A ditadura, além
de sua face brutal, corrupta e boçal, também teve seus momentos de ópera bufa.
É conhecido o episódio do sujeito que foi preso por ter sido encontrada numa
batida policial em sua casa, uma obra de Eça de Queirós. Tratava-se do livro “A
capital” que o agente da repressão confundiu com “O capital” de Karl Marx.
Em Juiz de Fora,
uma família inteira foi presa por possuir uma bíblia em russo e houve até o caso
de policiais irem a um teatro prender o autor de uma peça de cunho subversivo. Eles
andavam atrás de Ésquilo ou Sófocles. Como não encontraram o elemento
subversivo, quebraram as caras de alguns membros do elenco e foram embora.
Livros sempre
foram objetos de profunda desconfiança de ditadores e seus agentes. Na cabeça
de quem nunca leu nada além da revista Veja e os titulares dos jornais de
crimes, a simples leitura de um livro de Marx transforma o sujeito em perigoso
elemento subversivo, em comunista ateu capaz das maiores atrocidades como
querer pôr em cheque os valores da família e da propriedade privada. Jamais
lhes ocorre que o leitor pode ser crítico, pode discordar do que vem entre uma
capa e outra. Os analfas funcionais vêem poderes mágicos nos livros e os temem. Criam índex, os queimam em autos de fé.
Outra operação
de busca e apreensão, ocorrida em Porto Alegre também recolheu, entre outros
bens, um livro de teoria marxista. A notícia que li não dá o título da obra,
mas fala que a polícia gaúcha também levou um notebook, documentos e cadernos
da casa de um estudante ligado a um partido de esquerda.
Sim, levaram um
notebook, pois a notícia a que me refiro não é dos tempos funestos da ditadura
e sim dos dias de hoje.
Pois é, nos dias de hoje a polícia civil de um estado
da federação governado por um político do PT manda sua polícia apreender
objetos na casa de um estudante que teria participado dos protestos de Porto
Alegre e estaria sob suspeita de praticar, incentivar ou promover vandalismo. E
a polícia de Tarso Genro apreende um livro de teoria marxista como prova do
crime.
Ao invés de
explicar o mico protagonizado por seus comandados, o secretário de segurança do
Rio Grande do Sul prefere mostrar seu profissionalismo esgrimindo o velho
palavreado dos agentes da repressão. Fala do dever do estado e da polícia de
investigar os acontecimentos que culminaram com a quebra das vidraças do
Palácio do Tribunal de Justiça.
Ora, esse
desvelo pela coisa pública, por parte do secretário, deveria se estender, por
exemplo, às torcidas organizadas de futebol que a cada tanto promovem
quebradeiras muito maiores, enfrentam a polícia e agridem violentamente quem
lhes aparece pela frente e ficam impunes. Mesmo quando há detidos, não é aberto
nenhum inquérito.
Esse afã de fazer cumprir as leis poderia
também ser aplicado na elucidação de crimes comuns como homicídios, estupros e
assaltos a ônibus. Como se sabe, apenas 2% (dois por cento) dos inquéritos de
homicídios levam ao indiciamento de suspeitos e punição dos autores.
Assim como na
época da ditadura, o que preocupa as autoridades de segurança é a segurança dos
grupos de poder que são ameaçados por alguma contestação. Seu intuito não é
diminuir a criminalidade e sim extinguir as contestações.
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