quinta-feira, 11 de julho de 2013

Estupra, mas não mata. Versão bíblica


                Nossos parlamentares empenham-se, mais que nada, em discutir e aprovar leis que dizem respeito à partilha do dinheiro público. Lutam encarniçadamente pelos royalties do petróleo, pela LDO, pela participação de estados e municípios no butim dos impostos, mas de vez em quando aprovam alguma coisa que atende à cidadania, muito de vez em quando. É o caso da Lei Maria da Penha.
                Esse diploma legal é um desses pequenos, mas importantes passos no aperfeiçoamento da sociedade, pois dá meios ao estado de proteger quem está vulnerável dentro das relações domésticas. Sua aplicação ainda esbarra na condição social da vítima assim como toda lei coercitiva de abusos. Nas delegacias de polícia impera o machismo e a má vontade para com as mulheres agredidas. Muitas vezes culpabiliza-se a vítima. Claro, uma delegacia de polícia é gerida por pessoas da sociedade em que vivemos, pessoas iguais a outras que vemos postar nas redes sociais verdadeiros libelos de machismo e puritanismo.   Não é raro, diante de uma notícia de agressão por ciúmes, lermos comentários de leitores e leitoras que desculpam o agressor pelo fato da vítima usar trajes provocadores ou ter comportamento não compatível com o papel que a mulher deveria ter na visão desses puritanos.
                Mas enfim, uma lei é uma lei e pode contribuir para que se vá diluindo a imbecilidade que domina nosso meio social.
                Outro passo importante na proteção de vulneráveis vem sendo discutido no Congresso. Trata-se da lei alcunhada “Lei da palmada”. O número de crianças vítimas de abusos dos pais é maior do que o de mulheres agredidas por maridos, amantes e namorados. Não tenho nenhuma estatística que comprove isso, mas tenho olhos e ouvidos e é o que basta para fazer-se tal afirmação.
                Se as agressões contra as mulheres são, muitas vezes, mantidas no silêncio e na vergonha, tanto por vítimas quanto por vitimários, os maus tratos às crianças são alardeados como exemplo de autoridade paterna, como fonte de educação. Você, claro, já  ouviu expressões como “dei-lhe um corretivo” ou “é de pequenino que se torce o pepino” sendo usadas para justificar agressões físicas perpetradas contra os pequenos. Nossa sociedade, brutalizada pela herança infame da escravidão, acostumou-se a ver o sofrimento físico e, em grande parte, o aprova.
                Pois bem, parece que agora a sociedade, ou pelo menos uma minoria mais esclarecida, toma consciência e tenta pôr cobro a essas covardias, a essas brutalidades praticadas justamente por aqueles que deveriam proteger as crianças, mas a iniciativa encontra resistências. A bancada evangélica não abre mão da porrada, do espancamento, da varada. Deputados dessa bancada impediram, nesta semana, uma reunião da Comissão de Constituição e Justiça que discutiria a redação final do projeto de lei usando do artifício de não aprovar a ata da reunião anterior.
                Chega a ser ultrajante ver aqueles senhores defendendo que se bata em um ser indefeso e incapaz sequer de odiar quem o maltrata, utilizando-se exclusivamente de argumentos bíblicos. Afinal, que outros haveria?
                É ultrajante, mas coerente, pois em seu livrinho mágico escrito na idade do bronze, lê-se em Provérbios 13:24 “O que não faz uso da vara odeia seu filho, mas o que o ama, desde cedo o castiga” Claro que o livrinho ensebado não explicita o quão cedo deve-se começar com as varadas de amor. Mas não fica nisso.
                Em Provérbios 29:15 está mais uma lição que os evangélicos gostam de citar para justificar sua falta de tato para educar. Diz o texto: “A vara e a repressão dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma envergonha sua mãe”.  
                No mesmo livrinho de provérbios (22:15) há mais da sabedoria da porrada em quem não  pode defender-se: “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da correção a afugentará dela”. 
                Para não dizer que deixei de citar a tolerância e a temperança que se encontra nesse  manual do torturador hebreu, cito Provérbios 19:18: “Castiga teu filho enquanto há esperança, mas não deixes que teu ânimo se exalte até o matar”. Vê quanto comedimento há nessas singelas palavras? É a versão bíblica do “estupra, mas não mata”.



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