Não sou um saudosista. Não estou entre aqueles que dizem que
há 30, 40 anos atrás, o futebol era melhor, a música era melhor, o mundo era
melhor. Por ter vivido esses tempos, sei que isso é mentira.
O que era melhor quando eu tinha 20 anos, é que eu tinha 20
anos, não havia AIDS e eu me apaixonava toda
semana. Isso é o que realmente interessa: estar apaixonado aos 20 e poucos
anos. Meu saudosismo é de mim mesmo.
Mas havia uma coisa naqueles tempos que os dias de hoje estão
sonegando aos apaixonados de 20 e poucos anos: um mínimo de inteligência.
Lembro-me de estar num
dia daqueles anos, que para mim foram os dourados, no botequim lendo um jornal
esquecido ou abandonado por algum apressado tomador de cafezinho. Era o extinto
Jornal do Brasil.
Marilena Chauí e José Guilherme Merquior vinham travando um
debate através do diário. Isso se prolongou por várias edições e a polêmica era
tratada em toda parte, inclusive nos botequins. Eu era ingênuo o bastante para
acreditar que todos que opinavam, entendiam algo do assunto. Tratava-se de uma
acusação de plágio que teria sido praticado por Chauí. Na minha santíssima
ignorância, relia o texto com afinco para ver se me punha a par dos que tinham
opinião formada. Depois de algumas cachaças, voltava pro meu mundo, onde todas
as lindas de Copacabana passavam, que nem cinema de seção contínua. No entanto,
algo ficava do papo da filósofa, por quem eu tinha tomado partido na intrincada
discussão.
Naqueles botequins de então, também se falava do Paulo Francis, de
quem eu não gostava. Só mais velho é que me dei conta que as diatribes do
grande colunista, vinham expostas num texto genial. Também se discutia as
críticas musicais de José Ramos Tinhorão, as asseverações de João Saldanha, a
genialidade de Nelson Rodrigues, a poesia de Pessoa e de Augusto dos Anjos, as
letras de Caetano e de Chico.
Hoje, os meninos apaixonados de 20 e poucos anos têm de
discutir o que dizem Marco Feliciano, Magno Malta, Rafinha Bastos, a
apresentadora de TV, Rachel Sheherazade e, por incrível que pareça, o que disse
a cantora Joelma, do grupo Calypso. E o pior é que essa gente é uma usina de
idiotices. Estamos todos a discutir idiotices. Sim, pois há quem os defenda
pensando que está defendendo a liberdade de expressão.
Para nós, coroas, que já vestimos o pijama das ilusões
perdidas, vá lá; há que dar o bom combate contra a corja, mas os meninos
mereciam algo melhor para debater, para ocupar os neurônios. Como que o rapaz
de hoje vai encantar a menina com um papo sobre a Joelma? A simples lembrança
da cantora remete o pensamento para um hotel vagabundo, cheirando a mofo e
odores de corpo. Mesmo que depois o destino do casal seja um desses pulgueiros,
há que começar a conquista, o encantamento, de outra forma. Pensar na Joelma
antes da cama é prenúncio de insuperável brochada.
Ficou muito claro o modo que você explicou que não é saudosismo, é apenas chato pra cacete o approach com 'c viu o feliciano sobre os mamonas?'.
ResponderExcluirMas há sim todo um resgate acontecendo agora. Ao mesmo tempo em que uma grande camada parte agressiva para os hits do YouTube, há aqueles resistentes que descobriram ali uma infindável fonte de conteúdo. E pela facilidade de acesso e de compartilhamento, estamos absorvendo e resgatando muito mais dos nossos 100 últimos anos de cultura do que a geração nascida em 60/70; que tinha seus vinte e poucos em 80 e 90.