É uma propaganda nova. Da Amil. Não é
uma propaganda do tipo “compre nosso plano de saúde e espere 10 meses por um
exame de próstata. Nosso plano é o próprio exame de próstata”. Não. É uma
dessas propagandas boazinhas que nem as dos cartões de crédito que nos ensinam
a usar o crédito com responsabilidade. Acho que esse tipo de propaganda tem um
nome no jargão dos publicitários. E são eficazes. Tão eficazes que eu acabei
chamando-as de boazinhas. Não são nada boazinhas. São as piores, pois lá está o
reclame nos chamando para o exame de próstata como quem convida para o
reveillon da Ilha Porchat. Mas fingem que não é isso.
A propaganda de que falo, quer que
creiamos que o plano de saúde e os publicitários estão preocupados com a
obesidade infantil.
A cena é a seguinte: Em torno de uma
típica mesa de novela está uma atípica família brasileira. Há uma suculenta
pizza e Mamãe ralha com Papai que está dando um naco da iguaria para o cachorro
da casa, que doravante será chamado de Bob. Depois do corte e em torno da mesma
típica e novelesca mesa está a família com outro figurino. Papai dá a Bob uma
porção de algo apetitoso que a família saboreava. Mamãe ralha de novo com
papai. Mamãe está preocupada com a saúde e Bob e se esquece do filho do casal
que, gordinho, está comendo a mesma comida pouco saudável, afinal todos sabemos que pizza
e bocados suculentos fazem mal à saúde. Aliás, excetuando-se o brócolis cozido
na água mineral sem sal e o chá verde sem açúcar, toda comida faz mal à saúde e
provoca obesidade.
Sem querer a propaganda da Amil toca
num problema real. Nossa sociedade está mais preocupada com os bichos do que
com os seres humanos. A mesma mocinha que posta no facebook ameaças contra quem
maltrata os animais, apóia os linchamentos e a truculência policial contra moradores
de favelas. Os mesmos senhores que chamam de desumanos àqueles que abandonam
animais, acham corretíssimo o despejo de famílias em nome do direito à
propriedade. E ai daquele que diz que não gosta de cachorros ou do cheiro de
xixi de gato.
Frases do tipo, “você conhece o
caráter de alguém pela maneira como esse alguém trata os animais” pululam nas
redes sociais, sempre acompanhadas por fotos de cachorrinhos com olhar doce e
gatinhos fofinhos. A maneira como alguém trata as outras pessoas, já não
importa. Pelo contrário. Para as pessoas exige-se a pena de morte e o
rebaixamento da maioridade penal. Clama-se pela tortura de presos. O que conta como definidor de caráter, é a relação com os bichos. Tanto é
assim que, sob aplausos unânimes, foi inaugurado recentemente um hospital
público para animais. Creio que foi em Porto Alegre, mas outras cidades já têm
planos de fazer o mesmo. Parece que cuidar da saúde animal vai gerar mais votos
do que evitar mortes de seres humanos que continuam morrendo nas filas dos hospitais ou
aguardando uma cirurgia simples que é sempre marcada para depois de meses ou
anos.
Eu não me espantaria se em breve
inaugurassem escolas para cachorros, creches para gatos e cursos de línguas
para papagaios. Se nossos meninos do 4º ano mal lêem e pouco escrevem, não vem
ao caso, afinal os governadores e prefeitos que abandonam a educação básica são
sempre reeleitos. Não fica nenhum de fora. Nas próximas eleições por certo os
veremos, já não mais beijando criancinhas e abraçando velhos durante a
campanha eleitoral, e sim fazendo mimos em algum pitbul ou roçando o focinho num angorá.
Na minha cidade houve quem advogasse, na última eleição municipal, por espaço
exclusivo na praça pública para os bichos. Nem é necessário dizer que o mal
estado dos brinquedos usados pelas crianças não comoveu ninguém
A Mamãe da propaganda é um pálido
retrato da sociedade em que vivemos.
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