terça-feira, 29 de outubro de 2013

Cartas dos leitores


O vício é antigo. Muito antes de existir internet, quando a TV, os jornais e o rádio ainda eram em preto e branco, eu já lia a seção de cartas dos leitores.
Sempre me intrigou que alguém escrevesse cartas para os jornais. Havia que escrevê-la, ir até o correio, pagar o selo e metê-la na ranhura da caixa coletora para, talvez, vê-la publicada dias depois com os devidos cortes e correções ortográficas feitos pelo senhor editor.
Pelo geral, eram cartas cobrando medidas das autoridades ou criticando alguma matéria do próprio jornal. Mas também as havia enaltecendo o papel dos militares no comando do país. Outras faziam furibundas defesas da família e dos bons costumes que se julgava corrompidos.
As opiniões, quase sempre conservadoras, ou mesmo reacionárias, desses missivistas me pareciam ser coisa daqueles tempos bicudos.  Não eram tempos de contestações por escrito com nome e endereço.  Ninguém iria facilitar o trabalho da repressão que via em qualquer manifestação de opinião independente uma ameaça ao estado, à família e à propriedade. Escrevia e assinava quem estava a favor, ou pior, quem estava mais a favor que os favorecidos.
Depois larguei mão. Passei anos sem ler jornais só voltando a eles depois que ficaram gratuitos na rede de computadores. E, claro, voltei a ler os leitores que, indignados ou simplesmente chatos, escrevem. Acho que só para dar sopinha para meu masoquismo. Pois acontece que sofro. Cada vez que leio as manifestações desses leitores, sofro. Sofro e continuo lendo. Leio e continuo sofrendo. Freud explica.
Não há matéria que não mereça os comentários mais absurdos, mais caretas, mais reacionários desses decifradores do mundo. Sem o problema da exigüidade de espaço que havia nos jornais de papel, as manifestações são inúmeras e prolixas. Do biquíni da Beth Faria aos protestos dos meninos mascarados; da espionagem americana à liberação da maconha, nossa sociedade, tão bem representada pelos escritores de cartas para jornais, continua dando mostras de cretinice sem limites nos comentários que faz.
Se tempos atrás, associávamos os comentários mais conservadores e rançosos a velhos milicos de pijama e senhoras mal amadas, hoje, é entre a juventude que encontramos seus autores. Meninos e meninas expõem sua total falta de sensibilidade e bom senso comentando sobre tudo e sobre tudo deixando a marca do preconceito, da idéia fixa, do reacionarismo. Xenofilia, racismo, homofobia e misoginia fazem parte do seu cotidiano de escribas.

E o pior, numa linguagem e escrita que precisam ser decifradas. Não falta nem o "com cordo" nem o "consertesa". 

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