Desde o
princípio do ano até agora, foram assassinados 195 moradores de rua no Brasil. Fatos
como esses são comuns no país. Lembro dos mendigos jogados no Rio da Guarda, no
Rio dos anos 60, do massacre da candelária no princípio dos 90 e tantos outros
conhecidos e esquecidos por nossas consciências tão lenientes.
Casos como o do
pedreiro Amarildo, levado pela polícia e morto sob tortura, também são comuns.
Do menino Douglas, assassinado com um tiro ao lado de casa, também. Todos os
dias, jovens das favelas e periferias são mortos pela polícia, que já nem se dá
ao trabalho de forjar autos de resistência ou plantar armas e drogas junto aos
cadáveres. Basta uma nota da respectiva corporação do policial assassino e o
aval da secretaria de segurança. Mesmo antes da chegada do rabecão, o laudo, a necropsia
e o atestado de óbito já estão prontos, e o máximo que os acobertadores desses assassinatos fazem é dizer que haverá uma investigação para provar
que a vítima estava envolvida com o tráfico de drogas e que o tiro que o matou
foi acidental. Ou que morreu de uma queda como disseram ter acontecido com Paulo Roberto Pinheiro, morto após abordagem policial em Manguinhos.
Tamanho desleixo
na ocultação dos próprios crimes se dá por uma razão muito simples: grande
parte da sociedade brasileira apóia o morticínio, aplaude o programa estatal de extermínio
das populações pobres.
Está na internet
o vídeo, em que um vereador de Barra do Piraí diz que “mendigo deveria virar
ração para peixe”. Se no primeiro momento vimos alguma indignação pela
declaração do vereador, podemos estar certos que sua reeleição está
garantida, pois o número de eleitores que comunga com esse pensamento tem
crescido na mesma proporção do Ibope do Datena, do Marcelo Resende e outros que
tais.
O oficial da PM que
comandou a chacina do Carandiru em 92, foi eleito deputado dois anos depois de
executar a façanha que chocou o mundo. Pessoas notoriamente envolvidas com
esquadrões da morte e milícias ocupam cargos eletivos em nossas assembléias
legislativas e câmaras de vereadores. Brasília também conta com esses representantes
do gatilho ligeiro. Todos eleitos com o voto soberano da cidadania.
Assim como os governadores se vangloriam de suas políticas de “tolerância
zero” para com pobres e favelados, esses senhores parlamentares tampouco ocultam sua visão de
justiça. Ao contrário, dela fazem alarde e se elegem seguidamente.
Ainda hoje
assisti um documentário que narrava o episódio da prisão, tortura e assassinato
de Vladmir Herzog ocorrido em 1975. Naqueles dias ainda não se falava em
abertura do regime. Os órgãos de repressão agiam livremente, impunimente e com
enorme brutalidade Mesmo assim a ditadura tentou forjar um suicídio para
encobrir o assassinato de Herzog. O mesmo foi feito no caso de Manuel Fiel Filho, o operário morto sob tortura nas dependências do DOI-CODI em 1976. Vários outros
assassinatos de presos políticos também foram ocultados, daí os desaparecidos.
Mesmo tendo a
faca e o queijo na mão, podendo amparar-se em leis de exceção, na censura à
imprensa e em massiva propaganda, a ditadura temia a opinião pública. A
sociedade de então, que em grande parte apoiava o governo militar, queria
acreditar que o combate aos
comunistas, terroristas e outros inimigos do regime, obedecia à lei. A prática da tortura era negada veementemente tanto por generais quanto por subordinados. Assumir
assassinatos de presos por torturas, não fazia parte do arsenal de imposturas da ditadura.
Hoje não. A
sociedade brasileira quer ver-se livre de qualquer ameaça à sua segurança e à sua propriedade. Crê que matando jovens negros e mulatos da periferia, a polícia
alcançará êxito no combate à violência urbana. A tortura, que nunca deixou de ser usada nas delegacias, casas de custódia e presídios, é vista nos dias de hoje como algo tolerável, aceitável, até mesmo necessário.
As declarações
de mandatários e autoridades depois de assassinatos e chacinas promovidas por policiais, são
de um despudor inusitado. Cada vez que esses senhores e senhoras se postam frente
às câmeras de TV para dar as mais absurdas explicações, parece que estamos vendo uma piscadela dirigida à sociedade
que apóia seus atos infames. É como se estivessem dizendo:_”Esse papo é só pra
sacanear os defensores dos direitos humanos. É nós”.
Quem viveu os
dias escuros da ditadura sabe até onde pode chegar o abuso, o terrorismo de
estado, a intimidação. O que nem os que vivenciaram aquela época sabem, é como
conviver com uma sociedade que apóia, incentiva e aplaude os atos mais vis
contra pobres, favelados, mendigos e outros desfavorecidos.
É duro aceitar
que vivemos entre monstros.
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