terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Feliz ano novo, feliz esperança


Para que tenhamos um feliz ano novo, é imprescindível que os índios não sejam mais massacrados e espoliados de suas terras. Há que barrar as pretensões do latifúndio.
Para que possamos ter alguma esperança no próximo ano é preciso que a polícia deixe de assassinar meninos na frente de suas casas. Não temos o direito de  fechar nossos olhos e nossas bocas para o genocídio.
Para que possamos sonhar com um ano melhor faz-se necessário que quem protesta não seja preso por isso. Não podemos temer a liberdade.
Para que não se repitam os mesmos erros e enganos do ano que termina, devemos submeter nossas idéias ao crivo dos fatos. Que quem insista no erro, fique só com seus puxa-sacos e suas gravatas.
Para que o novo ano seja realmente novo, há que ter-se vontade de ferro e sonhos de plumas. Mais poesia e menos Ipod.
Para que o ano que começa logo mais seja diferente, devemos compreender que o mundo somos nós e os outros, todos os outros. Cada um com seu sonho de felicidade e suas esperanças de justiça.
Para que não fiquemos apenas no desejo de um feliz ano novo, comecemos agora a fazê-lo feliz. Apague o rojão e acenda um baseado.
Feliz ano novo, feliz esperança. São os sinceros votos do Manuel e os meus também.


domingo, 29 de dezembro de 2013

450 quilos de farinha


Há mais ou menos dois meses, na edição digital d’O dia, chamou-me à atenção uma foto de um cachorro encimada pela legenda: “Cão encontra drogas”. Fui ler a matéria e me dei conta de que o cachorro era um desses cães farejadores da polícia e que havia encontrado certa quantidade de drogas numa operação não sei em que morro do Rio. Estanquei. Afinal os cães farejadores não são treinados para isso mesmo? E encontrar drogas no morro é assim  tão raro que mereça uma reportagem com foto do animal e tudo mais?
Fiquei na dúvida se aquilo se tratava de total falta de assunto ou era uma dessas notícias plantadas para desviar a atenção dos desmandos policiais tão freqüentes na Cidade Maravilhosa. Deixei pra lá, mas fiquei pensando no quão distante do mundo real vive a imprensa brasileira.
Hoje, está quase impossível ler tudo o que se passa no mundo ou mesmo no país devido à rede de computadores. Basta entrar num sítio informativo de Belém, Quito, Montevideo ou Cochabamba para nos perdermos nas notícias mais curiosas, nas realidades mais interessantes. Sem embargo, nossos jornais, digitais ou não, são de uma pobreza franciscana quando de espelhar o mundo se trata.
Minha desilusão com a imprensa do país não é de agora, mas nosso jornalismo nunca deixa de involuir.
Veja se não é para surpreender-se: um helicóptero carregando 450 quilos de cocaina é apreendido pela PF. O dono da aeronave, um deputado filho de um senador parceiro de um candidato à presidência. E o que contam nossos jornais? Nada. No dia seguinte à apreensão da branca não encontrei nada além de umas notinhas com papo furado de advogados. Notinhas de seis, sete linhas.
Passado mais de um mês do achado, a notícia sumiu. Ninguém na imprensa fala mais no assunto, como se fosse algo que acontecesse todo dia. Mas não é. Mesmo com a estirpe de políticos que temos, não é todo dia que o helicóptero de um deles ( e muitos têm aeronaves) é apreendido portando 450 quilos de farinha.

 Mesmo que o helicóptero não fosse de um deputado, mesmo que esse deputado não fosse filho de um senador, mesmo que o voador fosse abastecido com recursos do dono, mesmo que o piloto fosse pago com dinheiro de seu patrão, ainda assim o fato mereceria mais destaque na imprensa. Porra, são 450 quilos de farinha!

O grande negócio da fome


Os EE.UU são um dos países mais ricos do mundo. Não que lá não exista pobreza, não exista desigualdades, pelo contrário: a existência de milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza (fato que deveria envergonhar o país que mais produz riqueza e mais agrega valor a seus produtos) é jogada para debaixo do tapete da prosperidade e do sonho americano. Mas, é preciso que se diga, a existência de miseráveis no seio da prosperidade e da fartura é a própria essência do capitalismo que por lá se pratica.
E se a coexistência com miseráveis no seu próprio território não envergonha o governo norte-americano, o que se dizer então de suas disputas comerciais com os países pobres? Aí então é que não há mesmo espaço para vergonha. Foi o que se viu na última reunião da OMC em Bali: os EE.UU contrários às políticas indianas de segurança alimentar.
O governo do país asiático tenta, através de políticas públicas, garantir a compra de produtos agrícolas de pequenos produtores locais para forçar o aumento da produção de alimentos e facilitar a permanência do homem no campo. Isso para os negócios americanos é inaceitável.
Claro, os EE.UU não estão sós no negócio da fome. Os ricos da Europa também vêem com maus olhos qualquer política de subsídios de países pobres para seus agricultores, embora todos saibam que são os países ricos que mais subsidiam seus produtores, especialmente as grandes corporações. Fazem isso através de créditos, compras preferenciais, assistência técnica e toda espécie de vantagens legais. Usam de eufemismos em suas leis de proteção à agricultura. Mascaram subsídios, usam de barreiras sanitárias para barrar a entrada de produtos oriundos de países pobres, sobretaxam e argúem até problemas ecológicos quando de beneficiar seus agricultores se trata. Quanto à fome no mundo, nem uma lei, nem uma palavra. A fome é um grande negócio capitalista.



terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Tudo como dantes


O ano vai terminando com terminou o século... XIX. Índios sendo massacrados e expulsos de suas terras, trabalhadores rurais sendo vítimas dos capitães de mato da PM, dos jagunços e pistoleiros.
O ano vai terminando como tantos outros começaram e terminaram. Pobres e favelados, negros e pardos sendo agredidos e mortos em frente das câmeras de TV. Pobres e favelados, gente sem teto, sem trabalho, sofrendo humilhações perpetradas por bandidos fardados, que na impossibilidade de lhes extorquir algo, descarregam sobre eles sua boçalidade, sua violência.
O ano vai terminando como terminaram muitos outros, com o orçamento da nação sendo aprovado no apagar das luzes sob a chantagem dos políticos que querem mais: mais verba para custeio de partidos, mais verba para alugar carros e comprar passagens aéreas, mais dinheiro para as emendas parlamentares que em ano eleitoral fazem toda a diferença. Emendas parlamentares que porão milhões nos cofres das empreiteiras amigas.
O ano vai terminando como todos os outros, a desigualdade imperando, o latifúndio matando, a polícia torturando, os políticos roubando o que deveria ser para benefício de todos.
Mais um ano que repete o já visto e vivido em anos anteriores. As bases dos governos (estaduais, municipais, federal)  barrando tímidas tentativas de se investigar algo.
Em mais um ano as chuvas, simples chuvas, irão matar e desalojar famílias. Serão criados gabinetes de gerenciamento de crises como se as precipitações fossem algo totalmente desconhecido. E mais alguns milhões serão desviados sem que nada se faça. As chuvas vão se transformando numa indústria como a seca e a fome.
O ano que termina, sem embargo, deixa alguns fatos novos para, quem sabe, serem repetidos nos próximos. Gente do poder, ou dele dependente, foi para a cadeia acompanhada de uma presidente de banco e um poderoso publicitário. As ruas deram seu recado, confuso, mas audível. Vamos ver se as urnas farão eco.



quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Mandela e o século 21

Assim são os séculos, eles não nos abandonam num 31 de dezembro ao som de foguetório e música estridente. Tampouco começam no 1º de janeiro acompanhados de ressaca e uma pesada sensação de esquecimento. Os séculos seguem anos a fio, dentro de um calendário alheio. Por isso só agora vai terminando o século 20. Não de todo nem para sempre, mas vai terminando.
A morte de Mandela foi um desses sinais que o século das revoluções vai dando lugar aos dias interessantes que nos esperam e com os quais já convivemos. 
Mandela foi um típico líder do século passado (e passando). Uma estirpe de homens de que os novos tempos são avaros. Mandela ombreia-se a Fidel Castro, Ho Chi Minh, Tito, Lumumba, Samora Machel, Agostinho Neto, Jomo Kenyatta, Nasser, Atatürk, Arafat e alguns poucos outros.
Mas esse Mandela, que leva consigo os últimos vestígios da centúria passada, vai sendo substituído por um novo Mandela, mais acorde com os dias atuais. Antes mesmo que seu corpo fosse levado à tumba, surgiu um novo Mandela; global, unânime, incontestado. Um Mandela holywoodiano muito diferente do guerrilheiro que jamais abriu mão da luta armada para libertar seu povo. Um Mandela capa de revista Time, totalmente distinto do líder que falou contra o embargo à Cuba e contra  a guerra do Iraque e que foi aliado estratégico de Kadaf.

O Mandela que a direita e sua máquina midiática tentam inventar é a antítese do estadista que sempre foi apoiado pelos comunistas sul-africanos. Do Mandela de punho em riste. Esse Mandela incômodo vai sendo transformado pela indústria do espetáculo jornalístico num Mandela a La Ghandi, num Mandela estilo Morgan Freeman. Um Mandela com sorriso bondoso de vovô.