quarta-feira, 22 de maio de 2013

O contador de sonhos



                Nem sempre somos pegos de surpresa. Quando o vemos se aproximar, ele traz nos olhos um quê de misterioso, de místico, aquele olhar de quem volta da consulta à cartomante ou ao pai de santo. Reconhecemos aquela mirada. E não dá outra: ele vai nos contar um sonho que teve. Ele é o contador de sonhos.
                Ora, todos sonhamos e sabemos de que matéria são feitos os sonhos. O que nos conta o contador de sonhos, não é sonho, é mistificação. Ele deveria guardar tais narrativas para quem vive de interpretar a mentira alheia: os psicanalistas. Mas não. Ele nos quer como confidente do que acabou de inventar.
                Nossos sonhos são povoados de tantas incongruências, contradições, fantasmagorias, que é impossível, na maioria das vezes, narrá-los para alguém. Os sonhos do contador de sonho não. Os dele têm enredo, personagens, ambiências. Enquanto o escutamos, dominando o tédio e fingindo atenção, temos sempre a impressão de estarmos assistindo a um filme ruim de Hollywood.
                Sabemos que esses sonhos são mentirinhas do contador de sonhos. O que ele quer é contar coisas de si, de sua intimidade. Dar sua versão mística, transcendental, da vida.
                Nos sonhos do contador de sonhos é comum a presença da mãe morta vestida de branco indicando um caminho. (O vestuário não podia ser outro e segue o padrão hollywoodiano). Não é raro que por lá também passeie algum animal com conotações místicas, espirituais. Uma criança, loura, é claro, também faz suas aparições nesses sonhos narrados.
                O contador de sonhos, assim como todo mentiroso, nos toma por tolos e quer nos fazer crer que os desvãos dos seus mais profundos infernos estão povoados de querubins. Daí as imagens idílicas que nos pinta enquanto narra o que pretende que aceitemos como um sonho sonhado.
                Esquece-se, esse aporrinhador profissional, que o subconsciente não é lugar para pieguices, sentimentalismos, burlas. Aquilo lá é o abismo, é o deserto. Morada escura que compartimos com súcubos.

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