Minha ignorância é vasta e profunda. E não só quanto a fatos
e especificidades. Há pessoas importantes que desconheço até que seu necrológio
ganhe manchetes e páginas inteiras em jornais e revistas. É só na homenagem
póstuma que tomo conhecimento de vultos e mártires; de gênios e santos.
Há pouco tempo, começou a aparecer no facebook o rosto de um
cara encimando frases, grandes frases, bem ao gosto dos usuários das redes
sociais. Em muitas dessas frases e parágrafos eu via o que quase sempre vejo
nas grandes frases dos grandes homens: o gosto pela grandiloqüência e a
profundidade de um pires.
Mas vendo aquele rosto que me freqüentava quase que
diariamente na rede social, me lembrei: eu o havia visto antes num programa
exibido na TV pública. Na verdade assisti trechos do programa duas ou três
vezes.
Eu gosto muito de ouvir pessoas falando de suas vidas,
principalmente quando são pessoas velhas, mas nesse caso só o tédio da
programação comercial me fez ouvir o relato do homem. O caso é que o cara era
um chato de galochas e suspensórios. Sem ter idéia de quem se tratava,
antipatizei com o sujeito
Ao enfadonho de suas narrativas ele juntava a auto
mitificação tão própria aos burgueses que querem ocultar suas vidinhas acomodadas
e mansas. Contou de sua sofrida infância como estudante do Colégio Andrews,
segundo ele mesmo, um dos mais caros do Rio naquela época. Antes falara da
extrema pobreza em que vivera poucos anos antes e relembrou a casa de fazenda com
ratos caminhando pelas vigas. O relato não colava, não era verossímil. Num
espaço de poucos anos a abastança da família fazendeira, a casa com ratos e o
colégio Andrews.
Em outro trecho da longa entrevista ele falou de nosso
conterrâneo (mais dele do que meu, pois ambos são da mesma cidade: Boa
Esperança), Nelson Freire, que conheceu menino. E manda a grande frase que
sempre se espera do grande homem: “Ele tem veludo nos dedos, outros têm
martelos, ele tem veludo”. Ora, dizer que um pianista tem veludo nos dedos deve
ser o maior clichê do mundo da música. Mas não ficou nisso.
Colocando um CD do pianista para tocar, o grande homem semicerrou
os olhos em pose de deleite e circunspecção. Fiquei imaginando o
constrangimento do entrevistador, do "câmera" e do iluminador naquele instante
infindável.
Pouco tempo depois das frases no facebook e do programa de
TV, o grande homem morreu. Dele muito se falou desde então. Todos (menos eu) o
conheciam e enalteceram seu aporte à educação e várias outras áreas, pois o
grande homem era educador, psicanalista, teólogo, doutor em filosofia (Ph.D) e
escritor. O grande homem, desconhecido para mim, era Rubem Alves, o chato mais
incensado dos últimos tempos.
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