sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Racismo


                Outro dia, escrevi aqui sobre Monteiro Lobato e a conotação racista de certos trechos de sua obra mais conhecida, “O sítio do picapau amarelo”. Recebi, via facebook, um comentário de um leitor que me honrou com sua atenção. Dizia ele que estava lendo “Clarissa” do Érico Veríssimo e também via na obra do autor gaúcho, certos signos de racismo. Sem embargo, esse leitor objetava que se tratava de uma visão de mundo da época em que os textos (tanto o de Lobato quanto o de Veríssimo) foram escritos e que não se podia dizer que esses escritores fossem racistas. Que hoje, certamente, eles teriam uma outra forma de pensar.
                 Peço venia ao leitor amigo para uma fundamental discordância. Creio sim, que esses escritores eram racistas. Não de um racismo intolerante à moda americana ou européia, mas à brasileira. Aqui nega-se a igualdade não com a Ku Klux Klan, mas com o paternalismo. Não com o apartheid, mas com a  marginalização. E o pior: ninguém se diz racista. Sequer se acha racista.
                 Parece-me, que na sociedade brasileira, assim como em qualquer outra formada e deformada pelo pensamento europeu, etnocentrista e explorador, a ideia de superioridade racial sempre esteve presente e não se diluiu com o passar do tempo, como muitos querem fazer crer. Pelo contrário. Bastou o advento das cotas raciais para ingresso nas universidades, para que se desatasse uma onda de ódio contra os “privilégios” dados aos negros e mestiços.
                 Notabilizam-se na defesa da “igualdade” os senhores Magnoli e o filósofo televisivo Luis Felipe Pondé. Se o primeiro procura fundamentar sua opinião nos dados genéticos e outros argumentos “científicos”, o outro apenas esgrima um trololó histérico muito acorde com sua personalidade. Mas se não fossem as políticas compensatórias promovidas pelo governo, esses senhores nem abordariam o tema, quem os conhecesse jamais veria neles qualquer laivo racista. Pelo contrário. Aliás, sempre foi assim e nossa literatura, nosso jornalismo e nossa história, estão repletos de exemplos de como a ideia da superioridade racial vive entre nós.
                 Acabo de ler a “História da literatura brasileira” de José Veríssimo, livro escrito nos começos do século 20, e lá encontrei, além do bom texto e do trabalho acurado de pesquisa, expressões como “raças inferiores” ditas como verdades incontestáveis. Mas se fôssemos perguntar ao senhor José Veríssimo se ele era racista, a resposta seria desenganadoramente, não. O mesmo se passa com o livro que agora vou terminando, “O missionário” de Inglês de Souza. Nessa obra, quase nunca se fala de índio (palavra que o autor substitui por “tapuio”) sem o acompanhamento do adjetivo “boçal”.  O mesmo vale para os negros. Mas, estou convicto que o autor se negaria a assumir seu racismo.
                 Assim como hoje, o racismo sempre gostou de travestir-se de ciência. Foi sob os auspícios do darwianismo social que ele entrou glorioso no século 20, justificando o colonialismo, a exploração e o saque das riquezas dos continentes não brancos. Mesmo os criacionistas anglicanos, se amparavam nessa interpretação capenga da teoria da evolução das espécies para justificar o genocídio de populações que eram mostradas como entraves ao progresso.
                 Com o seqüenciamento do DNA humano, dá-se o mesmo. Há alguns poucos anos, colheram amostras de sangue de Daiane dos Santos e do Neguinho da Beija Flor, fizeram testes e constatou-se que ambos tinham um grande percentual de DNA ariano. Pronto. Se por um lado a pesquisa pôs por terra a ideia de pureza racial e mesmo o critério de raças dividindo os seres humanos, por outro, deixou o espaço para que os adversários das cotas raciais argumentassem de maneira enviesada.
                 Acontece que o Neguinho da Beija Flor não é o Arianinho da Beija Flor e os antepassados de Daiane dos Santos não foram escravizados por que eram baixinhos ou por terem errado um duplo mortal carpado. O nome de um e a ancestralidade da outra, contam uma história totalmente diferente.
                  João do Rio, em seu saboroso livro “As religiões do Rio”, ao fazer um apanhado dos cultos religiosos minoritários da então Capital Federal, tem para com todos, muito respeito e consideração. Exceto pelos cultos de matriz africana. O escritor, que era mulato, não vê nessas manifestações religiosas senão charlatanismo e fraude. Escolhe a dedo exemplos de pais de santo que exploram a crendice do povo e o trabalho das filhas de santo.  Para as outras práticas religiosas, só elogios e afagos.
                 São inúmeros e eloqüentes os exemplos, mas empalidecem diante dos textos que hoje se publicam contrários ao sistema de cotas. Antes, como agora, o difícil não é encontrar as manifestações de racismo, o difícil é encontrar quem assuma o que realmente pensa.






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