Vivemos em um país de 200 milhões de habitantes e ainda tem
gente que para corroborar suas teorias, cita casos individuais acontecidos
entre seus parentes e amigos como exemplares. Não é raro ler nos sítios
informativos e nas redes sociais alguém citando que a prima da manicure da irmã
de uma amiga de sua sogra, que é negra, passou no vestibular sem a ajuda das
cotas raciais. Diz isso para justificar seu racismo e assim negar a política de
compensação adotada pelo Governo Federal e assegurada pelo Supremo.
Essas pessoas vêem na exceção, a regra. No fortuito, o
perene.
Com todas as vênias, vou fazer o mesmo, mas creio que
contando coisas acontecidas com pessoas próximas, não me distancio tanto da
verdade comum a muitos.
Alguns anos atrás, meu filho adoeceu. Minha mulher levou-o
ao posto de saúde, o médico, após rápido exame, receitou uns analgésicos e mandou-o para casa. Como ele continuava com os mesmos sintomas dias depois de
“medicado”, voltou ao posto e enquanto esperava por atendimento, minha mulher,
que o acompanhava, ficou lendo os cartazes que estão afixados nas paredes da
unidade de saúde. Num deles ela leu sobre a tuberculose e viu que meu filho
apresentava todos os sintomas da doença.
Após a segunda consulta, na qual também não foi diagnosticada
a tuberculose, minha mulher resolveu buscar um médico particular e não deu
outra: era mesmo tuberculose. Passados alguns dias de iniciado o tratamento,
meu filho deixou de sentir os sintomas e após uns meses estava curado.
Não era uma doença rara, não era uma dessas coisas que acontecem
com 1 entre milhões. Era uma trivial tuberculose e mesmo assim o médico não foi
capaz de diagnosticá-la. Se tivesse lido os cartazes que estão enfeitando as
paredes do posto de saúde, certamente teria feito o diagnóstico correto assim
como fez minha mulher que é leiga. Esse médico é, sem sombra de dúvidas,
incompetente. Mas tem mais.
Um conhecido de minha mulher, que é uruguaio, lhe contou que
conversando com o médico que o atendia no mesmo posto de saúde, ouviu do
galeno a seguinte pergunta: _No Uruguai
se fala castelhano? Pois é, fica difícil imaginar como esse doutor conseguiu
concluir o ensino médio. No entanto formou-se em medicina e exerce o ofício,
atende doentes e dá diagnósticos. Como
pode um profissional assim ir um pouco além de sua especialidade e atentar
sobre fatores sócio-econômicos que afligem seus pacientes e a partir de tal
conhecimento atenuar seus males?
Pois bem, o que quero dizer com isso é que falta
competência, falta a mais rudimentar cultura entre alguns médicos. Passariam
esses doutores na prova do Revalida? Creio que não. Mas será esse exame, agora
tão citado pelos órgãos representativos dos nossos médicos, demasiado exigente?
Parece que é isso que o governo quer saber. Os estudantes do 6° ano dos cursos
de medicina, tanto de faculdades públicas como privadas, serão convocados para
prestar as provas.
O número de médicos formados no exterior que são aprovados
nesse exame é mínimo. Dos profissionais provenientes da Bolívia, menos de 4% são
aprovados. Daí, poderíamos inferir que o pobre país andino tem dificuldade em formar médicos devido aos poucos recursos de suas faculdades públicas. Sem
embargo, dos médicos oriundos de Portugal que prestam o exame, apenas pouco
mais de 38% conseguem aprovação. Ora, Portugal além de possuir célebres universidades,
é um país da comunidade européia o que faz com que seus médicos possam clinicar
em qualquer dos outros países da comunidade. Será que apenas os mais incapazes
vêm para o Brasil para exercer a profissão? Parece-me que afirmar isso seria
uma temeridade. A crise européia, principalmente nos países do sul do
continente, tem gerado desemprego em
todos os setores e, como se sabe, a receita dos senhores do FMI é de cortar no
serviço público, diminuindo o estado. Há enorme desemprego entre médicos e
professores na Grécia, na Espanha, em Portugal. O próprio Primeiro Ministro
português aconselhou-os a emigrarem.
Os órgãos representativos dos médicos brasileiros são contra
o exame para os estudantes do sexto ano do curso de medicina. Dizem que a
comparação com médicos já formados e atuantes lhes seria desfavorável. Ora
bolas, mas não são esses mesmos órgãos representativos que dizem que os médicos
estrangeiros são de formação no mínimo duvidosa? Pois é assim que se referem
aos seus colegas estrangeiros. Como médicos de formação duvidosa. Todos, de todo e
qualquer país. Os representantes de nossos médicos dizem com todas as letras
que médicos estrangeiros têm formação duvidosa. Ainda que sejam egressos de
Coimbra, de Buenos Aires.
Como se sabe, a prestação do exame do Revalida pelos
estudantes não é para aferir a qualidade destes e sim do próprio exame. Para saber-se a necessidade ou não de ser modificado. O que temem os médicos é que mesmo os estudantes de medicina prestes a se formar tenham resultados ainda
piores do que os que obtêm os estrangeiros.
O que querem os médicos brasileiros e seus órgãos
representativos? Uma reserva de mercado. Nada menos que isso.
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