terça-feira, 16 de julho de 2013

Casos médicos


                Vivemos em um país de 200 milhões de habitantes e ainda tem gente que para corroborar suas teorias, cita casos individuais acontecidos entre seus parentes e amigos como exemplares. Não é raro ler nos sítios informativos e nas redes sociais alguém citando que a prima da manicure da irmã de uma amiga de sua sogra, que é negra, passou no vestibular sem a ajuda das cotas raciais. Diz isso para justificar seu racismo e assim negar a política de compensação adotada pelo Governo Federal e assegurada pelo Supremo.
                Essas pessoas vêem na exceção, a regra. No fortuito, o perene.
                Com todas as vênias, vou fazer o mesmo, mas creio que contando coisas acontecidas com pessoas próximas, não me distancio tanto da verdade comum a muitos.
                Alguns anos atrás, meu filho adoeceu. Minha mulher levou-o ao posto de saúde, o médico, após rápido exame, receitou uns analgésicos e mandou-o para casa. Como ele continuava com os mesmos sintomas dias depois de “medicado”, voltou ao posto e enquanto esperava por atendimento, minha mulher, que o acompanhava, ficou lendo os cartazes que estão afixados nas paredes da unidade de saúde. Num deles ela leu sobre a tuberculose e viu que meu filho apresentava todos os sintomas da doença.
                Após a segunda consulta, na qual também não foi diagnosticada a tuberculose, minha mulher resolveu buscar um médico particular e não deu outra: era mesmo tuberculose. Passados alguns dias de iniciado o tratamento, meu filho deixou de sentir os sintomas e após uns meses estava curado.
                Não era uma doença rara, não era uma dessas coisas que acontecem com 1 entre milhões. Era uma trivial tuberculose e mesmo assim o médico não foi capaz de diagnosticá-la. Se tivesse lido os cartazes que estão enfeitando as paredes do posto de saúde, certamente teria feito o diagnóstico correto assim como fez minha mulher que é leiga. Esse médico é, sem sombra de dúvidas, incompetente. Mas tem mais.
                Um conhecido de minha mulher, que é uruguaio, lhe contou que conversando com o médico que o atendia no mesmo posto de saúde, ouviu do galeno  a seguinte pergunta: _No Uruguai se fala castelhano? Pois é, fica difícil imaginar como esse doutor conseguiu concluir o ensino médio. No entanto formou-se em medicina e exerce o ofício, atende doentes e dá diagnósticos.  Como pode um profissional assim ir um pouco além de sua especialidade e atentar sobre fatores sócio-econômicos que afligem seus pacientes e a partir de tal conhecimento atenuar seus males?
               Pois bem, o que quero dizer com isso é que falta competência, falta a mais rudimentar cultura entre alguns médicos. Passariam esses doutores na prova do Revalida? Creio que não. Mas será esse exame, agora tão citado pelos órgãos representativos dos nossos médicos, demasiado exigente? Parece que é isso que o governo quer saber. Os estudantes do 6° ano dos cursos de medicina, tanto de faculdades públicas como privadas, serão convocados para prestar as provas.
               O número de médicos formados no exterior que são aprovados nesse exame é mínimo. Dos profissionais provenientes da Bolívia, menos de 4% são aprovados. Daí, poderíamos inferir que o pobre país andino tem dificuldade em formar médicos devido aos poucos recursos de suas faculdades públicas. Sem embargo, dos médicos oriundos de Portugal que prestam o exame, apenas pouco mais de 38% conseguem aprovação. Ora, Portugal além de possuir célebres universidades, é um país da comunidade européia o que faz com que seus médicos possam clinicar em qualquer dos outros países da comunidade. Será que apenas os mais incapazes vêm para o Brasil para exercer a profissão? Parece-me que afirmar isso seria uma temeridade. A crise européia, principalmente nos países do sul do continente, tem gerado  desemprego em todos os setores e, como se sabe, a receita dos senhores do FMI é de cortar no serviço público, diminuindo o estado. Há enorme desemprego entre médicos e professores na Grécia, na Espanha, em Portugal. O próprio Primeiro Ministro português aconselhou-os a emigrarem.
                Os órgãos representativos dos médicos brasileiros são contra o exame para os estudantes do sexto ano do curso de medicina. Dizem que a comparação com médicos já formados e atuantes lhes seria desfavorável. Ora bolas, mas não são esses mesmos órgãos representativos que dizem que os médicos estrangeiros são de formação no mínimo duvidosa? Pois é assim que se referem aos seus colegas estrangeiros. Como médicos de formação duvidosa. Todos, de todo e qualquer país. Os representantes de nossos médicos dizem com todas as letras que médicos estrangeiros têm formação duvidosa. Ainda que sejam egressos de Coimbra, de Buenos Aires.
                Como se sabe, a prestação do exame do Revalida pelos estudantes não é para aferir a qualidade destes e sim do próprio exame. Para saber-se a necessidade ou não de ser modificado. O que temem os médicos é que mesmo os estudantes de medicina prestes a se formar tenham resultados ainda piores do que os que obtêm os estrangeiros.
                O que querem os médicos brasileiros e seus órgãos representativos? Uma reserva de mercado. Nada menos que isso.


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