segunda-feira, 15 de abril de 2013

Religião e sociedade



                Tem um filme do Jabor, do final dos anos 60 que, sem ser nenhuma obra prima do documentarismo, é muito interessante. O filme tenta mostrar o pensamento da classe média carioca (especialmente da zona sul) através de depoimentos dos personagens que compunham aquela cena. Não há um narrador. Pelo menos nessa questão da forma, é muito moderno. Hoje, me parece, essa é a tendência dos documentários: deixar ao espectador a última palavra, a análise do que é mostrado.
                Numa das cenas do documentário, vemos uma procissão. Creio que no Outeiro da Glória. Como em todas as manifestações católicas, os fieis arrastam suas caras tristes em passos lentos. Um padre, tal qual um chefe de torcida, da desanimada torcida católica, usa um megafone para vituperar contra uma lei que estava em discussão no congresso. Tratava-se de projeto de lei que dava direitos iguais aos da mulher casada às que viviam em concubinato. Creio que o autor do projeto de lei era o Deputado Nelson Carneiro que, anos mais tarde, foi autor do diploma legal que introduziu, com alguns séculos de atraso, o divórcio no Brasil.
                Mas o que queria o megafone de batina que gritava palavras de ordem em favor da família? Coagir os casais “amigados” a submeterem sua união ao crivo da igreja? Impossível no estado laico. Separar os que viviam juntos sem o registro em cartório? Isso seria impensável numa sociedade moderna. Obrigar que aderissem ao casamento oficial? Muitos deles nem poderiam fazê-lo por serem desquitados. Não, o megafone queria apenas negar direitos. Impedir pessoas de terem direitos civis. A rejeição do projeto de lei não traria nenhum benefício à igreja. Os casais de fato não se separariam caso a lei não fosse aprovada nem acorreriam em bandos para a paróquia mais próxima. Se quisessem ou pudessem, já o teriam feito. Os filhos desses casais continuariam sofrendo preconceitos. Sem embargo, o megafone clerical falava em nome da família.
                A lei, que era alvo do esbravejante cura, foi por fim aprovada. A família, não foi esfacelada, como pregava o vigário, o céu não ruiu nem a cólera de Deus caiu sobre a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
                Anos mais tarde assistimos a mesma histeria dos religiosos quando a lei do divórcio foi discutida e aprovada. Falava-se do fim da família, do caos, do inferno, do diabo a quatro.
                Hoje vemos a história se repetir com relação ao casamento igualitário. Se nos idos dos 60 e 70 a igreja católica comandava o coro dos carolas, hoje são os evangélicos que regem a banda do atraso mental. Com uma grande diferença: os católicos se contentavam em orientar seus seguidores e influenciar os políticos, os evangélicos abolem os intermediários e se elegem para, desde os parlamentos do país, tentar impor à nação sua noção do que é certo e do que é errado. Tudo, claro, segundo seu livro mágico.
                Fanáticos e oportunistas da corrente neopentecostal já traçaram sua estratégia de combate ao século 21. Depois de ter sua representação reduzida com o escândalo da máfia das sanguessugas, mostraram incrível poder de reação no pleito de 2010 e praticamente duplicaram sua bancada. A tomada da presidência nas comissões da Câmara com Portela (CLP) e Feliciano (CDHM), a expressiva representação em comissões importantes como a de Constituição e Justiça e os esdrúxulos projetos apresentados por evangélicos de todos os matizes,  apontam para um caminho que e leva direto para a idade média. Os políticos tradicionais, mais ocupados com a rapinagem do erário e com sua perpetuação no poder, tornam-se aliados úteis e facilmente comprados, pois os religiosos têm poder de manipulação sobre milhões de votos populares. Isso sem contar com a bancada ruralista, que em mais de uma oportunidade compartiu interesses com os pastores parlamentares.
                O último bastião da democracia e do estado laico parece ser o Supremo que tem se mostrado infenso ao poder dos evangélicos. Mas até quando?



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