quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Amélia



Outro dia, li que alguém (não me pergunte quem, pois já esqueci o nome) gravou uma música muito tola e machista. Parece que esse alguém tem algum prestígio, tanto que sua suposta tolice repercutiu nas redes sociais com gente acusando e gente defendendo o autor da “obra”.
Entre os que polemizavam surgiu o exemplo de “Amélia”. Fez-se a comparação entre a música em questão com a obra imortal de Ataulfo Alves e Mário Lago. Nesse ponto todos concordavam que Amélia era um símbolo de composição machista, ainda que uns dissessem que não se podia comparar o nível de consciência de hoje com o do tempo de Ataulfo. Nesse caso, e em muitos outros, esquece-se que o cantor ou compositor não é o letrista e, para o bem e para o mal, Ataulfo leva as críticas que deveriam ser dirigidas a Mário Lago, o autor da letra.
 Eu escuto “Amélia” desde criança e na idade adulta, quando entrei em contato com as questões de gênero, sempre ouvi e li que esta composição era machista. O problema é que não encontro o tal machismo na letra da música. Talvez você possa me ajudar afinal, se todos vêem machismo na letra e eu não, o errado devo ser eu. Aí vão os versos:

“Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Não vê que eu sou um pobre rapaz”

Até aqui não consegui ver machismo algum. São queixas de amor que  poderiam vir na voz feminina. Talvez na segunda estrofe...

“Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo o que vê, você quer
Ai meu Deus que saudade da Amélia
Aquilo sim é que era mulher”

Nesses dias interessantes em que vivemos, quando “Sex and the city” é tida como uma série feminista e comprar muitos pares de sapatos, um ato libertário, esses versos devem mesmo incomodar. Mas ainda assim eu não vejo sequer um lampejo de machismo. Sigamos:

“As vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado dizia
Meu filho o que se há de fazer”

Aqui encontramos uma Amélia romântica, conformada com a pobreza ou estóica, mas nem de longe me parece uma vítima do machismo. E conclui Mário Lago num saudoso elogio à Amélia:

“Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade”

Bem, eu sou do tempo em que as feministas também se recusavam a adotar vaidades fabricadas pelo mercado da beleza e outras que tais.  Amélia me parece mais com uma mulher dos anos 70 do que a mulher submissa, como querem pintá-la.
Se você puder apontar onde está o machismo nessa letra, por favor, não deixe de escreve-me.


terça-feira, 25 de novembro de 2014

Kátia Abreu, o retrocesso que não se imaginava



Havia uma discussão no Senado sobre a lei que trata do trabalho escravo. Ela ocupou a tribuna e, com argumentos que por pudor não vou tentar reproduzir, procurou de todas as formas desqualificar outros parlamentares, organizações da sociedade civil, organismos internacionais e qualquer um que não fosse latifundiário. Deixou claro que se não há grilhões, chibatas e pelourinhos, não há trabalho escravo.
Em outro momento, escrevendo para a Folha de São Paulo, resolveu dar lições de antropologia e mais uma vez desmereceu o trabalho de todos aqueles que não se dispõem a exterminar os índios e tomar suas terras. Os argumentos que usou para sustentar sua tese também não merecem ser repetidos.
Agora, essa senhora está com um pé no Ministério da Agricultura. Se ela fosse convidada para o cargo por um governo encabeçado pelo PP ou pelo DEM seria coerente. Se ela formasse parte de um governo do Aécio ou do Picolé de Chuchu tampouco causaria espanto. Mas não, dona Kátia Abreu será ministra da agricultura de um governo comandado pelo Partido dos Trabalhadores.
Como pode ser que uma pessoa que faz de tudo para que o trabalho escravo não seja combatido no país se torne ministra de um governo minimamente democrático, minimamente decente?
Como é possível que uma pessoa que defende as teses mais esdrúxulas, quando trata da questão indígena, possa fazer parte de um governo que se diz progressista?
Mas, verdade seja dita, o nome da Miss Motosserra já havia sido ventilado meses atrás, quando se cogitou de uma reforma ministerial. Vários ministros estavam deixando suas pastas para disputar cargos eletivos e para substituir o titular da agricultura apareceu o nome da latifundiária.
Parecia um balão de ensaio, uma sondagem para avaliar reações. Hoje, podemos perceber que a escolha de Kátia Abreu para a pasta da agricultura já estava resolvida, esperando apenas a vitória nas urnas para que fosse efetivada. Foi uma traição do PT. aos seus militantes e eleitores. Mais uma.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A universidade pública e o povo


A hostilidade dos médicos brasileiros para com seus colegas cubanos mostrou, entre outras coisas, o conceito que se tem no país sobre as universidades públicas.
Do argumento pífio da qualificação “duvidosa” dos médicos de Cuba, facilmente desmentida pela avaliação que faz a OMS da medicina daquele país, os ressentidos médicos brasileiros passaram a ser defensores dos profissionais cubanos argumentando que recebiam salários ínfimos ficando o governo cubano com a maior parte da remuneração paga pelo governo brasileiro. Falou-se até de trabalho escravo.
Claro, os médicos brasileiros, em sua grande maioria, jamais vão entender que têm uma dívida para com a sociedade que os formou. Nem médicos nem outras categorias profissionais formados nas universidades públicas. Obviamente que não são todos os detentores de diplomas universitários que fazem de sua habilitação profissional uma mercadoria. Há quem contribua muito com o país e com a população. Mas justamente os que representam essas profissões, através dos conselhos, sindicatos e outras entidades corporativas, são os que mais demonstram desprezo às pessoas e à sociedade.
Um cidadão cubano sabe o quanto custou sua formação. Sabe que deve prestar serviços para a sociedade que financiou seus estudos. Mesmo que esses serviços sejam fora de seu país se o governo, que é quem gere as universidades, assim determinar. O brasileiro não. O estudante universitário brasileiro pensa que tudo é fruto de seu esforço pessoal e assim sendo ele tem o direito de fazer o que bem entende depois de formado.
Diferentemente dos estadunidenses que bancam sua formação universitária, dentro do espírito do capitalismo, sendo, portanto, donos de seu cabedal de conhecimentos, os brasileiros crêem que têm o direito de freqüentar as universidades pagas por todos e depois levar os conhecimentos adquiridos a qualquer parte ou vendê-los por preços inacessíveis aos que contribuíram com sua qualificação.
Será justo que os impostos de todos financiem a realização individual de alguns sem nenhuma contrapartida social?
Será justo que todos paguem para que pessoas situadas no topo de pirâmide social estudem de graça?
Um levantamento feito na USP pela Fundação Getúlio Vargas apontou que mais de 50% dos calouros de 2014 pertencem ao grupo dos 20% mais ricos da população. Entre os outros 50% tampouco vamos encontrar pobres. Talvez uma ínfima minoria. 
Será justo que os ricos e remediados ocupem as vagas das universidades públicas e que os pobres tenham que pagar pelos seus estudos?

Eu acho que não. Penso que universidade pública e gratúita deve ser para quem é oriundo da escola pública e gratúita. Se esse não é o critério justo, que se adote outro, mas algum critério deve haver. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O show da USP



Uma vez, fui assistir a um espetáculo no teatro Marília, em Belo Horizonte. Era uma encenação dos alunos de medicina da UFMG que encerravam festivamente o ano letivo. Havia números musicais e esquetes cômicos. Isso foi em 75 ou76 e a ditadura comia solta, mas os meninos da medicina não se intimidavam e desancavam o regime com a única ferramenta de que dispunham: o humor. Era uma coisa meio clandestina, pois naquela época todo espetáculo, mesmo sendo amador, tinha de passar pela censura. Obviamente aqueles textos não tinham o aval dos censores.
Pra quem não viveu aqueles tempos, deve ser difícil imaginar o quanto era importante poder rir da ditadura e de seus sequazes num espaço público, compartindo com outros o sentimento de estar do lado certo. Era uma válvula de escape. Um respiro em meio à asfixia que o regime impunha.
Ontem li no portal Geledés um artigo sobre uma encenação dos alunos de medicina da USP. Pois é, a USP, aquela universidade que está nas manchetes por casos de estupro, assédio e outros que tais.
Era uma festividade de encerramento de ano tal qual a que assisti em meados dos 70, em Belo Horizonte. Com uma grande diferença: o alvo da comicidade não era um regime ditatorial e opressor. Eram as mulheres que, depois de um caso de abuso ocorrido na faculdade, formaram um coletivo feminista. Os pacientes pobres do Hospital Universitário, onde os alunos do curso de medicina atendem, também eram alvo de chacota. Tampouco eram poupados ex-integrantes da instituição que testemunharam os abusos que sofreram.
Também diferentemente daquele que assisti, o espetáculo da USP não era aberto ao público. Era coisa só para alunos e familiares. Claro.

Será que os filhos das elites que estudam nas universidades públicas, que nós pagamos, só se tornam decentes durante ditaduras?

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Os escoteiros e o cheiro de golpe



No sábado, 15 de novembro, fui ao supermercado e trago más notícias: a batata está cara, a beterraba está cara e a cenoura está caríssima. Tinha uma oferta de peito de frango e o leite baixou de preço. Não ficou barato, baixou de preço. Comprei o que deu pra comprar.
À porta do mercado, enquanto arrumava as sacolas no bagageiro da bicicleta, comecei a escutar o som de bumbos. Não era um bumbum praticubum prugurundum, eram bumbos marciais, chatos e agourentos.
Na minha cidade faz-se o desfile de 7 de setembro com os meninos das escolas e a Polícia Militar e nada mais. Nunca havia visto os munícipes daqui comemorarem a data da Proclamação da República. Tampouco, quando me virei na direção do som dos bumbos, vi as camisas vermelhas ou brancas dos estudantes. Os que marchavam tinham camisas pardas, mas as calças eram de outra cor. Não eram os policiais militares. Tremi. Camisas pardas em desfile nessa época de golpismo explícito me fez pensar no pior.
Tomei a magrela e fui ver de perto. Eram os escoteiros. Não só os da cidade, era uma porrada de escoteiros marchando com bandeiras e muitas coisinhas penduradas nas camisas pardas. Marchavam fazendo coreografias num vai e vem sem sentido. Houve quem aplaudisse. Muitos filmavam com seus celulares. Viam-se também outros grupos com camisas de outras cores e mais medalhinhas e adereços pendurados. Um deles, homem feito, comandava o trânsito como se tivesse autoridade para isso. Os motoristas atendiam aos sinais do homem de roupinha esquisita. Não respeitam as faixas amarelas que delimitam as vagas de estacionamento nem a ciclovia nem as calçadas, mas respeitavam os sinais do homem vestido de guri.
Não carrego medos ou traumas da infância. Como diria o poeta, "o medo em minha vida nasceu muito depois." Hoje eu tenho medos. Tenho medo, por exemplo, dos escoteiros. Do que eles representam. De sua visão de sociedade. Seu lema, “Sempre alerta” me faz lembrar outro: “O preço da liberdade é a eterna vigilância” tão usado entre nós por aqueles que destruíram as liberdades nos anos de chumbo.
Na infância eu quis ser escoteiro. Alguns meninos do bairro eram. Os pequenos que ingressam no escotismo são chamados de “lobinhos” e as garotas são chamadas de “bandeirantes”. Nem os pequenos nem as meninas merecem o nome de escoteiro. Eu era pequeno, assim que o que eu queria ser era lobinho. O problema era o preço do uniforme. Caríssimo. E havia outras despesas. Não era pro meu bico.
Mais tarde li alguma coisa sobre Baden-Powell, o fundador daquela organização e lá se foi minha frustração por não ter sido escoteiro.
Baden-Powell, que foi oficial do exército colonialista inglês, participou junto a Cecil Rhodes das campanhas genocidas na África do Sul. Ajudou a destruir nações inteiras. Tudo por um diamante, por milhares deles. A empresa de Rhodes chegou a deter 90% do comércio mundial de diamantes.
Numa dessas empreitadas genocidas foi usada pela primeira vez na história, a metralhadora. Mais tarde, Rhodes, racista convicto, fundou a Rhodésia, a partir de uma concessão de exploração de diamantes, nos mesmos moldes segregacionistas da África do Sul tendo Baden-Powell a seu lado. 
Hoje, os discípulos de Baden-Powell já não descriminam por raça, ou pelo menos isso me pareceu ao assistir o desfile dos escoteiros no dia da Proclamação da República, mas ainda não aceitam gays nem ateus em seus quadros e, até onde sei, as meninas continuam não merecendo o nome de escoteiras
Os escoteiros me dão medo.



segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Os neo petistas



Faz uns vinte anos, pouco mais ou pouco menos, eu estava sentado nesse mesmo lugar em que me encontro agora, mas onde está o computador havia um rádio. O assunto que mobilizava os meios de desinformação era o processo de privatização das estatais.
Para Lilian Fritebife, que na época comandava um dos telejornais da emissora dos Marinho e opinava nas rádios e jornais do grupo, tudo estava indo muito devagar e tecia os maiores elogios à Argentina que, sob a batuta de Menen, tocava a venda de suas empresas públicas como quem vendesse bananas em fim de feira.
Nesse dia de que falo, outro defensor da entrega de empresas lucrativas ao capital privado esgrimia seus argumentos numa rádio paulista. Dizia o homem que, depois de privatizadas, bastaria ao governo retomar o controle das empresas que não estivessem cumprindo com os compromissos assumidos e com seu papel social. O argumento me parecia de uma ingenuidade tão absurda que me levava a pensar em má fé. Somente alguém que ignorasse nossa legislação (feita pelos poderosos para os poderosos) e nosso sistema judiciário (que só garante o interesse dos poderosos) poderia dizer uma coisa dessas.  Esse comentarista era o Luis Nassif.
Hoje, Nassif é um dos que defendem o governo em qualquer terreno. Na época de FHC ele via o PT, que lutou contra as descabidas privatizações de empresas sólidas e lucrativas, como agente do atraso, como um empecilho para o progresso e a modernidade. Parece que mudou de idéia.
Bem, só muda de idéia quem as tem, mas um formador de opinião deveria, ao menos, explicar os motivos de tal mudança. Numa coisa Nassif continua igual: defende o indefensável. Tanto no caso das privatizações como nos escândalos do atual governo, sua postura é ignorar os fatos e defender o poder com pífios argumentos.
Mas, verdade seja dita, eu simpatizava com o Nassif. O cara toca bandolim, toca chorinho. O mesmo não posso dizer de Paulo Henrique Amorim. Nunca o suportei. Desde os tempos em que prestava seus serviços às empresas dos Marinho.
Depois ele foi pra emissora do bispo de araque. Duas reportagens que ele fez naquele programa de domingo, cópia do Fantástico, eu assisti. Numa dessas lamentáveis matérias, estava Amorim, o bispo e a senhora bispa no interior de um carro guiado pelo motorista de sua excelência reverendíssima. Era uma reportagem desagravo, pois naqueles dias se cumpria não sei quantos anos da “injusta” prisão de Macedo. O carro passava por lugares que faziam recordar o funesto episódio. Amorim, com sua irritante voz anasalada, secundava o chororô do “injustiçado” numa plácida indignação cristã.
Numa outra reportagem eram mostrados jovens americanos que haviam feito voto de virgindade. Amorim narrava a beleza daquilo. A reportagem, além do moralismo explícito, apontava a abstinência sexual como a forma mais eficaz de combate às doenças venéreas e à gravidez precoce. Uma típica idiotice de puritanos. Amorim dava seu aval.
Hoje, ele é um dos que aplaudem até desastre de trem se o trem for do Governo Federal. Foi ele quem criou a expressão PIG para designar a imprensa de direita. Talvez esta tenha sido sua maior contribuição jornalística.
 Nassif e Amorim provam que nosso jornalismo é ruim dos dois lados do balcão.


sábado, 15 de novembro de 2014

A indignação seletiva



Qual a diferença entre a corrupção nos governos do PT e a corrupção havida em governos anteriores? Me parece que nenhuma. Muitos dos malfeitos, inclusive, vêm do passado, mudando apenas os titulares dos ministérios, das estatais, das autarquias. Os corruptores são os mesmos, com pequenas variações. Para usar a linguagem dos comentadores e palpiteiros de agora, pode-se dizer que novos “players” aparecem para substituir alguns que já não podem pôr a cara. Também na corrupção, não há vácuo.
Mesmo o mensalão, o caso mais rumoroso de corrupção, ainda que menos danoso aos cofres públicos que outros, não foi criação do PT. Seu operador, Marcus Valério, já havia prestado seus serviços ao governo tucano de Minas e como mostraram suas sucessivas prisões enquanto a ação 470 era julgada, continuava pondo seu esquema em funcionamento para quem se interessasse.
A corrupção seria o calcanhar de Aquiles das administrações petistas. Pelo menos na ótica seletiva da oposição de direita. Fora isso, só as bobagens bolsonarescas que pululam nas redes sociais como as referências ao porto de Muriel, bolivarianismo  e outras patacoadas.
 A direita não pode criticar o pouco caso do governo com relação aos índios, quilombolas, “deslocados” para construção de represas e outras minorias sem voz. Isso a direita aprova com um cínico silêncio. Isso a direita fez também. Então ela se agarra à corrupção como se nos governos anteriores ela não tivesse existido. Apostam na pouca idade de uns e na burrice de outros para entoar a cantilena enfadonha. E tem gente que vai atrás.
Claro, isso que vai escrito não é mais que um exercício de ingenuidade. O que a oposição de direita e quem nela finge acreditar odeiam no PT não é a corrupção, não é o financiamento do Porto de Muriel, não é a política externa de Lula e Dilma, não é o “bolivarianismo”.  O que essa gente odeia são os pobres. A relação estreita entre os governos do PT e as classes desfavorecidas.
A indignação seletiva no caso da corrupção é uma mera fachada de ódio aos que recebem o Bolsa Família, às cotas nas universidades, ao acesso de pessoas pobres aos bens de consumo e à cultura.
O que quer a classe média indignada não é a moralização da coisa pública. Querem empregadas domésticas sem direitos nem opções de trabalho. Querem porteiros submissos e sem instrução. Querem exclusividade nos seus antros de consumo. Querem que uma viagem de avião lhes confira status social e uma ida ao Municipal, ares de refinamento.


quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Existe algo pior que o 7 X 1? Sim, Dunga



O  jogo foi no Rio. Dunga, era o técnico do Inter. O adversário, se não me engano, o Botafogo. Por achar que o gandula estava retendo a bola, Dunga partiu pra cima do rapaz e quase o agrediu. Empurrou, xingou, tomou-lhe a bola das mãos.
Dias depois, no Redação Sportv, um convidado, que pelo que entendi era um comediante da Globo, disse que Dunga deveria ser banido do futebol. O comediante falava sério e não se referia apenas ao episódio do gandula. Era o conjunto da obra.
Dunga, o único capitão da Seleção que xingou a taça ao recebê-la, sempre se mostrou um grosso, um sujeito intratável e burro. Não pude mais que concordar com o comediante. A ausência de Dunga dos gramados seria um acréscimo ao futebol.
Durante sua primeira passagem pela Seleção Brasileira como técnico, os atritos com a imprensa foram quase diários. Dunga destratou, ofendeu, tentou fazer ironias e chacotas. Claro que a culpa não era dele. Culpados foram os que o chamaram para dirigir a Seleção. O sujeito não havia dirigido nem time de botão e recebeu o cargo mais importante do país, depois da Presidência da República, sem que ninguém entendesse o motivo. Já tínhamos a experiência de contratar um neófito para o cargo, mas nem mesmo o fracasso de Falcão serviu para que os dirigentes tomassem juízo com relação à escolha do técnico da Seleção.
Agora o temos de volta depois de fracassar na Copa de 2010 e no Internacional de Porto Alegre.
A seu favor havia um fato: Dunga, apesar da burrice congênita e patológica, consegue aprender algo. Assim foi como jogador. Quem o viu no Inter e no Vasco dando botinadas  e carrinhos, jamais poderia supor que ele se tornaria o jogador útil que foi na conquista de 94. Como técnico ele aprendeu a falar “conosco” substituindo o “com nós” de suas primeiras aparições e entrevistas. Já era alguma coisa.
Mas mal começou seu novo trabalho, vimos que Dunga pouco ou nada aprendeu alem do uso do pronome. No amistoso contra a Colômbia, o vimos com cara de ódio esbravejando por causa de uma suposta falta não marcada. O olhar rútilo, a boca trêmula a expelir os perdigotos de uma injustificável indignação. E  veio o jogo contra a Argentina. Os gestos que dirigiu para o banco dos rivais, já nos acréscimos ao tempo regulamentar, mostraram mais que um espírito tacanho e um homem mal educado, mostraram um descontrolado, um energúmeno que jamais entenderá a grandeza da Seleção.
Além do conhecimento de futebol, que obviamente ele não tem, o cargo de técnico da seleção exige postura, conduta adequada e um mínimo de educação. Dunga não tem nada disso. Depois do episódio no amistoso contra a seleção argentina, Dunga, provou que o comediante da Globo tinha razão.


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Você sabe o que é ter um amor, meu senhor?



Agora ninguém mais assiste televisão quieto. Todos os programas informativos têm seus canais de comunicação com os telespectadores e estes não dão sossego. Basta uma frase, meia frase e os dedos nervosos começam a digitar para comentar aquilo que nem escutaram. Refletir ficou totalmente fora de moda. O negócio é interagir.  Nos programas esportivos esse hábito chega ao paroxismo. Os jornalistas passam grande parte de seu tempo repetindo coisas que foram mal interpretadas por idiotas patológicos hiper interativos.
Bem que outro dia um desses chatos falando sobre a paixão pelo futebol, fez uma comparação desta com a paixão pela mulher. O comentário do apresentador foi óbvio.  Disse o moço que o mundo está cheio de casais divorciados, mas ninguém se divorcia do seu time. Claro, isso só vale para quem tem time de verdade e não para os neo-torcedores brasileiros que deram para inventar paixões pelo Barcelona, pelo Real Madrid, pelo Manchester, pelo Arsenal. Nesses casos o divórcio não é apenas uma possibilidade, como no casamento, é algo tão certo como é certo que o futebol é cíclico e quem está lá em cima vai estar por baixo algum tempo depois.
Essas falsas paixões tendem a terminar tão logo seque o poço dos títulos e das vitórias. Esses que trocam seu time de infância por algum time estrangeiro da moda, fazem o mesmo com as amadas tão logo aparecem as primeiras rugas, as primeiras celulites.  Volúveis em tudo jamais saberão das dores e delícias de uma segunda divisão, de um jejum de títulos. Jamais verão como ela continua linda com aquelas rugas emoldurando os olhos quando ri.
Eu tenho cá minhas paixões, as mesmas desde sempre. Muitas vezes tristes, mas paixões duradouras. A primeira foi o Galo, paixão tão antiga que nem tem data. Esqueci, como no bolero de João Bosco e Aldir Blanc, nosso começo inesquecível. A segunda foi a Seleção Brasileira.
Foi aos doze anos, quase treze, que eu vi Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo;  Clodoaldo, Gerson e Rivelino; Jairzinho, Pelé e Tostão ganharem nosso terceiro título nos gramados do México. Quem os viu sabe do que estou falando. Não havia como não se apaixonar pela melhor seleção de todos os tempos jogando o mais lindo futebol jamais visto e nunca superado. Esse time passou, ficou a paixão. 
Só mais tarde é que soube que uma mulher podia fazer meu coração bater tanto.
Mas agora estou de mal. Não morreu a paixão, mas a vi nos braços de outro. De um outro qualquer.
Logo mais, minha Seleção, minha paixão de menino, vai jogar um amistoso e eu não vou assistir. A seleção vai jogar sob o comando de Dunga, um tipo qualquer.  

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Infância, trabalho e punição



O que hoje entendemos como direitos trabalhistas, foram conseqüências das lutas dos socialistas, comunistas,  anarquistas, sociais democratas e reformadores sociais em geral. A jornada de 8 horas era algo impensável para o capitalismo do século 19 e começos do século 20. Férias remuneradas, aposentadoria, licença maternidade, direito de greve e outras coisas que nem nos preocupamos mais em discutir, pareceriam aberrações para os patrões da revolução industrial.
Ao longo do tempo, após muitas lutas e incontáveis vidas perdidas nas greves e revoltas de operários e camponeses, o capitalismo foi cedendo os anéis para não perder os dedos. Como se sabe, as concessões que os patrões foram obrigados a fazer em nada diminuíram seus lucros que, pelo contrário, se tornam a cada dia mais astronômicos.
As condições de trabalho na Europa da revolução industrial e nos países colonizados pelos europeus, hoje nos parecem chocantes. Nem mesmo o mais reacionário dos capitalistas de hoje defende abrtamente aquele modo de produção e exploração do trabalho.
Mas há algo que se destaca naquele mundo de injustiça social e aberrações: o trabalho infantil. A exploração de crianças nas fábricas e no campo, largamente difundida e utilizada na Europa e EE.UU por séculos, é ainda hoje uma realidade no Brasil.
Também nesse caso temos dois brasis: um das leis e outro das práticas.
Mas mesmo no Brasil das leis, a norma jurídica que estabelece os critérios do trabalho de menores é amplamente contestada não só pelos que dele fazem uso como pela população consumidora dos programas policialescos de TV e das redes sociais, inundada de conservadores dos mais boçais.
Há uma postagem que mexe e vira aparece nos facebooks da vida. Ela afirma que no Brasil o menor de idade pode tudo: matar, assaltar, estuprar e consumir drogas, só não pode trabalhar. É a típica visão de mundo de nossa classe média. Distorcendo os fatos, advogam por mais punição. Desconhecendo os dados mais elementares, se torna massa de manobra do conservadorismo interesseiro.
Os que defendem o trabalho na infância e na adolescência são os mesmos que pregam a diminuição da maioridade penal e a pena de morte. Defendem trabalho e punição não para os seus filhos, mas para os filhos da pobreza.
Esses senhores saudosos de chibatas e pelourinhos, também se voltam contra as cotas raciais nas universidades. Para eles e seus filhos querem o monopólio dos bancos nas universidades, para os pobres e negros, o banco dos réus e o trabalho aviltante.


segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Proibicionismo demagógico



Outro dia, vendo um jogo do campeonato brasileiro pela TV, ouvi do comentarista que o estádio ganhara bom público minutos antes do início da partida. O locutor, que era local, explicou que isso se tornara comum depois da proibição da venda de cerveja na praça esportiva. O pessoal fica nos bares mais distantes enchendo a cara antes de entrar. Bebe mais, mais rápido e, para economizar, troca a cerveja por uma branquinha. Uma ou duas. No máximo cinco.
A proibição, que não vigorou durante a Copa do Mundo, é uma dessas medidas demagógicas e inócuas que nossas autoridades tomam quando não querem fazer nada. Nenhum torcedor ficou mais sóbrio depois da proibição, nenhum baderneiro ficou mais civilizado, nenhuma torcida organizada deixou de espancar e matar rivais, mas quem gostava de tomar uma gelada durante as partidas ficou impedido de fazê-lo.
Proibir, num país de cunho autoritário como o nosso, sempre fez sucesso. Jânio  proibiu biquinis na televisão. A ditadura proibia filmes que hoje passam na sessão da tarde. Um promotor, ou algo que o valha, de São Paulo chegou a proibir as torcidas organizadas. Não as combateu, não mandou prender seus membros mais violentos, não puniu seus crimes, não fez nada prático; as proibiu.
As leis proibicionistas que tentam interferir na intimidade do cidadão têm mostrado ao longo da história sua ineficácia. Isso quando não geram o efeito contrário ao prometido. Em Nova York funcionavam 500 bares antes da lei seca. Todos legalizados e pagando impostos. Depois de vigorar por alguns anos, a lei puritana conseguiu que esse número chegasse a 5 mil. Todos ilegais e pagando propina à polícia e ao judiciário.
No Brasil não corremos o risco de uma lei seca. A indústria de bebidas é poderosa e movimenta muita grana. Nosso proibicionismo se volta contra outras drogas e com o mesmo resultado da lei seca americana: confere enorme poder econômico e político aos que traficam em grande escala, sujeita os consumidores aos abusos e à extorsão da policia e corrompe as autoridades que fingem combater o ilícito.
Entre os que defendem abertamente a continuação da política anti-drogas até aqui praticada, estão os pastores e bispos de araque, a bancada da bala e moralistas de todos os matizes. Outros defensores do que não dá certo são os que lucram com a proibição: os grandes traficantes e os policiais que já contam com o dinheiro da extorsão e da corrupção como parte de sua remuneração.

Por linhas tortas (dando ênfase ao aspecto medicinal da maconha) a sociedade brasileira parece estar começando a compreender que a questão da droga e do dependente químico deve sofrer outra abordagem que não a simples proibição do uso. 
Com a nova composição do congresso, de perfil ainda mais consevador, certamente se dará um passo atrás.