Nossos parlamentares empenham-se, mais que nada, em discutir
e aprovar leis que dizem respeito à partilha do dinheiro público. Lutam
encarniçadamente pelos royalties do petróleo, pela LDO, pela participação de
estados e municípios no butim dos impostos, mas de vez em quando aprovam alguma
coisa que atende à cidadania, muito de vez em quando. É o caso da Lei Maria da
Penha.
Esse diploma legal é um desses pequenos, mas importantes
passos no aperfeiçoamento da sociedade, pois dá meios ao estado de proteger
quem está vulnerável dentro das relações domésticas. Sua aplicação ainda
esbarra na condição social da vítima assim como toda lei coercitiva de abusos. Nas
delegacias de polícia impera o machismo e a má vontade para com as mulheres agredidas.
Muitas vezes culpabiliza-se a vítima. Claro, uma delegacia de polícia é gerida
por pessoas da sociedade em que vivemos, pessoas iguais a outras que vemos
postar nas redes sociais verdadeiros libelos de machismo e puritanismo. Não é
raro, diante de uma notícia de agressão por ciúmes, lermos comentários de
leitores e leitoras que desculpam o agressor pelo fato da vítima usar trajes
provocadores ou ter comportamento não compatível com o papel que a mulher
deveria ter na visão desses puritanos.
Mas enfim, uma lei é uma lei e pode contribuir para que se
vá diluindo a imbecilidade que domina nosso meio social.
Outro passo importante na proteção de vulneráveis vem sendo
discutido no Congresso. Trata-se da lei alcunhada “Lei da palmada”. O número de
crianças vítimas de abusos dos pais é maior do que o de mulheres agredidas por
maridos, amantes e namorados. Não tenho nenhuma estatística que comprove isso,
mas tenho olhos e ouvidos e é o que basta para fazer-se tal afirmação.
Se as agressões contra as mulheres são, muitas vezes,
mantidas no silêncio e na vergonha, tanto por vítimas quanto por vitimários, os
maus tratos às crianças são alardeados como exemplo de autoridade paterna, como
fonte de educação. Você, claro, já ouviu
expressões como “dei-lhe um corretivo” ou “é de pequenino que se torce o pepino”
sendo usadas para justificar agressões físicas perpetradas contra os pequenos. Nossa
sociedade, brutalizada pela herança infame da escravidão, acostumou-se a ver o
sofrimento físico e, em grande parte, o aprova.
Pois bem, parece que agora a sociedade, ou pelo menos uma
minoria mais esclarecida, toma consciência e tenta pôr cobro a essas covardias,
a essas brutalidades praticadas justamente por aqueles que deveriam proteger as
crianças, mas a iniciativa encontra resistências. A bancada evangélica não abre
mão da porrada, do espancamento, da varada. Deputados dessa bancada impediram,
nesta semana, uma reunião da Comissão de Constituição e Justiça que discutiria
a redação final do projeto de lei usando do artifício de não aprovar a ata da
reunião anterior.
Chega a ser ultrajante ver aqueles senhores defendendo que
se bata em um ser indefeso e incapaz sequer de odiar quem o maltrata,
utilizando-se exclusivamente de argumentos bíblicos. Afinal, que outros
haveria?
É ultrajante, mas coerente, pois em seu livrinho mágico
escrito na idade do bronze, lê-se em Provérbios 13:24
“O que não faz uso da vara odeia seu filho, mas o que o ama, desde cedo o
castiga” Claro que o livrinho ensebado não explicita o quão cedo deve-se
começar com as varadas de amor. Mas não fica nisso.
Em Provérbios 29:15 está mais uma lição que os evangélicos
gostam de citar para justificar sua falta de tato para educar. Diz o texto: “A
vara e a repressão dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma envergonha
sua mãe”.
No mesmo livrinho de provérbios (22:15) há mais da sabedoria da
porrada em quem não pode defender-se: “A
estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da correção a
afugentará dela”.
Para não dizer que deixei de citar a tolerância e a temperança
que se encontra nesse manual do
torturador hebreu, cito Provérbios 19:18: “Castiga teu filho enquanto há esperança,
mas não deixes que teu ânimo se exalte até o matar”. Vê quanto comedimento há
nessas singelas palavras? É a versão bíblica do “estupra, mas não mata”.
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