Acontece. O sujeito anda por aí muito fagueiro e num exame
qualquer lhe diagnosticam um câncer. Dependendo do tipo de câncer, da
precocidade do diagnóstico e da situação econômica do cidadão, ele tem boas
chances de cura. Foi o que aconteceu com a Presidenta Dilma e com o ex-presidente
Lula, já o Comandante Chaves não teve a mesma sorte.
Câncer não escolhe idade, classe social, etnia nem credo. Sua
capacidade democrática de matar é o que o torna temível e terrível.
Sem embargo, há entre os afetados pela doença um grupo
especial: são os famosos.
A cura de um cidadão comum pode ser atribuída à sua fé, ao
milagre do santo, às preces da família. Pouco ou nada se fala da medicina, das
pesquisas dos cientistas ou da perícia do médico. Mas o paciente será, assim
como quem o tratou, ignorado. O sucesso do tratamento será atribuído ao divino,
ao sobrenatural.
Quando de famosos se trata, é diferente. Um famoso não se
cura, ele vence o câncer. Se for um atleta, a “batalha travada” ganha tons épicos
na voz dos narradores esportivos. O cara já não é um paciente, é um herói. Foi ele
que venceu a doença jogando na casa do adversário, com torcida contra e na
altitude. Médicos, drogas, tratamentos de ponta? Que nada, foi ele quem venceu o
câncer a custa de muito treinamento e esforço pessoal. Assim foi com o Lance Armstrong.
O ciclista teve um câncer nos testículos, se curou, ou
melhor, derrotou o câncer com vários quilômetros de vantagem. Criou aquela
pulseirinha para arrecadar verbas não sei pra quê, e ele, que já era herói,
entrou para o rol dos semideuses.
Pouco tempo depois soube-se que Armstrong
pedalava dopado. Foi punido, esperneou, voltou atrás e reconheceu o doping
tentando diminuir a punição e poder voltar ao esporte. Os adoradores de ídolos
ficaram com cara de tacho. Os narradores esportivos pararam de falar em
superação, exemplo de vida e outras bobagens de ocasião quando se referiam ao
atleta. Já era tarde para reconhecer que Armstrong era apenas um cara que teve
câncer e se curou. Um cara que milita num esporte no qual os casos de doping
são freqüentes.
Mas rei morto, rei posto. Há que se criar um novo herói para
ser exemplo para os pacientes anônimos do SUS do Meier e ensinar-lhes a vencer o câncer.
Semana passada eu assistia a luta entre Floyd Maywheather e
Robert Guerreiro. Antes da peleja, muito se falou da vida privada dos
pugilistas. De Maywheather dizia-se que estivera em cana por dois meses por ter
batido na mulher e de Guerreiro, que se afastara dos ringues por longo tempo
para cuidar de sua mulher que estava com câncer.
Atrás de espessa camada de reboco, cílios postiços e plumas
de pavão, estava a Senhora Guerreiro que, sempre que era mostrada na tela, arrancava
do narrador da luta frases como:_ Ela também é uma guerreira!
Ao final do combate, vencido por grande margem de pontos por
Mayweather, a TV já não mostrava mais a “guerreira”. É que para virar heroína e
exemplo de vida na TV, não basta derrotar o câncer por knockout, o marido tem de
vencer a luta. Aí sim é happy end.
Nenhum comentário:
Postar um comentário