quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O mito das redes sociais



                Uma noite, há alguns anos atrás, eu estava fazendo o que mais gosto: estava num bar  tomando cerveja. Enquanto via as modas, escutava uns fiapos de conversas que vinham das mesas próximas. Falava-se da internet que engatinhava no Brasil.
                Um computador e, mais ainda, o acesso à rede, eram coisas muito distantes de meu bolso e de minhas cogitações. Mesmo assim fiquei assuntando e ainda guardo a impressão que me deixou aquela conversa; as pessoas pareciam enfeitiçadas pela nova tecnologia. Mais que enfeitiçadas, estavam cultivando um fetiche. A coisa já deveria ter passado, mas não. A cada dia há uma novidade no mundo digital e o fetiche continua.
                Há pouco mais de dois anos, quando vários países árabes foram sacudidos por revoltas e protestos, os meios de comunicação ocidentais, no afã de catalogar os episódios, primeiro lhes deu um nome: primavera árabe.  Depois afirmaram que todo o movimento teve como eixo principal as redes sociais. Era como se as revoltas e revoluções só se tornaram possíveis graças às redes sociais. Os fatores objetivos e subjetivos que levaram aquelas pessoas às ruas  arriscando a própria vida, não contavam. Era tudo por obra e graça das redes sociais.
                Tal afirmação demonstra o total desconhecimento que se tem da realidade vivida por aqueles povos, no ocidente. Os jornalistas enviados às pressas para cobrir tais eventos, depois de umas conversas com seus colegas locais que falam inglês e os bajulam, tiram as mais esdrúxulas conclusões dos fatos e tentam nos vender algo que pensam que estamos aptos a entender. Daí o mito das redes sociais nas revoltas árabes.
                Quando esteve no Brasil, uma militante que participou da revolta no Egito, se mostrou indignada com essa abordagem reducionista da imprensa ocidental sobre os acontecimentos em seu país.
                A história está repleta de revoltas espontâneas que sacudiram e mudaram sociedades sem contar com mais nada que não fosse a necessidade de mudanças e a vontade do povo de fazê-las. Antes de existirem as tais redes, antes mesmo de haver jornais.
                Para o efeito de mobilização das massas, as redes sociais têm menos potencial que uma rádio pirata ou um panfleto pregado no poste. Sua abrangência mundial pouco importa nos acontecimentos locais. Ninguém vai sair do Brasil ou do Nepal para se revoltar no Egito.  

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O que leva Yoani Sánchez do Brasil



                Toda vez que alguém fala das conquistas da Revolução Cubana nas áreas da educação, da saúde ou da ciência, vem sempre algum idiota com a frase feita, na ponta da língua:_ Por que então, não vai morar lá? Antes que alguém venha com esse papo, deixo claro que nutro grande simpatia pela Revolução Cubana e que não vou morar lá por vários motivos.
                Primeiro porque não tenho o dinheiro da passagem. Segundo porque estou velho e meu nível de educação formal é muito inferior ao do cubano médio, eu seria um fardo para o povo de lá. Terceiro porque amo meu país, não saberia viver sem samba, sem os jogos do Galo, sem as referências que me fazem ser brasileiro. Por último, eu poderia dizer que não quero melhorar Cuba e sim o Brasil. Cuba é problema dos cubanos. Ou, pelo menos, deveria ser.
                Pois bem, dos idiotas que fazem do anticomunismo seu único discurso político e odeiam a altivez cubana, eu já sei há muito tempo, o que me surpreendeu foi ouvir esse mesmo tipo de discurso na boca de quem defende a Revolução Cubana e suas conquistas sociais. Refiro-me ao Senador Randolfe Rodrigues do Psol.
                O Senador pelo Amapá é dos mais atuantes parlamentares do país. Inteligente, combativo e probo, Randolfe Rodrigues, já no seu primeiro mandato, se notabilizou por travar o bom combate contra a corrupção endêmica do Brasil e pela defesa de um sistema de governo mais justo. Até agora, seu único deslize foi o discurso que proferiu desde a tribuna do Senado no último dia 22. 
                Disse o Senador que Yaoni Sánchez deveria viajar para Miami onde se encontram seus amigos. Ora, não creio que seja por aí. Talvez, como eu, Yoani ame seu país, sua música, seus costumes. Talvez seja em Cuba que queira viver e não em Miami. Para lá irá, visitar sua irmã e, certamente, será reverenciada pelo que há de pior naquela sociedade tal qual se passou no parlamento brasileiro. Depois voltará para sua ilha. Se ela deseja a implantação do capitalismo em Cuba, como li em textos de terceiros, é lá que deve estar para combater por suas idéias e não em Miami, junto a bandidos e terroristas a soldo da CIA, como sugere o Senador.
                Aqui, em vez de hostilizá-la, deveríamos ter lhe mostrado certas peculiaridades do capitalismo que não funciona, ou melhor, que só funciona para alguns. Deveríamos tê-la tirado dos bons hotéis onde se hospeda e dos salões nobres do parlamento por onde trafega, para um passeio pela madrugada de Salvador, pelas favelas do Rio, ou pela periferia de Brasília. De certo Yoani veria o que nunca viu em seu país.
                Veria crianças fumando crack e dormindo nas ruas, veria o analfabetismo, saberia o que é truculência policial num grau que nem imagina. Conheceria as chacinas praticadas por grupos de extermínio e milícias. Deveríamos ter mostrado à moça, as filas nos hospitais públicos e a luta que mães enfrentam para matricular um filho no ensino fundamental, nas maiores cidades do país.  
                Aos 37 anos, a ativista cubana desconhece tudo isso. Quando ela nasceu a Revolução já era vitoriosa. Na sua ilha não existem crianças dormindo pelas ruas e consumindo crack, a educação e a saúde de qualidade são oferecidas a todos gratuitamente. Não existem analfabetos em Cuba. Não existe um só hospital ou universidade particulares em Cuba. Foi lá que Yaoni Sánchez estudou e se formou em filologia. Graças ao sistema que privilegiou suas qualidades e não o bolso de seus pais, ela pode fazer o que está restrito a poucos, pouquíssimos brasileiros: cursar uma faculdade..
                Do Brasil, Yaoni Sánchez vai levar a mais deturpada das impressões. A paparicação da direita mais reacionária e boçal e os apupos da esquerda mais intolerante e imbecil.
               Quanto ao Senador Randolfe Rodrigues, continua merecendo, de minha parte, todo o crédito. Só não precisava ter embarcado nessa canoa furada da hostilidade gratuita. Senador, trate bem o turista.


domingo, 24 de fevereiro de 2013

Abaixo-assinado



                Já firmei abaixo-assinados com orgulho. Pela legalização do Partido Comunista do Brasil e do Partido Comunista Brasileiro, pela legalização do aborto, da maconha e vários outros. Assinei também a petição pelo plebiscito que pôs fim ao governo do General Pinochet, no Chile. Isso faz muito tempo, muito antes da era dos abaixo-assinados digitais que transitam pelas redes sociais.
                Hoje já não os assino. Não porque sejam digitais, mas por uma questão de consciência. Acanho-me em deixar minha firma ao lado das de quem não conheço os princípios nem os fins que almeja. Uma petição, por mais justa que seja, dá ensejo a que os mais variados interesses se juntem ao seu redor. Veja o caso do infame Renan Calheiros.
                Excetuando-se os 56 senadores que votaram no seu nome para presidir o Senado Federal, José Dirceu e mais alguns fanáticos que citam a governabilidade para apoiarem tal eleição, toda a sociedade está contra a permanência de Renan à frente da Câmara Alta. Todos que tomaram conhecimento dos crimes pelos quais responde perante o Supremo, querem vê-lo na cadeia. Contra sua permanência na presidência do Senado, circularam petições nas redes sociais e mais de 1 milhão e 400 mil assinaturas foram colhidas.
                Um dos proponentes da petição foi a ONG  "Rio de paz". Seu presidente é o Pastor Antônio Costa, da Igreja Presbiteriana do Brasil, Ministério Palavra Plena. Não estamos falando aqui de neopentecostais loucos por fama, dinheiro e concessões de TV. O pastor em questão pertence a uma igreja séria e imagino que seja também homem sério e preocupado com os destinos do país. Mas...
                O problema é que igreja é igreja, busca fiéis, seguidores. Quer espalhar sua doutrina, sua fé. Toda igreja coloca-se como detentora de uma única e indiscutível verdade. A Igreja Presbiteriana não é diferente. Ela tem como seu fim mais nobre, a expansão do reino de Jesus Cristo. Para esse fim, o Pastor Antônio Costa fundou e preside a Escola Teológica Reformada que prepara teologicamente, pastores, missionários e professores para a “Grande Comissão” ou seja, a tal expansão do reino de Cristo.
                Um crente, seja ele cristão, budista, hinduísta ou muçulmano, quando convicto de sua fé, quer distribuí-la pelo mundo. Dividi-la com todos, mesmo que ninguém tenha pedido para partilhar de coisa alguma. Nada mais natural para os religiosos, que destruir culturas, religiões, maneiras de pensar que não contemplem seu deus. Tudo se torna pequeno quando se tem algo tão maravilhoso para oferecer como a vida eterna. Sempre que penso nisso, lembro-me dos índios.
                Há alguns anos atrás, a Globo produziu uma série que se chamava “A muralha”. A trama se passava em São Paulo, na época da colônia, nos primórdios da colônia. São Paulo de Piratininga era uma vila miserável cujo único produto de exportação era a marmelada. Vivia-se mais do sonho do ouro e da escravização dos indígenas. Entre os personagens principais da obra, estavam dois padres da Companhia de Jesus. Tratavam de arrebanhar almas para glória de Nosso Senhor Jesus Cristo.
                O que mais me chamou à atenção na novela, não foi o que mudou daqueles tempos para cá, mas sim o que permanece o mesmo: a catequese dos índios. Quase 400 anos depois do que era narrado ali, padres, pastores, missionários e bispos de araque continuam invadindo terras e culturas indígenas para lhes impor uma fé, sem a qual aqueles povos sempre viveram.
                Muitas culturas autóctones têm, nos cultos religiosos que praticam, a base de sua estrutura social. Daí emerge a autoridade, a medicina, o conhecimento que os fez sobreviventes e, principalmente os valores. Valores esses, tantas vezes, superiores aos do cristianismo.
                O Pastor Antônio Costa e sua ONG, travam o bom combate com relação a Renan Calheiros, mas querem expandir o reino de Jesus às custas de outras crenças e culturas. Ao lado de sua assinatura não aponho a minha. 

Liberdade de expressão



                Nos anos setenta, o governo ditatorial promulgou lei que impunha restrições à imigração no Brasil. O objetivo do diploma legal era dificultar a entrada de padres católicos estrangeiros, ligados à Teologia da Libertação. Alguns desses padres vinham dando muito trabalho à ditadura, e prendê-los e torturá-los não era tão simples quanto prender e torturar sacerdotes nacionais. Claro, que não se fazia no texto legal, nenhuma alusão aos clérigos, afinal não se podia entrar em choque com o Vaticano. Portanto, tinha a lei, um aspecto mais genérico, mais abrangente.
                Nossa ditadura, assim como as outras do continente, além da brutalidade e boçalidade inerentes a esse tipo de governo, também tinha seu traço de comédia bufa. Tanto é assim, que o encarregado de pôr em prática a nova lei de imigração era o Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel, filho de imigrantes.                      
Estivesse em vigor, sessenta anos antes, a lei que Abi-Ackel tinha o dever de fazer cumprir, seus pais não poderiam ter vindo para o Brasil.
                Hoje, em plena democracia, dá-se algo muito parecido. Refiro-me a Yoani Sánchez.
                Temos lido e ouvido na grande (?) imprensa, que a moça é impedida de expor suas opiniões em Cuba. Seu blog é censurado e, segundo o que li, ela tem de mandar mensagens para amigos fora da ilha, para que estes postem sua valiosa interpretação da realidade cubana. Aqui, pouco se fala do teor de suas críticas ao regime, mas da falta de liberdade de expressão em seu país. Contam que Yoani já foi presa pelo simples fato de se opor ao governo socialista. Não duvido de nada disso, mas se alguém me dissesse o contrário, também não poderia refutar.
                 No Brasil, o governo não impede ninguém de escrever o que bem entende em blogs, jornais ou revistas. Jamais alguém será preso por emitir opiniões em nosso país. Mas cuidado, aqui se está cultivando o hábito de matar esses incômodos boquirrotos.
                 Em dezembro de 2011, foi encontrado morto em sua casa, em Palhoça (SC), um desses escritores de blogs. Mosquito, como era conhecido, afrontava os políticos e poderosos locais com várias denúncias, desde corrupção até estupro.
                 A notícia sobre sua morte no Terra notícias, tinha por título: “SC: com 30 ações na justiça, blogueiro polêmico é achado morto.”  Para juntar-se à estranheza do cabeçalho, que antes de anunciar a morte, tenta desqualificar a vítima, encontramos no corpo do texto que “há indícios de que ele tenha cometido  suicídio”. Mesmo antes do laudo pericial, a valorosa polícia de Santa Catarina e esse órgão de imprensa, já apontavam indícios.
                Talvez a morte de Mosquito tenha sido mesmo por suicídio. As ações na justiça, a retirada do ar de seu blog, por decisão judicial, e as ameaças que vinha sofrendo, talvez tenham conseguido seu objetivo: calar o ativo denunciante.
                Em Vassouras (RJ), o jornalista Mário Randolfo foi seqüestrado e assassinado com disparos na cabeça. Mário já havia sofrido 3 atentados contra sua vida, mas as investigações sobre esses fatos antecedentes à sua morte, não foram investigados pela polícia. A mesma polícia que investiga seu assassinato. Assim como Mosquito, Mário Randolfo também denunciava gente graúda e suas maracutaias.
                Nossa imprensa, tão preocupada com a falta de liberdade de expressão em Cuba, pouco falou dessas mortes ocorridas aqui, em nosso país, em nosso quintal. Não quis ver nessas duas mortes, uma ação para calar os que se opõem aos escusos interesses de políticos e outros poderosos. Não viu indícios de intimidação àqueles que trilham pelo caminho da desconformidade com a intolerável realidade da roubalheira e impunidade dos detentores de gordas contas bancárias em nosso país. Não vimos nos telejornais, as expressões indignadas dos jornalistas de aluguel como ocorre quando o assunto é a falta de liberdade de expressão em Cuba. Não houve editoriais clamando pela queda de ninguém, sequer de um mísero delegado relapso ou comprometido.
                Quando disse que o que se passa hoje é parecido com o que ocorria na época da ditadura, creio que me expressei bem, afinal parecido não é igual. O caso do ministro, filho de imigrantes, opondo-se a entrada de imigrantes no país, é um paradoxo, uma contradição. Falar da falta de liberdade de expressão em Cuba e calar-se diante de assassinatos de jornalistas aqui, é canalhice.


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Yoani Sánchez no Brasil



                 Não sei o que escreve Yoani Sánchez em seu blog. Nunca li. Sei que faz críticas ao governo cubano. Não sei se critica o modelo econômico, a falta de liberdade de expressão ou o sistema político. Sei sim, que todo governo pode, deve e merece ser criticado. Se não pensasse assim, estaria entre aqueles que fazem de líderes políticos, figuras míticas, infensas ao erro. Estaria entre os adoradores de Lula ou com os bajuladores de Dilma. Não, eu prefiro admirar a caminhada dos dois até o poder e criticar sua atuação dúbia quando lá chegaram.
                A visita de Yoani Sánchez ao Brasil, também merece críticas. Não a vinda da cubana em si, pois me parece que é algo de menor importância. A própria Yoani é figura menor no mundo político. Sua ascensão ao estrelato foi obra do próprio governo de Cuba que a impede de manifestar-se. E também, é claro, dos que fazem do anti-comunismo uma desbotada bandeira de luta.
               No Brasil, Yoani foi recebida com manifestações de repúdio por parte de ativistas do obscurantismo. Sou capaz de apostar que entre os manifestantes que apuparam a cubana, estavam os dirigentes da UNE que, dias atrás, posaram sorridentes para fotos ao lado de Renan Calheiros.
                Do outro lado do balcão, a oposição de direita, sem discurso, sem propostas e sem candidato, faz festinhas pra moça. Em sua visita à Câmara, Yoani recebeu buquê de flores das mãos do deputado populista e histriônico, Carlos Sampaio, do PSDB. Na foto do momento em que lhe é entregue a oferta floral, vemos ao fundo, na típica pose de papagaio de pirata, ninguém menos que Jair Bolsonaro, arauto da democracia, em Cuba. Em outra foto vemos a cubana dividindo uma mesa com Ronaldo Caiado, em pé atrás dela está de novo Jair Bolsonaro.
                Estará Yoani Sánchez ciente dos papéis que desempenham seus anfitriões na política brasileira? Saberá ela que Bolsonaro defende a ação dos torturadores da ditadura? Conhecerá o que representa a UDR, da qual Caiado foi presidente? Bem, burra ela não é. Talvez tenha sido tragada, sem se dar conta e por inexperiência, pela vertente mais obscura da democracia. Virou, sem perceber, o centro de uma disputa entre histéricos militantes do nada com a escória da política brasileira.
                A presença de Yoani Sánchez nas dependências do Congresso já é, pó si só, um disparate. Nossas casas legislativas deveriam abrir suas portas aos que querem debater os gigantescos problemas brasileiros e não as colossais questões cubanas. Queiram ou não, é intromissão indevida de um dos poderes do país, nos assuntos internos de outro país. Mas o pior, é que a viagem de Yoani à Brasília foi paga com recursos da Câmara. Claro, que nossos deputados acostumados à gastança sem fim, se sentiriam ofendidos pela menção de tão ínfimo detalhe.
                Há também outro detalhe, e dessa vez são os defensores da cubana que se recusam a discutir: o financiamento de sua viagem mundo a fora. Ora, é muita grana. Estou longe de afirmar que a moça é financiada pela CIA, como alegam seus detratores. Mas cá entre nós, é bem possível que a agência americana faça chegar até ela um incentivo através de mãos insuspeitas. Insuspeitas, mesmo para ela.
                Mas se parece, no mínimo, temerário, asseverar que tal fato ocorre, também soa risível o que asseguram os aliados brasileiros de Yoani. Dizem estes, que “pessoas de bem” arcam com suas despesas turísticas. Falam como se conhecessem tais pessoas, como se fossem sabedores dos nomes dos doadores que prefeririam ficar no anonimato.
                Mais dois fatos interessantes marcaram a visita de Yoani Sánchez ao Congresso. Desde a tribuna, a Senadora Vanessa Graziotin, mencionou que a ativista cubana viajou com visa dada pelo governo cubano. Mencionou isso como se tratasse de uma dádiva, algo digno de nota.
                Por sua vez, a oposição de direita formulou pedido de proteção policial para Yoani durante sua estada entre nós. Foram duas horas de discussão para deliberar sobre a tolice solicitada. A única voz lúcida foi a do Deputado Miro Teixeira. Disse o Deputado carioca, que primeiro deveria se perguntar à cubana se ela assim o desejava e salientou que tal proteção poderia ser vista como cerceamento de sua liberdade. Afinal, por onde fosse, Yoani seria acompanhada por agentes da Polícia Federal. Agentes de um governo que é simpático ao governo cubano.
                Tenho quase certeza que tanto os que atacam a cubana quanto os que a defendem, têm algo em comum entre si e com esse que escreve: jamais lemos as opiniões de Yoani Sánches e desconhecemos profundamente a realidade cubana.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Chibatas e pelourinhos


                Creio que a escravidão foi o fato de nossa história que mais marcou a sociedade brasileira. Marcou e marca. Imagino que em outros países, que também praticaram esse tipo de exploração, deu-se o mesmo.
                Entre nós, o racismo, que amparava ideologicamente a escravidão, foi aos poucos sendo substituído pelo preconceito de cor. Esse traço é, sem dúvida, a mais forte herança que nos deixou quase 400 anos de ignomínia escravista. Mas há outro, que criou raízes e continua sendo largamente praticado. Refiro-me aos castigos físicos. Nossa sociedade, não só os tolera como os vê como instrumento adequado de punição, de dissuasão e de boa prática educativa.
                A visão cotidiana dos suplícios impingidos aos negros nos pelourinhos das praças e nos troncos das fazendas, há menos de 130 anos atrás, brutalizou de tal forma a sociedade brasileira, que o castigo físico foi alegremente levado para dentro dos lares e se tornou utensílio pedagógico.
               Quando há pouco tempo atrás, se discutiu no parlamento punições para pais que maltratassem seus filhos, houve uma grita geral. Na TV, no rádio e nas redes sociais, um grande número de pessoas advogava pelo direito de se educar pela pancada, de se aplicar o corretivo. Na televisão, simpáticas apresentadoras faziam apologia da “palmadinha”. A vara de marmelo entrou novamente nas conversas das barbearias e botequins.
                E se há tão grande afã de punir faltas cometidas por crianças com surras e espancamentos, o que se pode esperar da nossa sociedade quando de presidiários se trata? A tortura, é claro.
                Durante a ditadura civil-militar iniciada em 64, a tortura foi “democratizada”. Já não eram apenas pobres, negros e pequenos delinqüentes que eram vítimas do ato vil. Os inimigos do regime, em sua maioria saídos das classes médias, sofreram as mais cruéis torturas e degradações.  Aí a sociedade se manifestou.
                Terminado o regime ditatorial, o Grupo Tortura Nunca Mais, cujos serviços prestados à cidadania jamais devem ser esquecidos, publicou os relatos daqueles, que nos porões da ditadura, foram vítimas de tormentos físicos e morais. Durante algum tempo, a tortura foi alvo da indignação popular. Hoje isso não mais se dá. Assim como havia sido esquecida a atuação do DIPE no Estado Novo, o que se passou durante os anos de chumbo, deixou de interessar a uma sociedade que tem o vício do revisionismo histórico.
                Mesmo nos tempos em que ocupava lugar de destaque na luta pelos direitos humanos, o Grupo Tortura Nunca Mais, pouco se manifestou com relação aos presos comuns que continuavam e continuam sofrendo torturas nas delegacias, casas de custódia e presídios. Mas, caso quisesse pronunciar-se hoje sobre o tema, sua voz seria abafada pelos Datena, Marcelo Rezende e outros que tais, que infestam a TV aberta do país. E não só por eles, como também pela sua crescente audiência que já não é só composta por iletrados das periferias. A classe média, que se vê como vítima preferencial dos bandidos, comprou com grande facilidade o discurso simplista da pena capital e do suplício físico para aqueles que infringem a lei.
               No episódio recente dos ataques a ônibus em Santa Catarina, o que detonou a revolta foram os maus tratos sofridos pela população carcerária do estado. Esse fato, só referido pelos meios de comunicação passados vários meses do início da reação violenta, teve pouca ou nenhuma repercussão, mas só o fato de citá-lo, provoca as mais histéricas reações nas redes sociais. A realidade medieval de nosso sistema prisional, não merece sequer uma palavra de indignação ou repulsa daqueles que postam fotos de cachorrinhos e frases edificantes no facebook.
              O termo “direitos humanos” é alvo de chacota ou escárnio por parte dos líderes de audiência no horário vespertino das TVs e quem ousa pronunciá-lo, recebe logo o epíteto de defensor de bandido.
              Nossa sociedade anda saudosa de chibatas e pelourinhos.




segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Plantão de polícia



                 Assistia um programa sobre polícia. Dois policiais, um homem e uma mulher, falavam sobre sua profissão. A jovem delegada dizia-se privilegiada por exercer tal ofício e o investigador apontava para o novo conceito que desfrutava a polícia. Dizia ele:_“O policial não é mais visto como um sujeito arrogante e truculento. Hoje se exige o curso superior para os que querem ingressar na polícia civil.”
                 Nas singelas palavras do investigador, estava todo o preconceito que desde sempre norteou o trabalho policial no Brasil. Para a polícia alguém que tenha curso superior é digno do maior respeito. É incorruptível e jamais será um bandido. Sem contar que no Brasil qualquer um que seja dotado de uma gorda conta bancária, também é chamado de doutor. Para negros, pobres e iletrados o tratamento é outro, bem outro.
                Outro dia, apareceu, em papel timbrado, uma ordem de serviço da polícia paulista sediada em Campinas, que mandava os comandados revistarem carros que fossem dirigidos por negros e mulatos. Imediatamente um oficial explicou que isso se dera por reclamações dos moradores. Daí, podemos inferir que se um morador reclamar da atitude suspeita dos dinamarqueses, a polícia irá buscá-los pelas ruas. Basta reclamar dos malditos dinamarqueses.
                Na mesma semana, enquanto fazia uma perseguição a um carro, supostamente roubado, um policial matou um homem que falava ao telefone na janela de um sobrado. Em seu socorro veio outro oficial que, embora não houvesse presenciado o fato, garantiu diante das câmaras de TV, que o policial apenas revidara os disparos efetuados pelo suposto ladrão. Esqueceu-se, o repórter que entrevistou o oficial, de perguntar qual era a marca do disco voador que fora roubado. Afinal, o cidadão baleado e morto estava na janela de um sobrado Os vizinhos da vítima contam outra história. Disseram que o disparo que matou o rapaz fora dado para cima, para intimidar o suposto ladrão. Quase me esquecia de dizer, que isso aconteceu na periferia.
                Também em São Paulo, na tentativa de resgatar uma mulher que fora seqüestrada pelo ex-marido, um policial atingiu a vítima com um disparo no quadril e matou o seqüestrador. No hospital o policial, cuja voz foi captada pelos indiscretos microfones da reportagem, contou que efetuou os disparos porque o agressor havia ferido à faca a ex-mulher. Os médicos que atenderam a vítima disseram que o único ferimento que ela tinha, era de bala.
                 Essa mistura de preconceito contra pobres e iletrados, racismo, incapacidade técnica e truculência, tem sido a marca registrada da atuação policial em nosso país. Atuação essa que é, não só aceita como estimulada por grande parcela da população branca e “instruída” de classe média.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Aquele amor



                Eu não posso contar nossa estória, tenho pudores. Um caso de amor tem de ter um final, mesmo que seja triste, e eu não quero falar daquele dia. Só posso dizer que começamos numa cinemateca, assistindo um filme do Domingos de Oliveira. Não, não era Edu coração de ouro. Esse foi depois, já namorávamos então. Eu já carregava seu retrato dentro de um livro, de todos os livros que li naqueles dias. Não foram muitos, nem dias nem livros.
                Depois que terminou, percorri a Santa Clara não sei quantas vezes. Só aquele trecho entre Barata Ribeiro e Av. Copacabana. Em frente a seu prédio eu arrefecia o passo, já era tarde, já era passado e eu não sabia ainda. Só mais um pouco de seu sorriso, de sua voz. Seu encanto aos dezessete anos.
                Escrevi não sei quantos poemas desesperados, bebi a má bebida na esquina de sua rua. Às vezes saia do bar e ia até a praia, buscando sua janela no décimo andar. Voltava pela outra calçada temendo que a multidão fosse reparar no meu ridículo amor desfeito. Muitas vezes a vi. Um dia passei por ela com uma mulata de tirar o fôlego e quando pensei que sua lembrança podia apagar-se, rasguei seu retrato. 
                Estive com ela umas quantas vezes depois daquele dia, sempre fazendo triste figura. A dor da primeira paixão sempre faz triste figura. Não sei como conseguia, acho que ainda não tinha pudores. Ela fora a única testemunha daquilo. Só ela sabia. Eu não sabia ainda, eu não queria saber de nada que não fosse dela.
                A tristeza que senti, quando afinal percebi que ela não era mais minha, quase apagou as lembranças dos dias felizes, dos dias mais felizes que eu conhecera. Não sabia então que se podia ser tão feliz, tão triste.


sábado, 9 de fevereiro de 2013

Minimizando os erros ao máximo



                Hoje, eu teria preguiça até mesmo de folhear uma de nossas revistas semanais. Só de imaginar sua abundância publicitária, as manchetes, as capas querendo ser artísticas e geniais, me vem o sono mortal dos almoços ajantarados, regados a caipirinhas. Algo próximo da indigestão sem a possibilidade de um chá de louro ou um alka-seltzer.
                Só às vezes, leio algo que é publicado nessas revistas e mesmo assim quando estão reproduzidos na internet. Para dar vazão ao meu masoquismo. Toda vez que isso acontece, me felicito pela aversão que tenho por essas publicações e por não ter empenhado nenhum tostão na sua compra. Veja se não tenho razão.
                Em sua edição de 6 de fevereiro, Isto É publicou sob o título “É carnaval na Renanlândia” uma matéria assinada por Sérgio Pardellas, que começa assim: “O Carnaval foi antecipado em uma semana no  município de Murici, localizado a 40 Km de Maceió (AL). Na sexta-feira 1°, o Senado Federal reconduziu seu filho mais pródigo, o Senador Renan Calheiros (PMDB), a um papel de proa na política nacional.” Pronto. Embatuquei. Como assim “pródigo”? Corri ao Aulete para recolher esse outro significado do termo, que eu desconhecia. Mas não. O pai dos burros parecia ser tão ignorante quanto eu. Lá só encontrei as definições  que já sabia  1- Que gasta demais; gastador; esbanjador. 2- Que dá, distribui, faz ou emprega com profusão e sem dificuldade; generoso. 3- Que produz muito, com facilidade (região pródiga); fecundo, fértil.
                Ora, de esbanjador Renan não tem nada. É tão mão de vaca que até a pensão que devia à sua ex-amante, com quem teve uma filha, era paga por terceiros, segundo denúncia do Ministério Público.
                Nenhuma das outras definições se afasta da primeira e tampouco calham com a imagem pública do Senador. Estava na cara que o jornalista quis dizer outra coisa. Talvez quisesse dizer: seu filho mais famoso ou mais influente. Mas não. Preferiu tirar de seu bornal de proparoxítonos o pomposo vocábulo e lhe saiu esse estropício.
                Além dos profissionais da imprensa, todos detentores de diplomas universitários, e dos amadores semi-alfabetizados que cismam em escrever blogs, há também outros redatores que tentam fazer do português uma língua incompreensível.
                Depois da tragédia de Santa Maria, uma casa noturna de Juiz de Fora (MG) postou uma nota nas redes sociais que procurava (imagino) tranqüilizar seus clientes. Dizia o panfleto eletrônico que naquele estabelecimento não havia perigo de passar algo semelhante ao acontecido na boate Kiss, pois ali as regras de segurança eram respeitadas e eles não contratavam grupos sertanejos. A piadinha fora de hora deixou muita gente indignada e foi preciso redigir outra nota pedindo desculpas. Num determinado trecho da 2ª missiva, lemos essa preciosidade: “Mas cabem aos responsáveis por cada um desses espaços as medidas para minimizarem ao máximo possíveis problemas.”
                Confesso que não sei se tal forma é possível ou não, mas não pude suportar. Tomei duas aspirinas e pensei na antonímia: maximizar ao mínimo. Continuou não fazendo sentido.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Evoé, Momo



                Até alguns anos atrás, a rede de TV aberta CNT transmitia o desfile das escolas de samba do grupo de acesso do Rio. As imagens geradas, não eram lá grande coisa, faltavam recursos técnicos à emissora. Mas pelo menos a narração do desfile não era feita por narradores paulistas de futebol convertidos em autoridades do samba.
                Foi numa dessas transmissões da CNT que assisti a um dos desfiles mais emocionantes de que tenho lembrança. 
                A escola era a Unidos do Jacarezinho, promovida no ano anterior.  Escola pobre, muito pobre, creio que nesse mesmo ano voltou ao grupo 3. Mas o desfile foi encantador. Só se via gente da comunidade. Moradores anônimos do morro que dá nome à agremiação. Todos os componentes cantavam o samba de enredo, com vontade, com paixão. A escola sambava.
                Lembro, mais que nada, de uma mulher, uma passista. Uma dessas pessoas que a dureza da vida, as privações e injustiças, tornam velha aos 40 anos. Essa mulher não jogava beijinhos para a câmara, não marchava coberta de plumas, não era destaque nem rainha de bateria. Essa mulher cantava e sambava, se divertia com sua arte, toda entregue ao ritmo, ao batuque. Era lindo de ver. Nela estava a essência do samba, da escola, do povo, do carnaval.
               Creio que o contrato da CNT com a Liga independente das Escolas de Samba, terminou, assim como o sinal da emissora pela Sky. Talvez só eu tenha notado, pois além do desfile do grupo de acesso, a CNT não tinha mais nada. Durante quase todo o dia, a emissora vendia o espaço para igrejas e empresas de tele-vendas. Entre uma coisa e outra, havia umas novelas mexicanas. Não as da Televisa, novelas mexicanas de verdade, com personagens de nome duplo, penteados armados à laquê e abundante maquiagem.
               Agora a CNT foi comprada por Waldemiro Santiago, proprietário da Igreja Mundial. Ou seja, já não se verá mais carnaval na emissora. De jeito nenhum. A destruição da nossa cultura popular, principalmente no que tange à herança africana, é prioridade para as seitas evangélicas.
               Em matéria recentemente publicada no Globo, falava-se das baianas das escolas de samba. Essas senhoras que sempre foram a própria alma de suas comunidades e de suas agremiações, estão sendo cooptadas pelas seitas e, aconselhadas pelos pastores, estão abandonando o samba e o desfile das escolas. O problema é mais grave, como acentua a matéria do jornal carioca, nas pequenas escolas. Algumas até já perderam pontos por não contar com o número mínimo de componentes na ala das baianas, estabelecido no regulamento do desfile.
                Nesta época do ano, quando o país canta e samba, recrudescem os ataques à nossa cultura, aos nossos valores, por parte dos pastores, bispos de araque e missionários das seitas evangélicas. Essa gente ruim da cabeça se une aos doentes do pé para, num misto de fanatismo e racismo, execrarem as manifestações de alegria do nosso povo. Como o perfil dos fanáticos vem mudando, já não se fala apenas do pecado e das chamas do inferno que estão aguardando os foliões. Não. Com o auxílio luxuoso dos chatos de galocha e caracúlicos profissionais, apela-se para a falácia da alienação do povo provocada pela alegria momesca. O fanatismo quer ser ciência social.





quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A solidariedade de José Dirceu




                Quando acreditamos que já vimos e ouvimos de tudo de nossos políticos, vem mais uma. Dessa vez quem nos surpreendeu foi o Czar José Dirceu. Bem, surpreendeu alguns de nós.
                Zé Dirceu sempre me pareceu um cínico profissional. Em seus comentários sobre o processo do mensalão, isso ficou mais que evidente. Jurou de pé junto que nada sabia dos repasses milionários feitos pelo PT aos partidos de aluguel, muito embora sendo Ministro da Casa Civil, uma de suas atribuições fosse a articulação política do governo. Ele quis nos fazer crer que desde o momento em que entrou para a Casa Civil, se desligou das atividades partidárias e que o acaso foi o responsável pelo emprego que sua ex-mulher conseguiu no BMG, um dos bancos envolvidos no escândalo. O mesmo se passou quanto ao papagaio que a ex levantou no Banco Rural. Tudo fruto do acaso. Inclusive a venda de seu apartamento para Rogério Tolentino, advogado e sócio de Marcus Valério, foi obra da divina providência. Dirceu não sabia de nada. Sua ex-senhora mudou o depoimento que dera no início das investigações, e passou a corroborar a versão de que o ex-ministro e ex-marido fora o último a saber.
                Com tudo isso constando nos autos da Ação Penal 470, Dirceu e muitos petistas continuam dizendo que nada foi provado no curso do processo. No caso do ex-ministro, se entende, afinal é do direito negar para defender-se, até que não seja esgotada a última apelação. Quanto aos filiados e simpatizantes do PT, que não vêem o óbvio, não me ocorre nenhuma explicação.
                Mas agora José Dirceu passou dos limites. Ao falar sobre a eleição de Renan Calheiros, disse o ex-ministro, que o Senador alagoano é vítima de “campanha moralista e udenista” e que as manifestações de repúdio à Renan são uma “intervenção de grupos organizados” cuja intenção é “dividir a base de apoio ao governo”. Assim como em seu próprio caso, Dirceu tenta nos provar que o que vimos, nunca existiu.
                Cada vez mais, o discurso dos petistas vai se tornando idêntico ao daqueles que o Partido dos Trabalhadores combatia no passado. Se a TV mostra uma imagem comprometedora, acusa-se a imprensa pela divulgação disso e não daquilo. Se alguém é filmado recebendo propina, questiona-se a ação do araponga. Se o tribunal condena, deveria antes ter condenado outros.  Quando todos os expedientes da embromação estão esgotados, diz-se que nada foi provado. E se foi provado, ainda cabe recurso.
                Apoiado por esmagadora maioria na Câmara, e com certa folga no Senado, o governo e líderes do PT, como José Dirceu, acham que já podem tudo. Até agora conseguiram lidar com os escândalos dentro do governo, com a chantagem dos partidos de aluguel e com o fisiologismo de seus apoiadores. Daí,  não fazerem como faz a imprensa que os apóia e silenciar sobre a eleição dessa excrescência política que é Renan Calheiros. Não. José Dirceu sai em sua defesa e diz que o homem das Alagoas está sendo perseguido por “campanha midiática”.
                Não creio que esse episódio venha causar prejuízos eleitorais ao PT. Se Lula se reelegeu quando o mensalão estava ainda fresco e os depoimentos, na CPI dos Correios, de gente como Silvinho “Land Rover” Pereira ainda ecoavam, não será o apoio dado à Renan que irá prejudicar o Partido dos Trabalhadores nas urnas.
                O maior problema que o partido da Presidenta Dilma deverá enfrentar, é o que hoje faz o governo e suas lideranças tão soberbos: a base de sustentação.
                Numerosa, heterogênea, volúvel e ligada a interesses regionais, a base aliada é o ovo da serpente que mora no seio do governo. Gente como Renan, Collor, Jucá, Sarney e outros que tais, não troca nem a camisa para passar da bajulação para o xingamento. Basta um tropeço da política econômica ou um pleito não atendido, para mudar tudo. Isso já aconteceu quando se votou o fim da CPMF. A trairagem comeu solta.
                 Renan, que hoje tem a solidariedade de José Dirceu e o silêncio cúmplice da imprensa governista, tem prática. Já traiu Collor e o PSDB. Além da mulher, claro.




sábado, 2 de fevereiro de 2013

Maluf, Renan e o Planalto



                Diante do vergonhoso episódio da eleição de Renan Calheiros para a Presidência do Senado, era de se esperar que todos os meios de comunicação se manifestassem. Incrivelmente, isso não se deu. Para o sítio informativo “Carta maior” foi como se nada tivesse acontecido. Há dias que assim tem sido. Nem uma palavra sobre o tema.
                Acontece que “Carta maior” quer ser como um órgão oficial do governo petista. Nada que venha do Planalto lhes merece o menor reproche. As alianças espúrias, o loteamento de ministérios, a acomodação de nulidades em altos cargos em troca de apoio político, enfim, para tudo “Carta maior” encontra justificativa. Mas convenhamos, inventar uma explicação para o apoio do Governo à candidatura de Renan, e não cair no descrédito, exige muita imaginação e tempo. Daí o silêncio que já dura dias.
                Nem mesmo seu articulista, Gilson Caroni Filho, que já nos explicou didaticamente o aperto de mãos entre Lula e Maluf, num artigo intitulado “O purismo e o verdadeiro Maluf”, foi capaz de produzir outra pérola de interpretação da realidade que faça-nos ver que o verdadeiro Renan é na verdade outra pessoa. Sim, pois foi isso que fez no artigo citado.
                Daquela vez, Gilson Caroni Filho começou sua dissertação pondo-nos no nosso devido lugar. Dizia ele:_”O purismo tem que despertar da frívola ciranda para a dura realidade do mundo adulto”. Mais adiante recorre a uma metáfora para facilitar nossa compreensão:_”O papel de um operador político do quilate do ex-presidente é semelhante ao do regente de uma orquestra. Não faz a música, mas dá o compasso, define a harmonia do conjunto e tira de cada instrumento o som mais adequado.” Que maravilha!  Mas não foi só. Assim complementa o artigo:_”Faltou dizer que o Maluf  atual.... atende por outro nome: José Serra.” E nos pergunta: _”Será preciso desenhar?”
                Ou seja, o Serra é o verdadeiro Maluf e o Maluf, uma entidade que a Interpol tenta fazer manifestar-se em algum terreiro.
                Gilson Caroni Filho criou uma nova ofensa para Serra: Maluf. E para Maluf uma nova persona, sem passado, sem processos, sem ordem de prisão. Um instrumento que solta sons ao gosto de Lula.
                Este é o motivo do silêncio de “Carta maior”. Se seus articulistas não conseguem nada melhor que isso, o melhor mesmo é não falar nada.


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A coerente eleição de Renan


         
                Não foi uma sexta-feira qualquer. Renan Calheiros voltou à Presidência do Senado através do voto livre e soberano de seus pares. E louve-se a coerência de todo o processo. Sim, nada houve de mais coerente na República nos últimos tempos. 
                No Congresso Nacional, um terço dos parlamentares enfrenta algum problema com a justiça.  Os crimes, os mais variados; de calúnia até assassinato, passando por fraudes em licitações, tráfico de influência, formação de quadrilha, falsidade ideológica e, é claro, desvio de dinheiro público.De cara, Renan já podia contar com 27 votos, por empatia. 
                Os outros 29 votos que obteve, são de origem vária. Alguns vieram da traição do PSDB ao Senador Pedro Taques. O partido de FHC havia se comprometido com a candidatura de oposição, mas na hora H, de olho na primeira secretaria do Senado, os tucanos optaram, coerentemente, pelo pragmatismo que os caracteriza. Some-se mais 7 votos dos 11 da bancada emplumada.
               Mas ainda faltariam 22 para se chegar ao número consagrador obtido por Renan. Sim, consagrador, afinal não é toda hora que um denunciado por tantos crimes, recebe tanto apoio de uma classe que, geralmente, opta pelo salve-se quem puder e costuma abandonar o barco mais rápido que o comandante do Costa Concórdia. O mesmo Renan, ao ver a gloriosa fragata de Collor começar a fazer água, pulou fora ainda durante a CPI do PC Farias.
                Entre os votos que colocaram Renan na Presidência do Senado e na segunda posição sucessória da Presidenta Dilma, estão os orientados pelo Planalto. Os votos da base aliada. Coerentemente, o PMDB votou em peso no correligionário. Exceção feita a Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon. Claro, que se tratando de PMDB, o voto em Emilinha Borba também teria de ser considerado coerente.
                Mas chegamos aos votos dos senadores petistas e você talvez pense na incoerência do partido, que construiu sua imagem combatendo gente como Sarney e Renan, apoiando a candidatura de tal personagem. Ora, minha amiga, desde o primeiro mandato de Lula, o PT, que contou com o auxílio luxuoso de Duda Mendonça para melhorar sua imagem, vem se servindo no lodaçal da política brasileira. Fez, desde o início, aliança com o PP de Maluf, convidou o banqueiro Henrique Meireles para comandar a economia, ajudou Sarney a se manter na Presidência do Senado em nome da governabilidade e produziu o mensalão. Nada mais coerente com seu passado recente, que apoiar a candidatura de Renan Calheiros.
                Temos, por fim, o próprio Renan, a quem podemos acusar de tudo, menos de incoerência. Renan não é homem de ir e vir. Muda de partido, mas não muda de posição. É sempre governo. Desde a redemocratização, Renan não se afasta do Palácio do Planalto. Foi líder do governo Collor na Câmara, Ministro da Justiça de FHC e Presidente do Senado, apoiado pelo PT, até renunciar em 2007.
                Nada mais coerente do que Renan suceder a Sarney no comando do Senado. Nada mais coerente que o discurso de Fernando Collor de Merda saudando o recém-empossado. Disse o ex-caçador de marajás que o Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, que insiste em processar Renan, é “chantagista e prevaricador” e que ações devem ser tomadas contra Gurgel, para ele “não processar mais senadores”.  Vai ser coerente assim lá nas Alagoas.