quarta-feira, 16 de abril de 2014

Eu não sou cachorro não, infelizmente

É uma propaganda nova. Da Amil. Não é uma propaganda do tipo “compre nosso plano de saúde e espere 10 meses por um exame de próstata. Nosso plano é o próprio exame de próstata”. Não. É uma dessas propagandas boazinhas que nem as dos cartões de crédito que nos ensinam a usar o crédito com responsabilidade. Acho que esse tipo de propaganda tem um nome no jargão dos publicitários. E são eficazes. Tão eficazes que eu acabei chamando-as de boazinhas. Não são nada boazinhas. São as piores, pois lá está o reclame nos chamando para o exame de próstata como quem convida para o reveillon da Ilha Porchat. Mas fingem que não é isso.
A propaganda de que falo, quer que creiamos que o plano de saúde e os publicitários estão preocupados com a obesidade infantil.
A cena é a seguinte: Em torno de uma típica mesa de novela está uma atípica família brasileira. Há uma suculenta pizza e Mamãe ralha com Papai que está dando um naco da iguaria para o cachorro da casa, que doravante será chamado de Bob. Depois do corte e em torno da mesma típica e novelesca mesa está a família com outro figurino. Papai dá a Bob uma porção de algo apetitoso que a família saboreava. Mamãe ralha de novo com papai. Mamãe está preocupada com a saúde e Bob e se esquece do filho do casal que, gordinho, está comendo a mesma comida pouco saudável, afinal todos sabemos que pizza e bocados suculentos fazem mal à saúde. Aliás, excetuando-se o brócolis cozido na água mineral sem sal e o chá verde sem açúcar, toda comida faz mal à saúde e provoca obesidade.
Sem querer a propaganda da Amil toca num problema real. Nossa sociedade está mais preocupada com os bichos do que com os seres humanos. A mesma mocinha que posta no facebook ameaças contra quem maltrata os animais, apóia os linchamentos e a truculência policial contra moradores de favelas. Os mesmos senhores que chamam de desumanos àqueles que abandonam animais, acham corretíssimo o despejo de famílias em nome do direito à propriedade. E ai daquele que diz que não gosta de cachorros ou do cheiro de xixi de gato.
Frases do tipo, “você conhece o caráter de alguém pela maneira como esse alguém trata os animais” pululam nas redes sociais, sempre acompanhadas por fotos de cachorrinhos com olhar doce e gatinhos fofinhos. A maneira como alguém trata as outras pessoas, já não importa. Pelo contrário. Para as pessoas exige-se a pena de morte e o rebaixamento da maioridade penal. Clama-se pela tortura de presos.  O que conta como definidor de caráter, é a relação com os bichos. Tanto é assim que, sob aplausos unânimes, foi inaugurado recentemente um hospital público para animais. Creio que foi em Porto Alegre, mas outras cidades já têm planos de fazer o mesmo. Parece que cuidar da saúde animal vai gerar mais votos do que evitar mortes de seres humanos que continuam morrendo nas filas dos hospitais ou aguardando uma cirurgia simples que é sempre marcada para depois de meses ou anos.
Eu não me espantaria se em breve inaugurassem escolas para cachorros, creches para gatos e cursos de línguas para papagaios. Se nossos meninos do 4º ano mal lêem e pouco escrevem, não vem ao caso, afinal os governadores e prefeitos que abandonam a educação básica são sempre reeleitos. Não fica nenhum de fora. Nas próximas eleições por certo os veremos, já não mais beijando criancinhas e abraçando velhos durante a campanha eleitoral, e sim fazendo mimos em algum pitbul ou roçando o focinho num angorá. Na minha cidade houve quem advogasse, na última eleição municipal, por espaço exclusivo na praça pública para os bichos. Nem é necessário dizer que o mal estado dos brinquedos usados pelas crianças não comoveu ninguém

A Mamãe da propaganda é um pálido retrato da sociedade em que vivemos. 

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