Nem sempre somos pegos de surpresa. Quando o vemos se
aproximar, ele traz nos olhos um quê de misterioso, de místico, aquele olhar de
quem volta da consulta à cartomante ou ao pai de santo. Reconhecemos aquela
mirada. E não dá outra: ele vai nos contar um sonho que teve. Ele é o contador
de sonhos.
Ora, todos sonhamos e sabemos de que matéria são feitos os
sonhos. O que nos conta o contador de sonhos, não é sonho, é mistificação. Ele deveria
guardar tais narrativas para quem vive de interpretar a mentira alheia: os
psicanalistas. Mas não. Ele nos quer como confidente do que acabou de inventar.
Nossos sonhos são povoados de tantas incongruências,
contradições, fantasmagorias, que é impossível, na maioria das vezes, narrá-los
para alguém. Os sonhos do contador de sonho não. Os dele têm enredo,
personagens, ambiências. Enquanto o escutamos, dominando o tédio e fingindo
atenção, temos sempre a impressão de estarmos assistindo a um filme ruim de
Hollywood.
Sabemos que esses sonhos são mentirinhas do contador de
sonhos. O que ele quer é contar coisas de si, de sua intimidade. Dar sua versão
mística, transcendental, da vida.
Nos sonhos do contador de sonhos é comum a presença da mãe
morta vestida de branco indicando um caminho. (O vestuário não podia ser outro
e segue o padrão hollywoodiano). Não é raro que por lá também passeie algum
animal com conotações místicas, espirituais. Uma criança, loura, é claro,
também faz suas aparições nesses sonhos narrados.
O contador de sonhos, assim como todo mentiroso, nos toma
por tolos e quer nos fazer crer que os desvãos dos seus mais profundos infernos
estão povoados de querubins. Daí as imagens idílicas que nos pinta enquanto narra
o que pretende que aceitemos como um sonho sonhado.
Esquece-se, esse aporrinhador profissional, que o
subconsciente não é lugar para pieguices, sentimentalismos, burlas. Aquilo lá é
o abismo, é o deserto. Morada escura que compartimos com súcubos.
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