quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Perigoso marxista


A ditadura, além de sua face brutal, corrupta e boçal, também teve seus momentos de ópera bufa. É conhecido o episódio do sujeito que foi preso por ter sido encontrada numa batida policial em sua casa, uma obra de Eça de Queirós. Tratava-se do livro “A capital” que o agente da repressão confundiu com “O capital” de Karl Marx.
Em Juiz de Fora, uma família inteira foi presa por possuir uma bíblia em russo e houve até o caso de policiais irem a um teatro prender o autor de uma peça de cunho subversivo. Eles andavam atrás de Ésquilo ou Sófocles. Como não encontraram o elemento subversivo, quebraram as caras de alguns membros do elenco e foram embora.
Livros sempre foram objetos de profunda desconfiança de ditadores e seus agentes. Na cabeça de quem nunca leu nada além da revista Veja e os titulares dos jornais de crimes, a simples leitura de um livro de Marx transforma o sujeito em perigoso elemento subversivo, em comunista ateu capaz das maiores atrocidades como querer pôr em cheque os valores da família e da propriedade privada. Jamais lhes ocorre que o leitor pode ser crítico, pode discordar do que vem entre uma capa e outra. Os analfas funcionais vêem poderes mágicos nos livros e os temem. Criam índex, os queimam em autos de fé.
Outra operação de busca e apreensão, ocorrida em Porto Alegre também recolheu, entre outros bens, um livro de teoria marxista. A notícia que li não dá o título da obra, mas fala que a polícia gaúcha também levou um notebook, documentos e cadernos da casa de um estudante ligado a um partido de esquerda.
Sim, levaram um notebook, pois a notícia a que me refiro não é dos tempos funestos da ditadura e sim dos dias de hoje. 
Pois é, nos dias de hoje a polícia civil de um estado da federação governado por um político do PT manda sua polícia apreender objetos na casa de um estudante que teria participado dos protestos de Porto Alegre e estaria sob suspeita de praticar, incentivar ou promover vandalismo. E a polícia de Tarso Genro apreende um livro de teoria marxista como prova do crime.
Ao invés de explicar o mico protagonizado por seus comandados, o secretário de segurança do Rio Grande do Sul prefere mostrar seu profissionalismo esgrimindo o velho palavreado dos agentes da repressão. Fala do dever do estado e da polícia de investigar os acontecimentos que culminaram com a quebra das vidraças do Palácio do Tribunal de Justiça.
Ora, esse desvelo pela coisa pública, por parte do secretário, deveria se estender, por exemplo, às torcidas organizadas de futebol que a cada tanto promovem quebradeiras muito maiores, enfrentam a polícia e agridem violentamente quem lhes aparece pela frente e ficam impunes. Mesmo quando há detidos, não é aberto nenhum inquérito.
 Esse afã de fazer cumprir as leis poderia também ser aplicado na elucidação de crimes comuns como homicídios, estupros e assaltos a ônibus. Como se sabe, apenas 2% (dois por cento) dos inquéritos de homicídios levam ao indiciamento de suspeitos e punição dos autores.
Assim como na época da ditadura, o que preocupa as autoridades de segurança é a segurança dos grupos de poder que são ameaçados por alguma contestação. Seu intuito não é diminuir a criminalidade e sim extinguir as contestações.




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