domingo, 4 de janeiro de 2015

Uma princesa com verruga no nariz



O ônibus ia lento pela Nª Sª de Copacabana naquele final de tarde e num certo momento se deteve no meio do quarteirão. Havia uma banquinha como as dos camelôs e uma moça belíssima parou junto a ela. Não era o negócio de um camelô, era a banquinha do Amaral Neto e recolhia assinaturas de apoio para o único projeto do deputado: a instauração da pena de morte no Brasil. Essas banquinhas estavam espalhadas pelas ruas do Rio no final dos anos 70.
Amaral Neto elegeu-se várias vezes tendo como única bandeira essa proposta. A pena de morte, segundo ele, era a cura para todos os males, para todas as mazelas do país. Claro, ele nunca conseguiu sua aprovação, mas acumulou mandatos na Câmara Federal graças ao projeto demagógico e conservador.
Naquela tarde de que falo, a moça belíssima parou para dar seu apoio ao projeto da pena de morte. Tomou da caneta, acomodou o carrinho de bebê que empurrava e firmou. A moça era uma típica carioca de Copacabana com sua pele bronzeada, cabelos  escorrendo pelos ombros e uns óculos escuros que lhe davam ares de artista de cinema. Devia andar pela casa dos vinte anos. Teria uns sete ou oito anos mais que eu que acabara de entrar naquele tramo da vida.
A beleza da moça, o carrinho de bebê, (daqueles chiques com amortecedores e rodas brancas) o bebê que eu não via desde meu assento no ônibus Copacabana – Castelo, o fim de tarde maravilhoso da cidade maravilhosa, nada combinava com Amaral Neto e com sua pena de morte. Principalmente a moça com sua copacabanesca beleza. Aquilo não fazia sentido para mim.
No entanto, eu já era grandinho. O que eu esperava? Velhas bruxas de verrugas no nariz apoiando a demagogia de Amaral Neto? Por que não a moça de óculos de artista de cinema?
Não sei o que pensava naqueles dias, mas me dou conta que ainda hoje espero que somente as velhas bruxas com verrugas no nariz sejam reacionárias e más. As princesas eu as quero com todas as virtudes e vestindo uma camiseta com o retrato do Che.
Mas basta uma entrada no facebook, basta ler uns comentários postados nos sítios informativos e minha idealização de contos de fadas se esfuma.
Outro dia uma moça tão linda quanto a que vi firmando o abaixo-assinado de Amaral Neto lá nos anos 70, postou nas redes sociais um cartum que mostrava meninos de uma favela mortos e uma mãe chorando. Um balão saído da figura de um policial com a arma ainda fumegante fazia troça da dor da mulher que chorava seu filho morto. A menina achou tudo muito engraçado escreveu muitos ha has e acrescentou que quem defende bandidos merece o mesmo fim. Até em um cartum ela encontrou a certeza de que se tratava de bandidos e que mereceram ser mortos sem defesa ou julgamento.
Não resisti e entrei na página da moça no facebook. Lá estavam muitas fotos de sua beleza juvenil, muitos cachorrinhos fofos, frases do Paulo Coelho e mensagens cristãs adornadas por flores e paisagens bucólicas. Notei que nas fotos ela sempre mostrava seu perfil esquerdo exceto numa. Era uma foto mais descontraída com várias outras moças, todas sorrindo com muitos dentes. E foi aí que eu vi. Pensei que fosse uma sujeira na tela do computador. Não era. Busquei os óculos e tive a certeza de que sobre sua narina direita crescia uma verruga. Ainda era um projeto de verruga, mas lá estava.


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