terça-feira, 30 de setembro de 2014

O nosso apartheid



O negócio funciona assim: a polícia faz uma incursão numa comunidade pobre ou miserável. Esculacha, espanca e mata algum garoto mais insubordinado. A população, que já chegou ao limite do que pode suportar se revolta e desce o morro protestando. Incendeia alguma lixeira que encontra pelo caminho, joga pedras em alguma viatura e, se isso ocorrer em São Paulo, comete o crime hediondo de fechar o trânsito em alguma via importante.
Motoristas, redes de TV e imbecis em geral clamam pela ordem pública e aí vem a polícia distribuindo porrada em mulheres, velhos e crianças para desobstruir a via e desafogar o trânsito que voltará a funcionar na sua velocidade normal de 5 KM por hora.
Não é raro que na ação pela ordem, os agentes da lei matem mais alguém. Certamente haverá prisões e espancamentos na delegacia.
Nas TVs, a morte de mais um garoto negro, pobre e favelado, será noticiada por alguma sonolenta jornalista com menos emoção do que denotam os apresentadores das notícias do tempo. E nas redes sociais e caixas de comentários dos sítios informativos da internet, haverá o interminável relincho dos aprendizes de Bolsonaro.
Estamos vivendo um apartheid e não nos damos conta. Trezentos e tantos anos de chibatas e pelourinhos nos embruteceram de tal maneira que seguimos achando natural que nas TVs do país, gente como Datena, Marcelo Resende, Sherazade e outros que tais sejam campeões de audiência pregando a morte, justificando linchamentos, convalidando as ações violentas da polícia e fazendo propaganda de UPPs e outras medidas com as quais se tenta intimidar e até mesmo exterminar as populações pobres.
O exército de mão de obra de reserva está se tornando desnecessário para a produção nas sociedades modernas e seu crescimento causa medo nas camadas acomodadas da população que fecha os olhos para a barbárie policial e para as políticas governamentais de exclusão e extermínio.
A impunidade para os desmandos e assassinatos da polícia chegou a tal ponto que já não há mais necessidade de se forjar flagrantes ou autos de resistência. As imagens, amplamente divulgadas na internet, do policial baleando um camelô desarmado em pleno centro de São Paulo em nada contribuíram para que se fizesse justiça no caso. O assassino está nas ruas. O caso será esquecido pela imprensa conivente e cínica.


Nenhum comentário:

Postar um comentário