terça-feira, 18 de novembro de 2014

Os escoteiros e o cheiro de golpe



No sábado, 15 de novembro, fui ao supermercado e trago más notícias: a batata está cara, a beterraba está cara e a cenoura está caríssima. Tinha uma oferta de peito de frango e o leite baixou de preço. Não ficou barato, baixou de preço. Comprei o que deu pra comprar.
À porta do mercado, enquanto arrumava as sacolas no bagageiro da bicicleta, comecei a escutar o som de bumbos. Não era um bumbum praticubum prugurundum, eram bumbos marciais, chatos e agourentos.
Na minha cidade faz-se o desfile de 7 de setembro com os meninos das escolas e a Polícia Militar e nada mais. Nunca havia visto os munícipes daqui comemorarem a data da Proclamação da República. Tampouco, quando me virei na direção do som dos bumbos, vi as camisas vermelhas ou brancas dos estudantes. Os que marchavam tinham camisas pardas, mas as calças eram de outra cor. Não eram os policiais militares. Tremi. Camisas pardas em desfile nessa época de golpismo explícito me fez pensar no pior.
Tomei a magrela e fui ver de perto. Eram os escoteiros. Não só os da cidade, era uma porrada de escoteiros marchando com bandeiras e muitas coisinhas penduradas nas camisas pardas. Marchavam fazendo coreografias num vai e vem sem sentido. Houve quem aplaudisse. Muitos filmavam com seus celulares. Viam-se também outros grupos com camisas de outras cores e mais medalhinhas e adereços pendurados. Um deles, homem feito, comandava o trânsito como se tivesse autoridade para isso. Os motoristas atendiam aos sinais do homem de roupinha esquisita. Não respeitam as faixas amarelas que delimitam as vagas de estacionamento nem a ciclovia nem as calçadas, mas respeitavam os sinais do homem vestido de guri.
Não carrego medos ou traumas da infância. Como diria o poeta, "o medo em minha vida nasceu muito depois." Hoje eu tenho medos. Tenho medo, por exemplo, dos escoteiros. Do que eles representam. De sua visão de sociedade. Seu lema, “Sempre alerta” me faz lembrar outro: “O preço da liberdade é a eterna vigilância” tão usado entre nós por aqueles que destruíram as liberdades nos anos de chumbo.
Na infância eu quis ser escoteiro. Alguns meninos do bairro eram. Os pequenos que ingressam no escotismo são chamados de “lobinhos” e as garotas são chamadas de “bandeirantes”. Nem os pequenos nem as meninas merecem o nome de escoteiro. Eu era pequeno, assim que o que eu queria ser era lobinho. O problema era o preço do uniforme. Caríssimo. E havia outras despesas. Não era pro meu bico.
Mais tarde li alguma coisa sobre Baden-Powell, o fundador daquela organização e lá se foi minha frustração por não ter sido escoteiro.
Baden-Powell, que foi oficial do exército colonialista inglês, participou junto a Cecil Rhodes das campanhas genocidas na África do Sul. Ajudou a destruir nações inteiras. Tudo por um diamante, por milhares deles. A empresa de Rhodes chegou a deter 90% do comércio mundial de diamantes.
Numa dessas empreitadas genocidas foi usada pela primeira vez na história, a metralhadora. Mais tarde, Rhodes, racista convicto, fundou a Rhodésia, a partir de uma concessão de exploração de diamantes, nos mesmos moldes segregacionistas da África do Sul tendo Baden-Powell a seu lado. 
Hoje, os discípulos de Baden-Powell já não descriminam por raça, ou pelo menos isso me pareceu ao assistir o desfile dos escoteiros no dia da Proclamação da República, mas ainda não aceitam gays nem ateus em seus quadros e, até onde sei, as meninas continuam não merecendo o nome de escoteiras
Os escoteiros me dão medo.



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