segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Racismo e MPB


                Em dezembro de 2011, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, manteve a decisão de multar a gravadora Sony em 1 milhão de 200 mil reais, por racismo. Trata-se do caso da música “Olha os cabelos dela” do cantor e Deputado Federal, Tiririca. A ação foi ajuizada em 1997 quando a “canção” foi gravada.
                Na época, o caso teve grande repercussão, mas só depois de 14 anos saiu a decisão da qual já não cabe recurso. Até onde sei, é a primeira vez que a indústria fonográfica é afetada por um ato jurídico dessa natureza. Creio também que a execução da “música” foi proibida tão logo entidades do movimento negro entraram com a ação judicial. Mas por que só a “música” de Tiririca sofreu tal reparo?
                Outro dia, num programa esportivo, surgiu o tema do racismo e um jornalista disse que não se deve levar a ferro e fogo as questões de injúria racial, que se assim fosse, não se poderia mais cantar  “O teu cabelo não nega” de Lamartine Babo. O jornalista que fez a ponderação, é um dos melhores que atuam na crítica esportiva e é mulato. Mas a ressalva feita por ele não é, a meu ver, cabível.
                A marchinha de Lamartine Babo não deveria mesmo ser cantada. Se contássemos com críticas que mostrassem seu caráter racista, aos pouco as bandas que seguem executando sua melodia nos salões dos bailes  carnavalescos, deixariam de fazê-lo. Mas não. Nossa crítica está preocupada com outras coisas, nosso jornalismo está mais empenhado em combater o sistema de cotas raciais do que em mexer com o passado e o racismo.
                O que se deu com Tiririca, jamais se daria com Lamartine. Se aquele não passa de um fabricante de tolices para entretenimento de idiotas, este é um monstro sagrado da MPB. No entanto, os versos “O teu cabelo não nega mulata por que és mulata na cor, mas como a cor não pega, mulata, mulata eu quero seu amor”, está tão eivado de racismo quanto os “versos” de “Olha os cabelos dela”. Tiririca é mais grosseiro, Lamartine apela para o amor que quer da mulata, afinal a cor não pega. E se pegasse “seu” Lalá?  
                Em comum, as duas composições têm algo mais: o gracejo. Se Tiririca não atinge seu objetivo de fazer rir com sua “música” por pura falta de talento, Lamartine, dominador da língua, dos versos e melodias, consegue ser gracioso e divertido à custa da mulata. O mesmo fazem David Nasser e Rubens Soares com sua “Nega do cabelo Duro”. Aí, é o puro deboche. Fala-se de uma característica física de um povo como algo risível e grotesco. Nessa composição, já não se promete amores, não se louvam as curvas nem os encantos da mulata, pois de mulatas não se trata e sim de negras e, como se sabe, o preconceito no Brasil é mais de cor do que de raça.  A música mereceu sisuda gravação de Elis Regina, tendo seus versos misturados com “Aquarela do Brasil”. Confesso que até hoje não entendi, nem a mistura das letras, nem o tom sério que Elis usou para interpretá-la.
                Nos anos 90, Luis Caldas perpetrou “Fricote” que também fala em “nega do cabelo duro” com o mesmo conteúdo debochado e racista. Entre “Seu cabelo não nega” e a “música” de Caldas, passaram-se mais de 60 anos. Se a justiça deu um tímido passo, punindo a gravadora de Tiririca, nossa sociedade não fez o mesmo e continua achando engraçado escarnecer de negros e mulatos. A vítima preferencial desse escarnecimento é a mulher negra. Freud explica.
                Quem deixa negras e mulatas de lado e prefere falar do homem negro como motivo de piada, é Sérgio Porto, o Stanislau Ponte Preta, em seu “Samba do crioulo doido”.
                No preâmbulo do samba, Sérgio Porto explica que o motivo do “crioulo” ter endoidado foi o enredo da escola: “conjuntura nacional”.  Para nossas elites, e também para os que dela pensam fazer parte, o povo pobre em geral, e os negros em particular, são perfeitos idiotas, uns boçais, pessoas abaixo de entendimento mediano das coisas. Sendo assim, qualquer tentativa de aproximação com o mundo “culto” resulta em loucura, doidice. Um negro, compositor de sambas de enredo, jamais poderia entender o que significa conjuntura nacional.
                Esqueceu-se Sérgio Porto que desde sempre os sambas de enredo foram compostos por gente negra e pobre. Nenhum tema deixou de ser abordado, nenhuma história deixou de ser contada pelos compositores das escolas.  Um bom exemplo é Mano Décio da Viola, que muito antes de compor seu antológico samba de enredo “Exaltação a Tiradentes”, já fizera, ao lado de Silas de Oliveira, “Conferência de São Francisco”, samba que falava da fundação da ONU.  Mano Décio cantou desde D. João VI até a Batalha do Riachuelo. De Bárbara Heliodora até o Brasil Holandês. E esse compositor é apenas um exemplo de como não há “conjuntura nacional” que iniba a verve criadora dos “crioulos”. Dizer o contrário é puro racismo.
                Mas tem o outro lado da moeda na nossa música popular. Quando Chico César gravou “Respeitem meus cabelos, brancos”, houve gente que não gostou. Conta o compositor, que através das redes sociais, algumas pessoas gastaram seu tempo para mandar-lhe mensagens dizendo que estavam deixando de ser seus fãs por ele ser uma pessoa raivosa. Quem conhece a música, sabe que nada há de raivoso na letra, pelo contrário. O jogo de palavras que Chico César faz, parafraseando o samba de Herivelto Martins e Marino Pinto, é um achado. Mas como é coisa de negro, não pode. Pedir respeito é ser raivoso.







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