Assim são os séculos, eles não nos
abandonam num 31 de dezembro ao som de foguetório e música estridente. Tampouco
começam no 1º de janeiro acompanhados de ressaca e uma pesada sensação de
esquecimento. Os séculos seguem anos a fio, dentro de um calendário alheio. Por
isso só agora vai terminando o século 20. Não de todo nem para sempre, mas vai
terminando.
A morte de Mandela foi um desses
sinais que o século das revoluções vai dando lugar aos dias interessantes que
nos esperam e com os quais já convivemos.
Mandela foi um típico líder do século
passado (e passando). Uma estirpe de homens de que os novos tempos são avaros.
Mandela ombreia-se a Fidel Castro, Ho Chi Minh, Tito, Lumumba, Samora Machel,
Agostinho Neto, Jomo Kenyatta, Nasser, Atatürk, Arafat e alguns poucos outros.
Mas esse Mandela, que leva consigo os
últimos vestígios da centúria passada, vai sendo substituído por um novo
Mandela, mais acorde com os dias atuais. Antes mesmo que seu corpo fosse levado
à tumba, surgiu um novo Mandela; global, unânime, incontestado. Um Mandela
holywoodiano muito diferente do guerrilheiro que jamais abriu mão da luta
armada para libertar seu povo. Um Mandela capa de revista Time, totalmente
distinto do líder que falou contra o embargo à Cuba e contra a guerra do Iraque e que foi aliado
estratégico de Kadaf.
O Mandela que a direita e sua máquina
midiática tentam inventar é a antítese do estadista que sempre foi apoiado pelos
comunistas sul-africanos. Do Mandela de punho em riste. Esse Mandela incômodo
vai sendo transformado pela indústria do espetáculo jornalístico num Mandela a La
Ghandi, num Mandela estilo Morgan Freeman. Um Mandela com sorriso bondoso de
vovô.
Nenhum comentário:
Postar um comentário