sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

O grande homem, as grandes frases



Minha ignorância é vasta e profunda. E não só quanto a fatos e especificidades. Há pessoas importantes que desconheço até que seu necrológio ganhe manchetes e páginas inteiras em jornais e revistas. É só na homenagem póstuma que tomo conhecimento de vultos e mártires; de gênios e santos.
Há pouco tempo, começou a aparecer no facebook o rosto de um cara encimando frases, grandes frases, bem ao gosto dos usuários das redes sociais. Em muitas dessas frases e parágrafos eu via o que quase sempre vejo nas grandes frases dos grandes homens: o gosto pela grandiloqüência e a profundidade de um pires.
Mas vendo aquele rosto que me freqüentava quase que diariamente na rede social, me lembrei: eu o havia visto antes num programa exibido na TV pública. Na verdade assisti trechos do programa duas ou três vezes.
Eu gosto muito de ouvir pessoas falando de suas vidas, principalmente quando são pessoas velhas, mas nesse caso só o tédio da programação comercial me fez ouvir o relato do homem. O caso é que o cara era um chato de galochas e suspensórios. Sem ter idéia de quem se tratava, antipatizei com o sujeito
Ao enfadonho de suas narrativas ele juntava a auto mitificação tão própria aos burgueses que querem ocultar suas vidinhas acomodadas e mansas. Contou de sua sofrida infância como estudante do Colégio Andrews, segundo ele mesmo, um dos mais caros do Rio naquela época. Antes falara da extrema pobreza em que vivera poucos anos antes e relembrou a casa de fazenda com ratos caminhando pelas vigas. O relato não colava, não era verossímil. Num espaço de poucos anos a abastança da família fazendeira, a casa com ratos e o colégio Andrews.
Em outro trecho da longa entrevista ele falou de nosso conterrâneo (mais dele do que meu, pois ambos são da mesma cidade: Boa Esperança), Nelson Freire, que conheceu menino. E manda a grande frase que sempre se espera do grande homem: “Ele tem veludo nos dedos, outros têm martelos, ele tem veludo”. Ora, dizer que um pianista tem veludo nos dedos deve ser o maior clichê do mundo da música. Mas não ficou nisso.
Colocando um CD do pianista para tocar, o grande homem semicerrou os olhos em pose de deleite e circunspecção. Fiquei imaginando o constrangimento do entrevistador, do "câmera" e do iluminador naquele instante infindável.

Pouco tempo depois das frases no facebook e do programa de TV, o grande homem morreu. Dele muito se falou desde então. Todos (menos eu) o conheciam e enalteceram seu aporte à educação e várias outras áreas, pois o grande homem era educador, psicanalista, teólogo, doutor em filosofia (Ph.D) e escritor. O grande homem, desconhecido para mim, era Rubem Alves, o chato mais incensado dos últimos tempos.

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