Por enquanto as padarias vendem
cigarros. Por enquanto, pois se a perseguição aos fumantes continuar no ritmo que
está, em breve teremos que buscar os baixos fundos, o mercado negro, os
traficantes para poder comprar nosso roliúde de cada dia.
A perseguição encabeçada pelos
proibicionistas profissionais, conta com o auxílio luxuoso dos políticos
demagogos e dos chatos de galocha naturebas que vão para a praia com seus
carros de trocentos cavalos catar guimbas. Depois as exibem em fotos pelo
facebook, mostrando a terrível poluição provocada pelos viciados.
Bem, mas por enquanto podemos comprar
cigarros na padaria. E só para isso vou à padaria. No supermercado, o pão é melhor
e o leite mais barato. Mas foi na padaria que tive um daqueles momentos de
saudade doce e dolorida que as recordações dos tempos de escola trazem.
Foi por causa de um bolinho. Um
bolinho tal qual um bolo grande, só que em tamanho reduzido. Vendo-o lembrei-me
imediatamente de uma barraquinha que havia do lado da escola onde fiz o
ginásio.
Era um desses carrinhos de madeira
sobre duas rodas de bicicleta, atulhado de guloseimas. Havia um cubinho de uns
dois centímetros de lado feito de pasta de amendoim. Dizziolli era a marca e
assim o chamávamos. Esse era o meu preferido. Havia de tudo no carrinho:
mariolas embrulhadas em plástico transparente, cocadas e pés de moleque dentro
de potes que o vendeiro educadamente recolhia com uma pinça. Havia balas, que
traziam de brinde um anel de plástico, bombons de marcas desconhecidas e, o que
era alvo da implicância justificada dos professores: chicletes de todas as
marcas e formas que existiam naqueles tempos de menos variedades. Claro, os
preferidos eram os de bola que os alunos inflavam e estouravam durante as aulas
para desespero dos mestres.
E havia bolinhos. Eles vinham
embalados em saquinhos plásticos cuja extremidade era fincada num arame rijo que
tinha como base um quadrado de madeira. Uns sobre os outros formando uma
pirâmide. Eram, esses bolinhos, nosso mata-fome.
Embora a escola fornecesse merenda,
esta não era abundante e depois das duas aulas que intermediavam o recreio e a
hora de ir embora, nossos corpos em crescimento pediam alguma coisa para agüentar
a longa viagem de ônibus até a casa. O bolinho era a salvação. O preço era o
mesmo do diminuto Dizziolli ou de dois chicletes. E era de sustança. Depois de
devorado, um gole de água da torneira. Pronto.
Só as meninas comiam bolinhos com
elegância. Iam mordiscando devagar enquanto subíamos o fim de ladeira que nos
deixava no ponto de ônibus. Muitas vezes ainda comiam quando o coletivo já ia
pela Praça das Indústrias, pelo Barreiro, já quase chegando na Gameleira.
Nunca mais vi esses bolinhos
por aí. Creio que deva ter a ver com as normas sanitárias ou algo parecido. Sei
lá. Depois apareceram uns bolinhos industrializados, vendidos em embalagens coloridas
e herméticas. Não era a mesma coisa. Pode ser que fossem mais higiênicos e
mesmo mais gostosos, mas não era a mesma coisa. Você me entende.
Bem, no dia em que fui comprar
roliúde na padaria, vi aqueles bolinhos. Não estavam em sua embalagem
plástica, fincada num arame, repousavam sobre uma bandeja protegido de moscas e
mãos pelo vidro do balcão. Mas eram eles, os reconheci. Tinham o mesmo aspecto
convidativo às mordidas, a mesma delicadeza das miniaturas, alguma coisa que
lembrava risadas. Vê-los foi ver de novo aquele céu azul, aquelas tardes gulosas
da meninice. Lembrei-me dos companheiros, da Simone que comia devagar dentro do
ônibus Riacho das Pedras, entremeando os mordiscos com seu sorriso e sua
conversa.
Eu sabia que aquele bolinho da
padaria não me daria o sabor do antigo, não me daria o sorriso de Simone, nem a
companhia do Cabeção, mas quis prová-lo. Talvez...Vasculhei os bolsos e achei
umas moedas. Apontei o bolinho para a padeira e perguntei:_Quanto é? _O quê-
respondeu solícita- o cup cake? _Dois e cinqüenta.
Pois é, meu bolinho virou cup cake.
Continua o mesmo bolinho. Sou capaz de apostar que a receita é a mesma desde
aqueles tempos até hoje: farinha, ovos, leite, açúcar. Mas mudaram-lhe o nome, deram-lhe uma
identidade falsa e hoje ele passa por gringo. Foi como quando reencontramos um
antigo amigo e ele diz ser outra pessoa, que estamos enganados e se vai
apressado. Ficamos parados, atônitos tentando atinar com o motivo da desfeita. Aquele
bolinho dizia ser outra coisa, que não sabia quem era Simone nem se lembrava de
nenhum Cabeção.
Eu sei que coisas que conhecíamos e
nominávamos no mais corriqueiro português, vão ganhando nomes gringos dados
pelo caipirismo nacional tão afeito à submissão cultural. Mas aquele bolinho
virar cup cake, pra mim foi demais.