.  E olha que a moça era a fina flor da sabedoria científica!
                Bem, era aqui que eu queria chegar. Esqueça o que vai acima e me desculpe pela inépcia da expressão.  Vamos ao que interessa.
                Num outro trecho do romance, a heroína tem um encontro com um escravo de seu protetor. O diálogo entre eles é o que segue:  
                _"Sinhá, olhe como está essa perna: está toda ferida. Ferro pesa muito, fale com o sinhô pra tirar.
E mostrava o tornozelo ulcerado pela pega, fétido, envolto em trapos muito sujos.
                _Mas o que você fez para estar sofrendo isso?
                _Pecado, Sinhá, fugi.
                _Era maltratado, estava com medo de apanhar?
                _Nada, Sinhá: negro é mesmo bicho ruim, às vezes perde a cabeça”.
               O diálogo, totalmente inverossímil, foi escrito por um abolicionista. Sim, Júlio Ribeiro era abolicionista.  Assim como outros de sua geração e condição social, Júlio Ribeiro militou na causa da libertação dos escravos. Nem por isso deixava de ser racista, como mostra o diálogo acima. Muitos dos que se engajaram na luta antiescravista, não o fizeram por crer na igualdade entre os seres humanos, mas por outros motivos.É comum encontrarmos escritos do século 19, nos quais seus autores se lamentam pela imagem do Brasil na Europa, devido à escravidão. Alguns apontam para as relações econômicas prejudicadas pelo trabalho escravo. Outros aludem ao amor cristão para condenar a exploração dos escravos. De igualdade e justiça pouco se fala.
               Não nos esqueçamos que Júlio Ribeiro pertencia à nata da intelectualidade nacional sendo, inclusive, membro da Academia Brasileira de Letras. 
                Joaquim Nabuco, outro ilustre antiescravista, em seu livro “O abolicionismo”, nos dá uma amostra do pensamento vigente entre alguns dos que defendiam a causa da libertação dos escravos: ”Muitas das influências da escravidão podem ser atribuídas à raça negra, ao seu desenvolvimento mental atrasado, aos seus instintos bárbaros ainda, às suas superstições grosseiras.” Nabuco, fundador da Sociedade Antiescravidão Brasileira, foi também um dos fundadores da ABL.
                José Veríssimo, outro acadêmico, fala nesses termos da questão racial: “A mistura de raça é facilitada pela prevalência do elemento superior. Por isso mesmo, mais cedo ou mais tarde, ela vai eliminar a raça negra daqui. É óbvio que isso já começa a ocorrer.”
                Esse modo de pensar não ficou acumulando poeira como a obra de Júlio Ribeiro. Está vivo. Para comprovar isso, basta que leiamos o que se tem escrito sobre o sistema de cotas nas universidades. Houve quem afirmasse que a simples presença dos cotistas (negros e mulatos), faria cair o nível do ensino superior no Brasil. Esse mesmo ensino superior que produziu Júlio Ribeiro, Nabuco e José Veríssimo.





segunda-feira, 19 de novembro de 2012

E não falo mais no assunto


                A historinha exemplar é velha e conhecida de todos, mas não custa repetir: O padre morre na zona, nos braços da puta. O que há aí, de notícia? Certamente não é a puta, que se encontrava no seu lugar de trabalho exercendo sua profissão milenar. A notícia é o padre.
                É o mesmo que vemos agora no julgamento do mensalão.
                Roberto Jefferson e seu partido, se é que se pode chamar assim, receberam, de porteira fechada, os Correios em contrapartida de uma aliança política das mais espúrias.  Jefferson resolveu explorar uma das maiores estatais do país do seu modo. Até uma criança de colo sabe como é o modo Jefferson de administrar a coisa pública. Mas aqui, a notícia não é Jefferson (este, conhecemos desde o programa popularesco de TV que o projetou) e sim a política de alianças do PT. Quem faz aliança com Roberto Jefferson pode esperar o que?
                A história da entrega dos Correios ao ex-gordo e ex-deputado e suas conseqüências,  merece ser relembrada, pois os petistas perderam a memória repentinamente. Mas você deve se lembrar das imagens mostradas um milhão de vezes no horário nobre das TVs: Os arapongas, o petequeiro, que cita Jefferson ao receber “um qualquer”, o ex-gordo na CPI, suas acusações contra José Dirceu. Os réus confessos, Silvinho Pereira e sua Land Rover, Delúbio e sua fazenda. Duda Mendonça confessando que recebeu dinheiro fora do país por serviços de propaganda prestados aqui e etc e etc.
                O partido de Lula, que em determinada época de sua existência, recusava-se a fazer alianças com o comunismo histórico e com Leonel Brizola, agora, é uma casa da Mãe Joana. Seus aliados preferenciais são José Sarney, Renan Calheiros, Fernando Collor de Merda, Waldemar da Costa Neto, Roberto Jefferson e, para assombro dos ingênuos, Paulo Salim Maluf.
                Não custa também relembrar o apoio do PT a Sarney no caso dos “atos secretos do Senado”. Nomeações irregulares, nepotismo, abuso de poder. Tudo gravado nas mais singelas conversas telefônicas entre o último coronel e sua prole. A oposição pedia a destituição de Sarney da presidência do Senado. O caso era simples. Mas com o apoio do PT, Sarney saiu ileso. Continuou presidindo a casa e nem teve de dar muitas explicações. Tudo em nome da governabilidade.
                O mesmo havia se passado com Renan Calheiros.
                No primeiro caso de terceirização de pensão alimentícia que se teve notícia, Renan tinha suas obrigações para com uma filha que teve fora do casamento, pagas por uma empresa. Para se defender, o deputado usou até notas fiscais frias, mas o processo por falta de decoro parlamentar morreu nos votos secretos do plenário da Câmara, com o auxílio luxuoso de seus aliados petistas. Se tivesse sido reeleita, a ex-deputada Ângela Guadagnin teria dançado sua grotesca dança da pizza em homenagem ao companheiro Renan, como já fizera para o Deputado João Magno.
                Só para demonstrar que a prática não é tão incomum, consta dos autos da Ação Penal 470, que a ex-mulher de José Dirceu conseguiu um emprego no BMG, durante o auge do esquema. Maria Ângela da Silva Saragoça, também levantou um papagaio no Banco Rural e vendeu seu apartamento para Rogério Tolentino, advogado das empresas de Marcus Valério e seu sócio em outras transas. Mesmo assim, os petistas mais fanáticos dizem que não há, nos autos, nenhuma prova que Zé Dirceu seja o mentor do esquema de compra e venda de apoio parlamentar.  Como se algo pudesse acontecer dentro do PT sem, pelo menos, a anuência do Czar Zé Dirceu.
                Os petistas querem que acreditemos que Zé Dirceu, Ministro da Casa Civil e responsável pela articulação política do governo, nada sabia das operações de Delúbio, o gênio. Que o financiamento a partidos e parlamentares foi feito sem seu conhecimento. Dos empréstimos fictícios, dados ao Partido dos Trabalhadores pelo Banco Rural e assinados por José Genuíno como seu presidente, Dirceu, também nada saberia.
               Na CPI dos Correios, Delúbio sempre se referiu ao dinheiro público que era usado para comprar apoio parlamentar, como doações não contabilizadas. (Se você se lembrou da operação Uruguai de Fernando Collor de Merda, lembrou bem). Assumindo um crime menor, o professor (espero que não seja de português) tinha, na época, certeza que tudo seria esquecido e viraria piada de salão, segundo suas próprias palavras. Não foi assim.
               Hoje, não podendo defender os acusados no caso do mensalão sem que isso pareça uma ofensa à inteligência das pessoas, os petistas usam a tática de acusar os julgadores. Falam de julgamento político esquecendo-se que a maioria dos Ministros que hoje compõem o STF, foi indicada por Lula ou por Dilma. Defendem as posições de Lewandowisk, sem mencionar que quem sempre o acompanha nos votos é o Ministro Toffoli, que sequer teve a honradez de pronunciar-se inapto para julgar o caso devido à sua proximidade com Zé Dirceu e a alta cúpula do PT, para quem advogou em passado recente.
               Outro argumento risível dos atuais petistas é que o STF está a serviço das elites descontentes com o modo petista de governar. O companheiro Sarney concorda. O companheiro Maluf anui.


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Diabetes


                Não sei jogar xadrez. Quando a morte (aquela, do filme do Bergman) chegar, eu vou pedir é pra jogar porrinha.  Valendo a cerveja. E sou marraio. Acho que ela vem de lona, afinal, é a morte do filme do Bergman e deve ter o comportamento estereotipado do símbolo. Ela, em si, é o nada. Na certa, vem de lona.
                Vou montando minhas estratégias, pois a tenho visto por perto. (A morte do filme do Bergman) Fui diagnosticado com diabetes há uns meses e quando começaram os sintomas clássicos da doença, eles chegaram com tudo. Achei que ia empacotar. Felizmente, pelo menos para mim, melhorei com o tratamento. Mas meu pâncreas faliu e tenho de tomar insulina. Só uma picadinha na barriga duas vezes por dia. Até que é agradável, comparada com dor de dente e jeito na coluna.
                Foi minha mulher que, pesquisando na internet, diagnosticou minha doença. Desde então ela vive buscando dietas e tratamentos.
                Há muitos sítios com variada informação sobre o diabetes que, segundo dados do Ministério da Saúde, já atinge quase 6 milhões de brasileiros. A parte divertida fica por conta dos sítios que prescrevem dietas. Num deles, o médico dá sugestões de refeições com menos  calorias que as servidas em Auschwitz. Você morre de inanição antes do diabetes fazer o serviço.
                Na dieta desse doutor, há espaço para porções de frutas, mas com asterisco. Quando vamos ao pé do texto conferir a indicação, nos deparamos com seu conceito de porção de frutas. Diz o preclaro galeno:  _”Entenda-se por porção de frutas, a porção que você serviria, cerimoniosamente, para uma visita”. O que quis dizer o doutor, com isso? Quantos bagos de jaca eu deveria servir a uma visita? Quantas bananas? A pitanga vai com caroço? Sei lá. Fiquei com a impressão que o doutor recebe poucas visitas.
                Tem também os sítios naturebas que prescrevem coisas naturais e caseiras para melhorar a vida dos diabéticos. Em alguns deles, minha mulher encontrou receitas do leite de alpiste. O problema é que eles divergem entre si sobre a ordenha da herbácea.
                Muita coisa é sugerida para a saúde do diabético, com óbvio prazer sádico. Por exemplo: água de berinjela. A quem lhe ocorre amargar ainda mais a vida de um doente com tal sugestão?  Nesse caso, a receita manda deixar fatias de berinjela dentro d’água durante a noite e de manhã, em jejum, beber o líquido resultante. Só pode ser sacanagem. Se uma berinjela já é horrível mesmo disfarçada com nome francês e queijo por cima, imagina xixi de berinjela!
                Agora, entenda minha situação. Eu, um sujeito macho, espada, pernambucano honorário, tendo de falar de índice glicêmico, dietas e leite de alpiste. É triste. Mas tem pior.
                Acontece que ademais dos estragos no pâncreas, o diabético ganha de brinde unas cuantas cositas más. No meu caso, foi uma complicação no pênis. O urologista foi logo dizendo que, na maioria dos casos como o meu, era questão de cirurgia. Uma pequena cirurgia. Não sei se ele queria me tranqüilizar ou estava me sacaneando com esse negócio de ”pequena”. De qualquer modo, não guardei mágoa do doutor. Há que se entender que um cara que passa sua vida manipulando pintos enfermos tem de sacanear alguém de vez em quando. Mas não foi preciso a “pequena” cirurgia. Tudo se resolveu com uma pomadinha à moda antiga.
                Outra alegria que me trouxe a doença foi saber que anteontem ela fazia aniversário. Pois é, 14 de novembro é o Dia mundial do Diabetes. Não do diabético, do diabetes. Disso fiquei sabendo através do sítio da APAD, Associação Paranaense do Diabético Juvenil. Aliás, o que não falta são associações para defender meus direitos e interesses. Se eu morasse em Belo Horizonte poderia contar com a ASSODIBELO. Em Ouro Preto, com a ASSODIOP. Em Barbacena, além do hospício, tem a ASSODIBAR e por aí vai. Existe até mesmo uma Federação das Associações de Diabéticos do Estado de Minas Gerais, a FEADEMG.
                Como se vê, além de matar, o diabetes também gera siglas monstruosas. Efeito colateral.








terça-feira, 13 de novembro de 2012

Lições do mensalão


                Vai chegando ao fim o julgamento da Ação Penal 470 que pela boca de Roberto Jefferson, ganhou o apodo de “mensalão”. Pois foi ele quem batizou a prática da compra e venda de apoio parlamentar com esse nome. Em seu depoimento na CPI dos Correios, Jefferson tratou de atribuir a outro a autoria do dito, mas estou convicto que foi ele seu inventor. E digo mais: foi de improviso. Creio ter visto nos olhos do ex-gordo e ex-parlamentar, enquanto depunha na CPI, cercado da atenção dos meios de comunicação, o brilho do criador contente com seu achado.
                Os desdobramentos daquele depoimento, hoje são vistos nas condenações que recebem seus participantes, ativos e passivos, por parte dos membros do STF. Coisa impensável até poucos anos atrás, tem até uma presidente de banco, condenada há mais de dez anos de prisão. Junto a ela, figurões do PT e seus aliados, publicitários, advogados, gente graúda.
                Jefferson já não sorri com seus achados lingüísticos. Delúbio se equivocou quando disse que tudo seria esquecido e viraria piada de salão. Zé Dirceu mantém a pose e a arrogância, seus advogados falam em julgamento político, tribunal de exceção. A imprensa, que se diz independente, enxovalha ministros e tenta desqualificar o tribunal e seu veredicto. Cabe agora o último recurso aos réus: os embargos de declaração para os quais a corte está atenta e não deve dar ensejo a mais essa manobra protelatória.
                Ademais das duras disputas verbais entre o Ministro Relator e o Ministro Revisor, chama-me a atenção de leigo, o fato de termos no Brasil um ordenamento jurídico bastante robusto. Digo isso pensando em nossa representação parlamentar. Cada vez que ouço nossos senadores e deputados, fico me perguntando como pode daquelas casas sair qualquer lei que não seja um despautério. No entanto elas aí estão, como por encanto. Claro que nem tudo está disposto como deveria, principalmente se levarmos em conta que nossa Constituição é extremamente minuciosa.
                Numa sessão acontecida há poucos dias atrás, a Corte teve de deliberar se dava ou não direito a voto na questão da dosimetria das penas a quem, em sentada anterior, havia absolvido os réus. Optou-se por negar-se tal voto. Não me arrisco a entrar no mérito da questão, mas me chama a atenção que tal fato não houvesse ocorrido antes naquela colenda corte e tudo devesse  ser resolvido durante o julgamento.
                Há outras questões para as quais nossa lei maior é omissa e, mais cedo ou mais tarde, deverão ser enfrentadas. Por exemplo: Sabemos que só quem pode representar o Ministério Público perante o Supremo, é o Procurador Geral da República. Mas se o Ministério Público resolver representar contra o Procurador, como fica?
                Mas com questões omissas ou não, o julgamento da AP 470 vai pondo por terra o discurso dos indignados profissionais que pululam nas redes sociais e da imprensa mal informada. Para aqueles, o julgamento não daria em nada, para esses a questão era tirar proveito eleitoral do julgamento. Todos caíram do cavalo.
                Contra os réus, pesam acusações devidamente fundamentadas nos autos. Estes estão prenhes de provas e indícios. Ainda assim, o Ministro Lewandowisk  teima em ir contra a corrente do bom entendedor. Referindo-se ao depoimento em juízo do Bispo Rodrigues, no qual Sua Excelência Reverendíssima confessou ter recebido um dinheirinho do esquema de Marcus Valério, Sua Excelência, o ministro, disse que Rodrigues havia confessado o ilícito com candura, creio que foi esse mesmo o termo empregado por Lewandowisk.  Ora, esqueceu-se o Ministro dos anos de treinamento de Rodrigues na Igreja Universal?  Não se deu conta que esse assunto de pegar um dinheirinho, de qualquer mão, é tema dos mais corriqueiros para os bispos e pastores daquela seita?  Não é candura, é cara dura.
                Outros réus também mereceram o beneplácito de Sua Excelência, principalmente, quando de formação de quadrilha se tratou. Suas posições têm causado grandes embates com o Ministro Joaquim Barbosa e anteontem não foi diferente. Após dura reprimenda do Ministro Relator, Lewandowisk abandonou o plenário com grande esvoaçar da toga.
                Acontece que o Ministro Revisor está abusando das delongas. Já leu, ao proferir um voto, um artigo de jornal  e também  depoimentos de testemunhas de defesa que só são arroladas para gastar tempo. São, geralmente, amigos do réu que nada trazem para contestar as acusações. Nessa última leitura, o Ministro Presidente ponderou que eram mais de seiscentas testemunhas e se o depoimento de cada uma fosse lido... Nesse ponto, Lewandowisk encerrou a leitura afetando conformismo com a alusão de Aires Brito. Nesse e em outros casos, há que louvar-se a atitude do Presidente do STF. Sempre ponderada e apaziguadora, embora firme.
                Quanto às penas, essas têm sido brandas se nos ativermos a cada crime. As condenações mais se aproximam do mínimo estipulado nas leis, sendo acrescidos por motivo da reiteração com a qual os delitos foram praticados. Mas como são tantos os crimes praticados por cada réu, a soma das condenações promete deixar em regime fechado muita gente que jamais supôs estar nessa situação.
                Para mim, o mais importante é não nos deixarmos iludir pelas vozes grandiloqüentes que bradam que o país está sendo passado a limpo com esse julgamento. Nem por um instante, tal idéia me ocorreu. Essa ação da Corte Suprema, deve ser vista, segundo penso, apenas como punitiva. Corruptos e corruptores não fazem caso de exemplos. O próprio Marcus Valério, já depois de iniciado o processo que agora chega ao fim, meteu-se em outras falcatruas e foi preso novamente. Os casos de superfaturamento em obras do PAC e da Copa, são conhecidos de todos e seus autores andam por aí como se nada lhes possa passar. O escândalo provocado pelo caso Demóstenes, que pôs em evidência nomes de políticos e suas relações pouco republicanas com Carlinhos Cachoeira, Cavendish e outros, é muito posterior à CPI dos Correios e do processo agora em curso. Ninguém temeu ser apanhado, nem passar pelo constrangimento público de uma CPI ou algo que o valha.
                O poder e o dinheiro advindos da corrupção, continuarão gerando inquéritos, julgamentos e punições. Sem que haja reformas profundas na legislação eleitoral, no sistema de licitações e na fiscalização dos atos de governo (Tribunal de Contas incluído), nada fará parar a sanha patrimonialista, a cultura da propina, a deslavada corrupção.




 







segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Racismo e MPB


                Em dezembro de 2011, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, manteve a decisão de multar a gravadora Sony em 1 milhão de 200 mil reais, por racismo. Trata-se do caso da música “Olha os cabelos dela” do cantor e Deputado Federal, Tiririca. A ação foi ajuizada em 1997 quando a “canção” foi gravada.
                Na época, o caso teve grande repercussão, mas só depois de 14 anos saiu a decisão da qual já não cabe recurso. Até onde sei, é a primeira vez que a indústria fonográfica é afetada por um ato jurídico dessa natureza. Creio também que a execução da “música” foi proibida tão logo entidades do movimento negro entraram com a ação judicial. Mas por que só a “música” de Tiririca sofreu tal reparo?
                Outro dia, num programa esportivo, surgiu o tema do racismo e um jornalista disse que não se deve levar a ferro e fogo as questões de injúria racial, que se assim fosse, não se poderia mais cantar  “O teu cabelo não nega” de Lamartine Babo. O jornalista que fez a ponderação, é um dos melhores que atuam na crítica esportiva e é mulato. Mas a ressalva feita por ele não é, a meu ver, cabível.
                A marchinha de Lamartine Babo não deveria mesmo ser cantada. Se contássemos com críticas que mostrassem seu caráter racista, aos pouco as bandas que seguem executando sua melodia nos salões dos bailes  carnavalescos, deixariam de fazê-lo. Mas não. Nossa crítica está preocupada com outras coisas, nosso jornalismo está mais empenhado em combater o sistema de cotas raciais do que em mexer com o passado e o racismo.
                O que se deu com Tiririca, jamais se daria com Lamartine. Se aquele não passa de um fabricante de tolices para entretenimento de idiotas, este é um monstro sagrado da MPB. No entanto, os versos “O teu cabelo não nega mulata por que és mulata na cor, mas como a cor não pega, mulata, mulata eu quero seu amor”, está tão eivado de racismo quanto os “versos” de “Olha os cabelos dela”. Tiririca é mais grosseiro, Lamartine apela para o amor que quer da mulata, afinal a cor não pega. E se pegasse “seu” Lalá?  
                Em comum, as duas composições têm algo mais: o gracejo. Se Tiririca não atinge seu objetivo de fazer rir com sua “música” por pura falta de talento, Lamartine, dominador da língua, dos versos e melodias, consegue ser gracioso e divertido à custa da mulata. O mesmo fazem David Nasser e Rubens Soares com sua “Nega do cabelo Duro”. Aí, é o puro deboche. Fala-se de uma característica física de um povo como algo risível e grotesco. Nessa composição, já não se promete amores, não se louvam as curvas nem os encantos da mulata, pois de mulatas não se trata e sim de negras e, como se sabe, o preconceito no Brasil é mais de cor do que de raça.  A música mereceu sisuda gravação de Elis Regina, tendo seus versos misturados com “Aquarela do Brasil”. Confesso que até hoje não entendi, nem a mistura das letras, nem o tom sério que Elis usou para interpretá-la.
                Nos anos 90, Luis Caldas perpetrou “Fricote” que também fala em “nega do cabelo duro” com o mesmo conteúdo debochado e racista. Entre “Seu cabelo não nega” e a “música” de Caldas, passaram-se mais de 60 anos. Se a justiça deu um tímido passo, punindo a gravadora de Tiririca, nossa sociedade não fez o mesmo e continua achando engraçado escarnecer de negros e mulatos. A vítima preferencial desse escarnecimento é a mulher negra. Freud explica.
                Quem deixa negras e mulatas de lado e prefere falar do homem negro como motivo de piada, é Sérgio Porto, o Stanislau Ponte Preta, em seu “Samba do crioulo doido”.
                No preâmbulo do samba, Sérgio Porto explica que o motivo do “crioulo” ter endoidado foi o enredo da escola: “conjuntura nacional”.  Para nossas elites, e também para os que dela pensam fazer parte, o povo pobre em geral, e os negros em particular, são perfeitos idiotas, uns boçais, pessoas abaixo de entendimento mediano das coisas. Sendo assim, qualquer tentativa de aproximação com o mundo “culto” resulta em loucura, doidice. Um negro, compositor de sambas de enredo, jamais poderia entender o que significa conjuntura nacional.
                Esqueceu-se Sérgio Porto que desde sempre os sambas de enredo foram compostos por gente negra e pobre. Nenhum tema deixou de ser abordado, nenhuma história deixou de ser contada pelos compositores das escolas.  Um bom exemplo é Mano Décio da Viola, que muito antes de compor seu antológico samba de enredo “Exaltação a Tiradentes”, já fizera, ao lado de Silas de Oliveira, “Conferência de São Francisco”, samba que falava da fundação da ONU.  Mano Décio cantou desde D. João VI até a Batalha do Riachuelo. De Bárbara Heliodora até o Brasil Holandês. E esse compositor é apenas um exemplo de como não há “conjuntura nacional” que iniba a verve criadora dos “crioulos”. Dizer o contrário é puro racismo.
                Mas tem o outro lado da moeda na nossa música popular. Quando Chico César gravou “Respeitem meus cabelos, brancos”, houve gente que não gostou. Conta o compositor, que através das redes sociais, algumas pessoas gastaram seu tempo para mandar-lhe mensagens dizendo que estavam deixando de ser seus fãs por ele ser uma pessoa raivosa. Quem conhece a música, sabe que nada há de raivoso na letra, pelo contrário. O jogo de palavras que Chico César faz, parafraseando o samba de Herivelto Martins e Marino Pinto, é um achado. Mas como é coisa de negro, não pode. Pedir respeito é ser raivoso.







sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Racismo


                Outro dia, escrevi aqui sobre Monteiro Lobato e a conotação racista de certos trechos de sua obra mais conhecida, “O sítio do picapau amarelo”. Recebi, via facebook, um comentário de um leitor que me honrou com sua atenção. Dizia ele que estava lendo “Clarissa” do Érico Veríssimo e também via na obra do autor gaúcho, certos signos de racismo. Sem embargo, esse leitor objetava que se tratava de uma visão de mundo da época em que os textos (tanto o de Lobato quanto o de Veríssimo) foram escritos e que não se podia dizer que esses escritores fossem racistas. Que hoje, certamente, eles teriam uma outra forma de pensar.
                 Peço venia ao leitor amigo para uma fundamental discordância. Creio sim, que esses escritores eram racistas. Não de um racismo intolerante à moda americana ou européia, mas à brasileira. Aqui nega-se a igualdade não com a Ku Klux Klan, mas com o paternalismo. Não com o apartheid, mas com a  marginalização. E o pior: ninguém se diz racista. Sequer se acha racista.
                 Parece-me, que na sociedade brasileira, assim como em qualquer outra formada e deformada pelo pensamento europeu, etnocentrista e explorador, a ideia de superioridade racial sempre esteve presente e não se diluiu com o passar do tempo, como muitos querem fazer crer. Pelo contrário. Bastou o advento das cotas raciais para ingresso nas universidades, para que se desatasse uma onda de ódio contra os “privilégios” dados aos negros e mestiços.
                 Notabilizam-se na defesa da “igualdade” os senhores Magnoli e o filósofo televisivo Luis Felipe Pondé. Se o primeiro procura fundamentar sua opinião nos dados genéticos e outros argumentos “científicos”, o outro apenas esgrima um trololó histérico muito acorde com sua personalidade. Mas se não fossem as políticas compensatórias promovidas pelo governo, esses senhores nem abordariam o tema, quem os conhecesse jamais veria neles qualquer laivo racista. Pelo contrário. Aliás, sempre foi assim e nossa literatura, nosso jornalismo e nossa história, estão repletos de exemplos de como a ideia da superioridade racial vive entre nós.
                 Acabo de ler a “História da literatura brasileira” de José Veríssimo, livro escrito nos começos do século 20, e lá encontrei, além do bom texto e do trabalho acurado de pesquisa, expressões como “raças inferiores” ditas como verdades incontestáveis. Mas se fôssemos perguntar ao senhor José Veríssimo se ele era racista, a resposta seria desenganadoramente, não. O mesmo se passa com o livro que agora vou terminando, “O missionário” de Inglês de Souza. Nessa obra, quase nunca se fala de índio (palavra que o autor substitui por “tapuio”) sem o acompanhamento do adjetivo “boçal”.  O mesmo vale para os negros. Mas, estou convicto que o autor se negaria a assumir seu racismo.
                 Assim como hoje, o racismo sempre gostou de travestir-se de ciência. Foi sob os auspícios do darwianismo social que ele entrou glorioso no século 20, justificando o colonialismo, a exploração e o saque das riquezas dos continentes não brancos. Mesmo os criacionistas anglicanos, se amparavam nessa interpretação capenga da teoria da evolução das espécies para justificar o genocídio de populações que eram mostradas como entraves ao progresso.
                 Com o seqüenciamento do DNA humano, dá-se o mesmo. Há alguns poucos anos, colheram amostras de sangue de Daiane dos Santos e do Neguinho da Beija Flor, fizeram testes e constatou-se que ambos tinham um grande percentual de DNA ariano. Pronto. Se por um lado a pesquisa pôs por terra a ideia de pureza racial e mesmo o critério de raças dividindo os seres humanos, por outro, deixou o espaço para que os adversários das cotas raciais argumentassem de maneira enviesada.
                 Acontece que o Neguinho da Beija Flor não é o Arianinho da Beija Flor e os antepassados de Daiane dos Santos não foram escravizados por que eram baixinhos ou por terem errado um duplo mortal carpado. O nome de um e a ancestralidade da outra, contam uma história totalmente diferente.
                  João do Rio, em seu saboroso livro “As religiões do Rio”, ao fazer um apanhado dos cultos religiosos minoritários da então Capital Federal, tem para com todos, muito respeito e consideração. Exceto pelos cultos de matriz africana. O escritor, que era mulato, não vê nessas manifestações religiosas senão charlatanismo e fraude. Escolhe a dedo exemplos de pais de santo que exploram a crendice do povo e o trabalho das filhas de santo.  Para as outras práticas religiosas, só elogios e afagos.
                 São inúmeros e eloqüentes os exemplos, mas empalidecem diante dos textos que hoje se publicam contrários ao sistema de cotas. Antes, como agora, o difícil não é encontrar as manifestações de racismo, o difícil é encontrar quem assuma o que realmente pensa.